Após a Crimeia separar-se da Ucrânia, os escoceses vão votar se seu país sai ou não do Reino Unido

Alex Salmond, líder dos separatistas: plebiscito visa a total separação da Escócia da Inglaterra e da Grã-Bretanha | Foto: Reuters
Alex Salmond, líder dos separatistas: plebiscito visa a total separação da Escócia da Inglaterra e da Grã-Bretanha | Foto: Reuters

Há poucas semanas comentávamos, nesta coluna, o plebiscito realizado na Suíça, em fevereiro passado, no qual a população decidira sobre a limitação da entrada de estrangeiros no país e as consequências deste referendo em relação à União Europeia. (Jornal Opção, edição 2017, de 2 a 8 de março de 2014).

Em 9 de março presenciamos o plebiscito na Crimeia, onde a maioria da população optou por separar-se da Ucrânia e filiar-se aos países da Federação Russa. O referendo suíço resultou de um anseio popular nascido espontaneamente. O da Crimeia foi diferente. Não veio da base. Foi ditado de cima. E de fora!

Enquanto o referendo suíço repercutiu apenas na Europa, o da Crimeia teve repercussão internacional e, vinculado com os antecedentes em Kiev, a data de 9 de março de 2014 talvez entrará na história como a segunda divisão política do mundo entre Leste e Oeste, comparada àquela que se criou com a Guerra Fria como resultado da 2ª Guerra Mundial.

A última separação política de um país europeu ocorreu com a Tchecoeslováquia, que se criara com a fusão da Tchequia e da Eslováquia após o fim da 1ª Guerra Mundial em 1918 em consequência da queda do Império Áustro-Húngaro. O país fusionado passou a fazer parte dos países-satélites da União Soviética. Após a ruptura do Império Soviético em 1991 a Tchecoeslováquia voltou a se separar (em 1992), tornando-se dois países independentes, a Tchequia e a Eslováquia, como o foram até 1918. Esta separação nasceu da vontade recíproca dos dois países, razão pela qual processou-se na base de entendimentos mútuos, sem grandes obstáculos.

Em breve, a Europa será palco de mais um plebiscito que, dependendo dos resultados, terá maiores consequências em âmbito europeu, daquele realizado na Suíça. A Europa está em vésperas de presenciar a nascença de mais um novo país: a Escócia.

Os plebiscito suíço levou dois anos de preparo; o da Crimeia apenas oito dias, uma das razões porque o mundo ocidental o vê em desconformidade ao Direito Internacional. As gestões para separação da Escócia da Grã-Bretanha, visando a total independência, já duram meio século. Apesar do longo período de preparo, a eventual independência da Escócia está envolta com dificuldades administrativas de grande vulto tendo em vista o passado histórico da Inglaterra com a Grã-Bretanha, o atual entrelaçamento da In­glaterra e da Grã-Bretanha com a Escócia e para complicar ainda mais, o entrelaçamento de todos com a União Europeia. É um verdadeiro nó górdio que os governos de Londres e Edin­burgh terão que desatar.

No início da década 60 do século passado foram descobertas substanciais reservas de petróleo e gás natural no Mar do Norte, em águas territoriais da Escócia, o que imediatamente motivou ideias separatistas. Em 1964 o partido Scottish National Party (SNP) desfraldou oficialmente a bandeira do separatismo, reclamando os direitos de produção, distribuição e lucros destas riquezas naturais serem unicamente de propriedade do governo escocês.

Em 1974 o SNP obteve 22% de votos na Câmara Baixa em Londres; em outubro do mesmo ano, na eleição na Escócia chegou a 30%, o que motivou o então primeiro-ministro britânico James Callaghan (1912-2005) a vir ao encontro dos desejos da Escócia em seus anseios de mais autonomia. Em 1979 realizou-se um referendo sobre a transferência de direitos de Estado ao parlamento escocês que foi ganho por pequena margem, mas declarado nulo pois apenas 40% dos eleitores tinham votado a favor da separação.

Entre 1979 e 1997 durante os governos conservadores de Margareth Thatcher e John Major nada de importante foi decidido em relação à Escócia. A situação mudou a partir de 1997 quando, com o Labor Party (Partido Tra­balhista) no poder em Londres, foi decido a realização de um segundo referendo no qual ampla maioria votou a favor da criação de um Parlamento Escocês, inclusive com alterações na lei fiscal. A Escócia atingiu uma fase de “autonomia limitada” dentro do Reino Unido, o que não satisfez os apetites separatistas do SNP e outros grupos menores que clamavam por uma independência total do Reino Unido.

Na eleição de 2007 para o Parlamento Escocês, o SNP projetou-se como o partido mais votado apesar de não ter conseguido a maioria absoluta. Alex Salmond, ferrenho separatista, eleito primeiro-ministro escocês num governo minoritário, deu início a uma campanha denominada “National Conversation”, o que nada mais foi do que uma ampla campanha de esclarecimento público que culminou com a publicação de um “Livro Bran­co”, uma espécie de anteprojeto intitulado “Referendum (Scot­tland) Bill”, que apresentou quatro possíveis alternativas para a separação. A que mais interessou ao SNP é a que tinha em vista a total independência.

A independência ampla daria ao Parlamento Escocês o poder de transformar a Escócia em um país que “teria os direitos e responsabilidades de um estado soberano”. Este novo Estado deveria ser membro pleno da União Europeia com as devidas responsabilidades sociais, políticas e econômicas com o resto do Reino Unido, que já é membro da União Europeia embora sem a adoção do euro como moeda.

A rainha do Reino Unido, Elisabeth II, ficararia sendo autoridade máxima da Escócia, de forma que a Escócia se uniria com o resto do Reino Unido numa união monárquica como já existira entre 1603 e 1707, com a “Union of the Crowns”, união das coroas, isto é, um monarca, dois países. Elisabeth I (1533-1603), filha de Henrique VIII, rainha da Inglaterra conhecida como Elisabeth Tudor, teve como sucessor James VI (1566-1625) que se tornou rei da Escócia e da Inglaterra sob o nome de James I.

Oliver Cromwell foi mais adiante. Apoderou-se do poder e entre 1651 e 1660 reinou com uma triple coroa, a da Inglaterra, da Escócia e da Irlanda. A atual rainha Elisabeth II como rainha da Inglaterra, do Reino Unido e de uma Escócia independente e soberana representaria uma repetição de um período histórico já vivido pela Inglaterra há alguns séculos.

Importante neste desenvolvimento é o fato de que em 1707 houve a Union of Parliaments ( União dos Parlamentos) com a qual a Escócia consentiu com a fusão de um parlamento comum com a Inglaterra. Nesta união de parlamentos também houve acordo com respeito ao uso de uma bandeira e moeda comum que perdura até hoje, embora de forma jurídica anômala.

A Inglaterra é um Estado dentro da Grã-Bretanha (ou Reino Unido) que não tem parlamento próprio. O parlamento da In­glaterra é o Parlamento da Grã-Bretanha. Ademais, a Inglaterra não tem constituição e não tem hino nacional. O hino nacional que ouvimos em competições esportivas é o hino da Grã-Bretanha. A Inglaterra tem uma bandeira; a Grã-Bretanha tem outra. Juristas europeus há muitos anos pedem que a Inglaterra ponha a sua casa (anômala) em ordem.

Na eleição de 2011 o SNP, liderado por Alex Salmond, conseguiu a maioria absoluta no Parlamento Escocês, o que lhe deu a possibilidade para a realização de um novo plebiscito que visa a total separação da Escócia da Inglaterra e da Grã-Bretanha, marcado para 18 de setembro de 2014.

Caso os escoceses votem a favor da separação, já foi fixado um período adicional de dois anos necessários para solucionar as dificuldades administrativas resultantes deste projeto separatista e a Escócia festejaria a sua independência apenas em 2016.

Enquanto isso faltam apenas seis meses para a data fixada e já agora a Escócia vive em clima agitado no qual separatistas e não separatistas procuram, como em campanha eleitoral, convencer a população. O governo em Londres, não contente com este desenvolvimento, já ameaçou de não permitir que a Escócia, em caso de separação, continue a usar a libra esterlina como moeda. Em contraposição o governo escocês ameaçou de não pagar as dívidas que têm em comum com a Inglaterra, uma soma de 1,9 bilhão de euros (cerca de 6,2 bilhões de reais).

Mark Carney, governador do Bank of England (corresponde ao Banco Central) adverte: “Uma união monetária, sem união política, sem união bancária e sem orçamento comum gera instabilidade”. Caso o governo em Londres se mostre intransingente nesta questão, a Escócia independente e soberana teria duas opções: emitir sua própria moeda ou aderir ao euro.

Os três grandes partidos britânicos, geralmente em discordância, desta vez são unânimes em combater o projeto separatista de Alex Salmond. David Cameron, primeiro-ministro britânico, exorta veementemente os escoceses a permanecerem no Reino Unido.

Semanalmente jornais da In­glaterra, do Reino Unido e da Escócia publicam os resultados de suas pesquisas de opinião pública. A maioria das pesquisas de momento marca uma diferença média de 10 pontos entre os pro-independência e os contra. O instituto de pesquisa Ipsos Mori (www.ipsos-mori.com), autorizado pelo “The Sun”, em pesquisa realizada em janeiro passado revelou 39% a favor e 50% contra a separação, indecisos 11%. A campanha dos separatistas, de momento, está focalizada nos indecisos. Uma vitória seria possível se os indecisos e mais uma pequena porcentagem (2%) dos não separatistas votassem a favor da separação. Analistas preveem um desfecho apertado, mas muitos deixam em aberto quem sairá vitorioso.

Novo nesta campanha é a questão de custos. O referendo não deverá ser financiado com dinheiro público. Ambos os lados não pouparam esforços para angariar fundos de particulares, empresas e demais instituições não públicas. Um bom exemplo a ser seguido em qualquer país, também para outras campanhas.