“Era um bom menino – nunca fez mal a ninguém”
25 fevereiro 2017 às 11h33
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Os detalhes narrados a seguir não são ficção, são reais. É a história de um jovem que na onda de refugiados veio à Europa, com falsas aparências, e tornou-se assassino.
É uma história que bem poderá estar em lugar de outras tantas com protagonistas semelhantes que, camuflados, vieram à Europa sob o manto de refugiados debaixo do qual escondem outras, suas verdadeiras, intenções. O atentado terrorista no mercado natalino de Berlim, em 19 de dezembro passado, revela entre outros detalhes, como o Estado, no cumprimento de suas leis, tropeça em suas próprias leis.
Atentados terrorista são hediondos e têm detalhes em comum: são súbitos, inesperados e seus autores desconhecidos. O de Berlim foge desta regra. O autor era conhecidíssimo das autoridades da Itália e da Alemanha que dispunham de volumoso dossiê com provas cabais que teriam permitido medidas legais para evitar aquela desvairada ação.
Além disso o Serviço Secreto do Marroco e dos Estados Unidos, a Central Intelligence Agency (CIA) tinham o autor do atentado de Berlim em seu foco de observação e cuidaram de informar seus congêneres na Itália e Alemanha, alertando sobre sua periculosidade. Este vazamento, não confirmado pelos órgãos responsáveis da Alemanha, está sendo, por isso, interpretado como verdadeiro.
Seu nome: Anis Amri, natural da Tunísia, nascido numa aldeia, cerca de 80 km da capital Túnis, filho mais novo de uma família de três filhos. No seio familiar Anis falou de seus planos de ir à Europa para estudar. Passadas algumas semanas Anis desaparece, silenciosamente, sem deixar informações nem à família, nem aos amigos.
Em princípios de 2011 Anis é resgatado, junto com dezenas de outros náufragos, pela vigilância costeira italiana de um barco procedente da Tunísia que naufragara nas proximidades da Ilha de Lampedusa. Ao ser internado num alojamento de refugiados em Lampedusa, Anis declarou não possuir documentos, ser menor de idade e de nacionalidade marroquina.
Segundo as formalidades da UE um refugiado, sem identificação, não pode ser repatriado a seu país de origem nem a um terceiro. Autoridades italianas solicitaram emissão de papéis junto aos órgãos de segurança em Túnis mas estes nem sequer reagem. Ao mesmo tempo o governo do Marroco informa que Anis Amri não é cidadão marroquino.
Em consequência Anis teve que permanecer no alojamento em Lampedusa (por conta do governo italiano) onde teve problemas de relacionamento com outros alojados. Segundo depoimentos de outros internos, Anis era temido por acharem-no perigoso. De fato Anis agredira várias pessoas, inclusive membros da própria instituição, e ateou fogo no alojamento, o que causou substanciais danos materiais. Nessa altura, Anis declarou ser cidadão egípcio. Autoridades do Cairo, no entanto, informaram não existir cidadão egípcio com o nome de Anis Amri.
Pelo incêndio Anis foi processado e condenado a quatro anos de prisão. Encarcerado no sul da Itália Anis não mudou de comportamento. Em consequência, após dois anos de prisão, foi removido para um presídio em Palermo, na Sicília, onde repetidas vezes ameaçou degolar um carcereiro tão logo estivesse em liberdade.
Cumpriu aí seus quatro anos de detenção e as autoridades italianas, apesar de ainda não terem recebido documentos da Tunísia, tiveram que soltá-lo e o fizeram sob a condição: “Você, sem documentos, não pode permanecer na Itália; siga para qualquer país, mas não permaneça na Itália”. Anis Amri seguiu ao norte e foi parar na Alemanha, no estado da Renânia do Norte-Vestfália (RNV) onde requereu asilo, com nome e cidadania correta, Anis Amri, tunisiano. Mais uma vez declarou não possuir documentos; o requerimento foi indeferido mas as autoridades da RNV solicitaram documentos e informações junto às autoridades em Túnis que, mais uma vez, silenciaram.
Anis foi alojado num abrigo de refugiados, com pensão alimentícia, roupas, artigos de higiene e uma mesada no valor de 340 euros por conta do estado da RNV, ou seja, por conta do contribuinte. Ignorando os regulamentos Anis saía em viagem pelo país. Nessas andanças Anis Amri deve ter descoberto brechas no sistema imigratório da Alemanha. Pediu asilo em vários outros Estados, sempre com nomes diferentes, ao todo 14. Todos os pedidos foram deferidos por falta de documentos.
Segundo Heiko Maas, ministro da Justiça da Alemanha, oito promotorias públicas de vários Estados da federação alemã tinham iniciado processos de investigação contra Anis que, nesta altura, era visto como islamista perigoso com longa lista de acusações. A maioria das investigações acabou sendo arquivada por falta de “elementos mais concretos”.
Anis Amri passou a ser monitorado por por várias instâncias do serviço secreto da Alemanha. O monitoramento durou seis meses quando foi dada ordem de cancelá-la. Estranho é que Anis, durante este período de observação, sempre conseguia “desaparecer do radar” dos vigiadores. Certa vez foi controlado em Berlim. Não chamou atenção.
Em julho passado Anis Amri foi preso em Ravensburg, no sul da Alemanha, com a finalidade de deportá-lo. Como não tinha documentos, foi posto em custódia. Era sexta-feira e, na Alemanha, a custódia é de 48 horas. Segunda-feira, por ordens de um juíz local, Anis foi posto em liberdade.
Em 19 de dezembro o dono de uma empresa de transportes em Stetin, no norte da Polônia, procura entrar em contato com um de seus motoristas, Lukasz Urban, que naquele dia trasportava uma carga da Itália para Berlim. O último contato fora por volta do meio-dia quando Lukasz Urban dissera a seu chefe que chegaria a Berlim bem antes da hora prevista. Pelas 16 horas o dono da empresa tentou novo contato. Lukasz Urban, motorista confiável, não atendeu, detalhe que o empresário estranhou.
A perícia técnica, baseado nos dados do GPS do caminhão, posteriormente constatou que Lukasz realmente chegara bem antes da hora. Supõe-se que, como não estava sob pressão de tempo, parara num ponto que conhecia e onde sabia poder comer um sanduíche para, em seguida, liberar a carga no ponto de destino. Foi aí que entra em cena o tunisiano. Não se sabe como, mas certo é que Anis Amri sequestrou o caminhão e o condutor Lukasz Urban.
No início da noite Anis Amri arremete o caminhão no mercado natalino de Berlim onde, na hora, havia grande aglomeração de visitantes. O tresloucado gesto custou a vida de 12 pessoas e feriu outras 50. Anis Amri, no alvoroço, desaparece por entre a multidão.
Lukasz Urban, o motorista polonês, foi encontrado morto na cabine do caminhão. Um tiro na cabeça e diversas facadas tiraram-lhe a vida. Na Polônia deixou mulher e um filho de 17 anos. Um documento com o nome de Anis Amri também foi encontrado na cabina. Nos quatro dias seguintes autoridades de segurança europeias procuram Anis Amri pelo Continente todo.
Sexta-feira, 23 de dezembro, às 3 horas da madrugada, uma viatura com dois policiais em ronda passa na praça defronte a estação de trem de Sesto San Giovanni, um subúrbio ao norte de Milão. Ao verem um homem, parado àquelas horas da madrugada, resolvem abordá-lo, um trabalho de rotina. Ao pedir seus papéis de identidade, o homem vasculha em sua mochila. Em vez de apresentar documentos saca uma arma e, sem pestanejar, alveja um dos policiais aos brados de “Allahu Akbar”, Alá é grande. O segundo policial, um jovem que apenas há nove meses iniciara seu trabalho e ainda se encontrava na fase de treinamento, reage rápido. Com dois tiros matou o atacante. O policial ferido foi operado e está fora de perigo.
Já às 10h45, em Roma, Marco Minniti, ministro do Interior da Itália, declara à imprensa o que a análise das impressões digitais e a medição biométrica do rosto do cidadão revelaram: “O homem morto em Sesto San Giovanni é o tunisiano Anis Amri. Não existe a mínima dúvida no que diz respeito a sua identidade. O morto não portava documentos; na carteira tinha 1.400 euros”.
Dias depois a perícia técnica da Itália e da Alemanha confirmam que a arma usada por Anis em Sesto San Giovanni foi a mesma usada para matar o motorista Lukasz Urban, uma pistola Beretta, calibre 22.
Na mochila de Anis foram encontrados, além disso, vários bilhetes de passagens graças aos quais as autoridades conseguiram reconstituir o roteiro de suas andanças pela Europa, após o atentado e seu desaparecimento em Berlim. Os detalhes são alarmantes e dão margem a intrigantes perguntas às autoridades.
De Berlim Anis Amri deslocou-se para Nimwegen e Amsterdã na Holanda. De Amsterdã seguiu para Bruxelas, na Bélgica. De Bruxelas seguiu para Lyon e Chambery, na França, onde tomou um trem via Turim para chegar a Sesto San Giovanni em Milão. Foi flagrado por câmeras em várias estações.
É alarmente o fato que um indivíduo tido como perigoso viaja pela metade da Europa, sem que alguém o controlasse; compra várias passagens sem ter documentos, percorre a metade da França, um país que, desde o atentado ao Charlie Hebdo, encontra-se em estado de sítio! Por acaso Anis Amri foi tópico de discussão em seis reuniões da alta esfera das autoridades antiterroristas da Alemanha sempre com a mesma conclusão: “Não dispomos de argumentos suficientes para prendê-lo”.
O atentado de Berlim põem as autoridades numa situação melindrosa. No Parlamento discute-se sobre uma comissão de inquérito. Responsáveis pelos serviços secretos não falam e, quando falam, não dizem nada. Faz parte do ofício. Falhas? Negligência por parte das autoridades? Eis um livro com muitas páginas brancas que precisam ser preenchidas. Fato é que houve falhas! Mas quem falhou quando, onde e por quê? E quantos Anis Amri andam por aí?
Enquanto isso a mãe do terrorista Anis Amri, cuja biografia aqui dada é comprimida, em depoimento à TV, em dilacerantes lamentos sobre a morte do filho disse: “Era um bom menino. Nunca fez mal a ninguém. Radicalizou-se na Europa”! l