Não tinha nada e perdeu tudo

Um importante papel do jornalismo é vigiar. Dez dias antes do Natal a Justiça determina que se cumpra ordem de despejo de mais quarenta famílias situadas há 50 anos no setor Urias Magalhães em Goiânia. O bairro é praticamente central e a prefeitura deve cumprir tal determinação, afinal é a lei. Mas, já ensinava Maquiavel: aos amigos tudo, aos inimigos: a lei. Isso porque nessa mesma quadra onde diversas famílias ficarão desalojadas no dia 25 de dezembro existem dois lotes que estão devidamente regularizados.

Quando estudava direito um conceito me chamava atenção: o de proporcionalidade que se liga ao de razoabilidade. Para ser justo é preciso agir de forma que as vantagens superem as desvantagens de tal ato. A desocupação da área do Urias será para uma praça. Não me entenda mal, praças são importantes, mas sendo minimamente razoável famílias são mais.

Outro conceito do direito é o da tempestividade. A justiça precisa agir rapidamente se pretende ser justa. Tal área não poderia ser ocupada? Então o poder público não poderia ter esperado 50 anos para chegar nesse ponto. Ouvindo os relatos dos moradores do local, uma tristeza sem fim toma conta do meu ser. Em Grande Sertão Veredas, Riobaldo reflete sobre isso. Sobre a força feia do sofrimento do outro. E, enquanto a sociedade não conseguir se colocar no lugar do sofrente, daquela mulher que gravou para mim falando que não tinha nada e que perdeu tudo estaremos todos perdidos.