Jair Bolsonaro parece determinado a disputar a presidência em 2026, mesmo com todas as evidências jurídicas apontando o contrário. Inelegível até 2030 por decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e com risco de prolongar esse prazo após o julgamento do golpe no Supremo Tribunal Federal (STF). O instituto Quaest divulgou no último dia 2 que 51% dos deputados querem que o ex-presidente Jair Bolsonaro desista da candidatura à Presidência em 2026 e apenas 23% dizem que ele deve manter seu nome da disputa. O instituto entrevistou 2023 deputados do total de 513. O cenário é mais amplo em pesquisa pública feita pelo mesmo instituto onde 65% querem que o ex-presidente desista da candidatura e apoie outro nome para a disputa. A mesma percepção também foi captada por eleitores que se declararam de direita, no caso 55% querem que Bolsonaro retire seu nome da disputa.

Mas de fato, é impossível que Bolsonaro dispute as eleições de 2026. Não há nada que mude isso até julho do ano que vem, data que os partidos definem seus candidatos nas convenções nacionais. O ex-presidente foi condenado por abuso de poder político e uso indevido dos meios de comunicação nesta sexta-feira, 30. A decisão da Corte tornou Bolsonaro inelegível por oito anos, até 2030. A decisão já tem validade mesmo com recursos ainda sendo possíveis.

A reunião com embaixadores, realizada no Palácio do Planalto em 18 de julho de 2022, meses antes da eleição presidencial em que Bolsonaro perdeu para Lula (PT) , foi o foco da ação feita pelo PDT julgada pelo TSE que o tornou inelegível. O então presidente usou o Palácio da Alvorada e a estrutura do governo para organizar uma apresentação a embaixadores de diversos países. Na ocasião, repetiu suspeitas, que foram desmentidas por órgãos oficiais, sobre as eleições de 2018 e a segurança das urnas eletrônicas.

O julgamento do golpe no STF é outro fator que pode prolongar ainda mais a inelegibilidade de Bolsonaro. O ex-presidente, após cumprir a pena dada a ele no Supremo ele ainda terá que cumprir oito anos de inelegibilidade de acordo com a Lei da Ficha Limpa, que prevê a contagem do prazo após o término do seu período de reclusão, seja ele qual for. O cenário é ruim, de todos os lados, para Bolsonaro.

Essa insistência de se manter no páreo passa longe do otimismo, esperança ou fé que ele e/ou aliados depositam na figura do ex-presidente. Essa é apenas uma estratégia de “tentar” manter a influência política e para alimentar uma base radicalizada que vive para se alimentar de uma tensão política constante entre os poderes da República com um discurso raso e cheio de incoerências, inconsistências e sem compromisso com o país e com a função que essa base exerce no Congresso Nacional e também em Assembleias Legislativas, Câmara Municipais, governo de estado e prefeituras.

A tentativa de reversão judicial, ainda que improvável, serve como combustível para alimentar a narrativa de “perseguição” e manter mobilizados seus apoiadores mais fiéis. A retórica do “sistema contra o povo” continua sendo uma ferramenta útil para o ex-presidente, especialmente num cenário em que sua relevância eleitoral começa a dar sinais de desgaste.

O discurso bolsonarista ainda é muito forte na política e também em militantes mais ou menos alinhados, mas o que se vê é um Bolsonaro enfraquecido, doente e que não tem conseguido se sustentar no seu próprio discurso. A imagem dele se sustenta em movimento de nomes da Câmara dos Deputados que também não tem apreço dos colegas de plenário pela agressividade de falta de decoro parlamentar que interpretam no Congresso Nacional.

Um fato notório disso é o esvaziamento dos atos convocados por Bolsonaro no Rio de Janeiro e também na Avenida Paulista, em São Paulo. Na última manifestação, bancada e convocada pelo pastor Silas Malafaia na capital paulista, que aconteceu no dia 29 de junho, compareceram cerca de 12 mil pessoas, que mal lotavam uma quadra da avenida. Se formos comparar, no protesto de 6 de abril, foram quase 45 mil pessoas. A militância, por hora, tem achado mais o que fazer. O líder do PL na Câmara dos Deputados, deputado Sóstenes Cavalcante justificou que a baixa adesão se deu pelo ato ter sido convocado apenas 14 dias antes, ao mesmo tempo em que a revista Veja publicava uma matéria falando do vazamento da delação do ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, Mauro Cid; outra justificativa foi a Copa do Mundo de Clubes da Fifa, início das férias escolares e por ter sido realizado no final do mês, quando as pessoas tem menos dinheiro. De toda forma, não é esse o motivo. Esse movimento não se sustenta no grito.

Bolsonaro estaria articulando um plano ambicioso para as eleições de 2026: conquistar a maioria no Congresso Nacional em 2027 e formar um “poder paralelo” capaz de confrontar STF. A estratégia de Bolsonaro mira tanto o Senado Federal, responsável por processos de impeachment de ministros do STF, quanto a Câmara dos Deputados, onde já houve tentativas de aprovar a anistia aos condenados pelos atos de 8 de janeiro. Mesmo em um cenário em que um presidente aliado ao bolsonarismo assuma o Palácio do Planalto, Bolsonaro quer garantir o controle do Legislativo. Em atos e entrevistas, ele tem destacado que a maioria no Congresso dá mais poder do que a própria Presidência da República.

O tema veio à tona durante o último ato realizado na Avenida Paulista, aquele com 12 mil pessoas. Em seu discurso o ex-presidente disse: “Se vocês me derem isso [50% da Câmara e do Senado], não interessa onde esteja, aqui ou no além, quem assumir a liderança vai mandar mais que o presidente da República”, afirmou.

Segundo aliados, o objetivo é aprovar pautas de interesse do grupo, incluindo eventuais ofensivas contra ministros do STF, como Alexandre de Moraes. O plano de Bolsonaro inclui a articulação com partidos como PL, União Brasil, PP e Republicanos, priorizando candidatos que apoiem as investidas contra o Supremo.

Três dias depois desse arroubo antidemocrático, na terça-feira, 1, por “via democrática”, o ex-presidente negou essa articulação para garantir a maioria nas duas casas do Congresso com o objetivo de enfrentar o STF. Ele classificou a reportagem do jornal Folha de São Paulo como injusta e mais tarde, no mesmo dia ele também escreveu no X (antigo Twitter): “Reiteramos que não há e nunca houve qualquer estrutura ‘paralela’ ou atuação fora dos marcos legais democráticos”. Para quem tentou dar um golpe de estado com evidências explícitas é estranho ler isso. Ele ainda completou que o objetivo é ampliar a representação de uma “maioria silenciosa”.  

Isso é mais grave do que um golpe de estado e pode-se dizer que é a premeditação de um golpe futuro. Mesmo com um governo de centro-esquerda no poder, os correligionários do governo e também os políticos de esquerda com mandato têm sido sistematicamente atacados nos parlamentos do país. O discurso da violência calcado na tensão institucional não permite que a direita se formate de uma maneira mais civilizada com argumento e projeto de Brasil e a esquerda, analógica que é, a cada vídeo de um deputado federal nas redes sociais fica atônito e acaba tendo que recuar de suas decisões e de um projeto viável de reconstrução e neutralização dos arroubos antidemocrático.

Assim como o preço de tantos anos de PT foram cobrados em 2016, os da direita também serão. Da forma que for, mas serão. 

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