Num país que nunca se desprendeu dos danos causados pela ditadura civil-militar (1964-1985), o delírio do censor paira no Congresso Nacional sempre que alguma liberdade parece ameaçada, na compreensão de quem, na verdade, pouco compreende a respeito dos diversos sistemas que discutem. A ideia de censurar pesquisas eleitorais não é nova e, em meio a campanha eleitoral para o segundo turno das eleições presidenciais, congressistas voltam a tocar na questão, que beira o inconstitucional.

A mobilização da vez parte do presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), e do líder de Jair Bolsonaro na Casa, Ricardo Barros (PP-PR). A dupla propõe que sejam presos os responsáveis por pesquisas que apresentem resultados diferentes da margem de erro estipulada, a 15 dias de antecedência do pleito. Sob o pretexto de proteger o cidadão de fraudes eleitorais, o texto praticamente propõe criminalizar a divulgação da opinião pública e, principalmente, da mudança de opinião do eleitor.

Isso porque a ideia deixa de lado um pressuposto básico sobre pesquisas eleitorais: elas não servem para prever ou antecipar resultados. A proposta de uma pesquisa é captar intenções de voto num momento específico, independentemente do comportamento do eleitor e das tendências de mudanças dessas próprias intenções. Há de se destacar, inclusive, que toda divulgação de pesquisa já é um retrato atrasado de um cenário.

É por isso, inclusive, que a divulgação dos dados prevê a inserção das datas em que o levantamento foi realizado e repete pesquisas ao longo de toda a campanha eleitoral, para medir a evolução do clima, ou seja, os movimentos dos eleitores. Se existe mudança de opinião da população nos últimos 15, 20, 30 ou 100 dias antes das eleições, é direito de todo cidadão ter conhecimento do que aponta o termômetro eleitoral e, acima disso, mudar de opinião quando quiser.

Sem passar pano para institutos de pesquisa — e, como se sabe, há sérios e outros duvidosos —, poderiam ser propostas melhorias e exigências relacionadas à amostragem, margem de erro ou mesmo cuidado na realização das entrevistas. Os levantamentos podem não ser os ideais, mas criminalizar um termômetro de mudança de tendência de eleitorado remete apenas a um desejo recorrente de confundir poder com censura.

Para completar a comparação com um termômetro, finalizo com citação de Ronaldo Rogério de Freitas Mourão, astrônomo-chefe do Observatório Nacional, em janeiro de 1984. À época, no comando do Serviço de Meteorologia, foi impedido de divulgar dados meteorológicos, por decisão de censores. “No início da década de 70, o Serviço de Meteorologia registrou temperaturas muito altas também, mas não as divulgou devido à censura”, afirmou à época.

Se vamos criminalizar números divergentes de pesquisas eleitoras, quais são os próximos passos? Criminalizar previsões erradas de chuva? Criminalizar previsões absurdas de movimentação de mercado e alta ou queda do dólar? De repente podemos, quem sabe, criminalizar as cartomantes de todos o país? Pelo fim das previsões erradas, estão todos impedidos de falar.