Vitória de Aécio Neves poderia ter travado a extrema direita. Vitória de Caiado pode pacificar o país

01 março 2025 às 21h00

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O presidente Luiz Inácio Lula da Silva terminou o seu segundo mandato à frente da Presidência do Brasil com 83% de aprovação e conseguiu um feito inédito, desde a redemocratização: fazer um sucessor, ou melhor, uma sucessora. Dilma Rousseff foi eleita em 2010 com 56% dos votos válidos em uma disputa contra o tucano José Serra.
Foi neste terceiro mandato do PT que começou o declínio da sigla e o cansaço do governo petista.
Em 2013 Dilma Rousseff começou a enfrentar uma grave crise de popularidade — que teve como gatilho o aumento das passagens de ônibus em Goiânia e em São Paulo, por exemplo.
O Movimento Passe Livre (MPL) na capital paulista protestava contra o aumento de R$ 0,20 no preço das passagens. A reação violenta da polícia durante o ato em São Paulo, que terminou com mais de 100 feridos, inflamou a população e massificou as manifestações em todo o Brasil.
Em Brasília, os manifestantes ocuparam a marquise do Congresso Nacional. No dia 20, os participantes dos atos chegaram a depredar o prédio do Palácio Itamaraty.
Analistas e pesquisadores correlacionam o movimento generalizado de manifestações por conta do aumento por disputa de terra — como a série de ocupações de terras por indígenas em Mato Grosso do Sul, desapropriação de áreas na cidade do Rio de Janeiro para construção da Cidade Olímpica e o crescimento gigantesco das greves no ano anterior.
Segundo dados do Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos, em 2011 foram realizadas no Brasil 554 greves. Em 2012, foram 877 movimentos de paralisação, e, em 2013, 2.050.
Com a crise de popularidade, Dilma Rousseff tentou a reeleição e daquele pleito o Brasil saiu ainda mais dividido.
A petista saiu vencedora com 51,64% contra 48,36% de Aécio Neves (PSDB).
É aqui que muitos analistas veem como marco o berço do nascimento ou renascimento da extrema-direita radical no Brasil. Logo após a divulgação final, o resultado e o próprio processo eleitoral começaram a ser questionados.
Uma reportagem publicada pelo jornal “O Estado de S. Paulo”, no dia 30 de outubro, estampava o pedido de Aécio Neves para recontagem dos votos, colocando em questionamento a lisura das instituições que cuidam do processo eleitoral e descredibilizando as eleições no país.
A auditoria promovida pelo PSDB, no entanto, não encontrou provas ou indícios de fraude.
O segundo mandato de Dilma Rousseff teve o terceiro pior desempenho econômico entre os mandatos presidenciais desde 1889.
Um estudo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) apontou que 90% do resultado negativo se devia a “falhas nacionais na condução do país”.
O governo teve um baixo crescimento médio do PIB — com 0,2%. Ela só superou em desempenho os mandatos de Fernando Collor de Mello e de Floriano Peixoto nos últimos 127 anos. Em menos de dois anos de mandato, um processo foi aberto e então a presidente Dilma Rousseff sofreu um impeachment. O governo federal comandado pela esquerda por 13 anos foi assumido pelo seu vice, Michel Temer.
O país precisava de um Aécio Neves em 2010
Agora, em 2025, olhando para tudo que aconteceu no país, é até amargo admitir que o Brasil precisava de Aécio Neves naquele novembro de 2014, e talvez o Brasil seria poupado de muita coisa, talvez até dos arroubos do clã Bolsonaro.
Aécio Neves se apresentava como um nome reformista. Na área econômica, a prioridade seria o controle da inflação. Seria o centro das metas. O que se supõe é que em um provável governo tucano haveria a necessidade da consolidação de um teto de gastos, aos moldes do que foi aprovado por Michel Temer. A reforma tributária também estava no escopo do plano de governo do tucano.
Outra proposta era a reforma do Código Penal Brasileiro para rever a lei da maioridade penal. O próprio candidato admitia que a pauta não era consenso em seu partido, o que já tornaria as coisas um pouco mais difíceis.
Jair Bolsonaro defendeu a mesma proposta anos depois e, mesmo tendo vencido a eleição em 2018, não conseguiu viabilizá-la. Em 2015, a Câmara dos Deputados aprovou em primeiro turno uma proposta que diminui a maioridade penal para todos os crimes. Mesmo assim, haveria muita chance de a medida acabar sendo considerada inconstitucional pelo STF.
Aécio Neves também propunha uma reforma política com a implantação do voto distrital misto, que é o sistema eleitoral que combina o voto distrital e o voto proporcional. O eleitor vota duas vezes: uma para escolher um candidato em seu distrito (onde vence o mais votado) e outra para escolher um partido, que define parte das cadeiras proporcionalmente ao total de votos recebidos. Esse modelo busca equilibrar a representatividade regional com a proporcionalidade partidária, garantindo tanto a escolha direta de representantes locais quanto a distribuição de vagas conforme a força dos partidos.
O então candidato tucano também tinha como bandeira de campanha o fim da reeleição e um mandato de cinco anos.
Como senador por Minas Gerais, Aécio Neves foi o autor do projeto que criou a cláusula de barreira e extinguiu as coligações proporcionais.
O fim da reeleição ficou de fora do projeto final, mesmo com o esforço da bancada do PSDB. E dá para imaginar que ainda que Aécio Neves tivesse vencido as eleições, essa seria uma pauta difícil de emplacar, a começar pela resistência de governadores e prefeitos.
Vale lembrar que Bolsonaro fez a mesma proposta em 2018, acabou mudando de ideia depois de eleito e disputou a reeleição.
Mas nem só de plano de gestão vive um governo. A atuação do Parlamento é decisiva para garantir que essas propostas possam se materializar. Como ficaria então o governo de Aécio Neves no quesito governabilidade?
Além do seu próprio partido, o PSDB, outros grupos declararam apoio ao candidato tucano, como o PSB, o PSC, o PV, o PPS, o PSDC, entre outros.
Na Câmara dos Deputados, a possível base de apoio do governo somaria na largada aproximadamente 219 votos, mais que suficiente para impedir o impeachment, mas ainda muito pouco para passar projetos de leis e muito menos emendas à Constituição.
No entanto, dentro da coligação do PT, alguns partidos poderiam trocar de lado e compor a base de Aécio Neves, entre eles o PMDB, que saiu da base do governo de Dilma Rousseff em 2015 e se aliou à oposição na condução do impeachment da presidente.
Outros partidos como PP, PR, PR, PRB e PSD, membros do chamado Centrão, provavelmente fariam o mesmo movimento, já que tendem a acompanhar o presidente da situação. Isso faria com que a base do governo na Câmara dos Deputados pudesse chegar próximo dos 400 deputados, o que daria ampla facilidade para passar os projetos com maioria simples. Já no Senado, iniciaria com 31 parlamentares e poderia chegar a 58.
A verdade é que tudo teria sido diferente se Aécio Neves tivesse vencido aquela eleição. O tucano não seria o responsável por acalmar ânimos ou unir o país sob uma única bandeira. Ele até poderia ser retirado do poder, tal qual Dilma Rousseff. Mas a sua vitória seria um respiro para aqueles que já não encaravam com bons olhos mais tempo de PT no governo e esperavam que algo diferente fosse capaz de resolver os problemas de cinco séculos. Quebrariam a cara, mas seu ego estaria satisfeito.
O perfil moderado e as múltiplas propostas de reforma poderiam consolidar o governo para uma reeleição ocupando o lugar do bolsonarismo, por exemplo, e o gatilho do questionamento do processo eleitoral não teria acontecido, a priori.
Esse amplo regresso para conferir a história serve para percebermos que, como Mark Twain falava, “a história não se repete, mas frequentemente rima”. Ela está rimando novamente para as eleições de 2026.
A rima
A inelegibilidade do ex-presidente Jair Bolsonaro deixa o clã sem opções, por mais que ele fale que será o candidato, isso não vai acontecer.
Até o momento, os mais cotados para levar o nome do clã para a disputa presidencial são os de Eduardo Bolsonaro e da ex-primeira-dama, Michelle Bolsonaro. Ambos faziam parte do grupo mais radical do entorno do ex-presidente e que era, segundo as investigações da Polícia Federal, favorável ao golpe de estado. O fato é que sem o patriarca da família o movimento fica mais fraco. Pessoas do entorno de Bolsonaro admitem que a direita está rachada, porque a família quer uma coisa e a direita quer outra coisa, mas isso não será admitido publicamente.
Nas eleições do ano que vem vai haver uma fragmentação da direita com vários candidatos. Tarcísio de Freitas, governador de São Paulo, ainda não se decidiu, mas o que todos do entorno dele dizem é que ele deve se candidatar à reeleição, porém, nunca diga nunca. Romeu Zema (Novo) de Minas Gerais tem a mais baixa aprovação entre os governadores presidenciáveis, 20%. Ratinho Júnior (PSD), governador do Paraná, também tem o nome cotado para disputar o Palácio do Planalto, apesar da sua alta aprovação ele tem muita dificuldade em ser conhecido pelo país.
Assim como o governador do Paraná, Ronaldo Caiado também tem o desafio de se tornar conhecido no país, principalmente nas regiões Nordeste e Norte. Por trás disso, Caiado tem um excelente desempenho em Goiás. Com aprovação de 86% o governador é o mais bem avaliado entre os presidenciáveis.
Caiado tem se mostrado um político sóbrio e moderado, que joga limpo o processo eleitoral. O governador, apesar de ter apoiado o ex-presidente Jair Bolsonaro nas eleições de 2022, foi o primeiro governador a reconhecer a vitória de Lula da Silva.
Após o dia 8 de janeiro, Caiado conduziu uma força tarefa para barrar ônibus que saíam de Brasília com manifestantes que teriam invadido e depredado a sede dos Três Poderes. Caiado ainda colocou o sistema prisional de Goiás à disposição da Justiça Federal. Isso é uma demonstração clara de respeito ao Estado Democrático de Direito.
Chegar a uma aprovação tão alta só foi possível com habilidade política de aglutinar forças para conseguir consenso em momentos chave que o estado precisou como o ajuste fiscal feito no primeiro governo e também a entrada do estado no Regime de Recuperação Fiscal (RRF). O governador também conquistou a simpatia dos goianos na gestão da saúde com a regionalização de grande unidades de saúde e também na gestão da segurança pública e este deve ser o tema que vai pautar a disputa de 2026.
Novamente, o que é mais caro ao Brasil no momento é um líder político que respeite os poderes da República e a Constituição Federal. A história rima, mas de fato, de uma forma mais aprazível com o nome de Ronaldo Caiado.
Outro fato importante da disputa de 2026 é que os nomes da direita vão disputar, a todo custo, o apoio do bolsonarismo, por mais que o plano de Bolsonaro, seja sempre Bolsonaro. O ex-presidente tem consolidado algo entre 25% e 30% dos votos. A esperança fica em Caiado chegar ao segundo turno com o seu capital político mostrando o que o que deu certo em Goiás pode dar certo para o todo o país (inclusive, pacificando-o), uma vez que Bolsonaro tem feito uma oposição embasada no alter ego, ou seja, infantil e injustificável. De fato a direita vai ter uma grande dificuldade em 2026 por conta desse racha e também pela pulverização de candidatos.
O Brasil precisa de uma trégua nas animosidades políticas e entender que ser de direita ou de esquerda não vai mudar a vida dos brasileiros para melhor. Amores políticos só beneficiam os próprios políticos. O pensamento social pode ser macro, amplo e com o olhar para liberdades individuais e o respeito à democracia.
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