O estupro das contas públicas e o impeachment de Dilma
10 outubro 2015 às 13h23
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Ao reprovar pedaladas do governo federal, TCU deu à oposição os instrumentos para articular o impedimento da presidente
“Não existe nada contra mim, não posso pagar pelo que não fiz.” Foi essa a frase de Dilma Rousseff, segundo um ministro (em reportagem do “Estado de S.Paulo”), após reprovação do balanço do governo federal pelo Tribunal de Contas da União (TCU), na quarta-feira, 7.
Aliás, foi uma quarta-feira negra para Dilma, com quatro derrotas, começando pela recusa do Superior Tribunal Federal (STF) ao pedido para suspensão do julgamento do TCU. Depois, no Congresso, a repetição da falta de quórum de sua base para votação de vetos. Na sequência, o TCU recusa afastar o ministro-relator das pedaladas fiscais, Augusto Nardes, culminando com a goleada de oito a zero no julgamento do balanço do governo.
Em seu parecer, Nardes afirmou que as irregularidades somaram o total de R$ 106 bilhões no ano passado, entre as chamadas pedaladas fiscais, deslizes orçamentários e omissão de passivos. “Após exames detalhados, procedimentos afrontaram de forma significativa princípios objetivos preconizados pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), caracterizando um cenário de desgovernança fiscal”, disse Nardes.
Em palavras mais duras, Dilma “estuprou” as contas públicas, em total desrespeito à LRF. Segundo Nardes, houve inobservância sistemática de regras e valores que repercutiram de forma recorrente ao longo do ano passado. O relator ainda ironizou o pedido de suspeição feito pela Advocacia-Geral da União (AGU), que tentou afastá-lo do caso, afirmando que, no caso de parcialidade, o órgão precisaria, então, pedir a suspeição dos 14 auditores que elaboraram o relatório no TCU.
O caso é que Dilma erra redondamente quando diz que não pode pagar pelo que não fez. Como é sua característica, a presidente se desconecta da realidade quando pondera sobre algo cuja verdade não seja de seu agrado. Dilma fez sim, muita coisa pela qual deve pagar. Ela fez — e continua fazendo — a pior gestão pública da história do Brasil.
Em seu primeiro governo, Dilma reuniu uma desastrada equipe econômica capitaneada por Guido Mantega (ministro da Fazenda), Arno Agustin (secretário do Tesouro Nacional) e Nelson Barbosa (secretário executivo do Ministério da Fazenda) — os dois primeiros foram demitidos por incompetência flagrante, Barbosa continuou e permanece fazendo besteiras, agora como ministro do Planejamento.
Essa política econômica está levando o país à bancarrota e agora o pobre do Joaquim Levy tenta consertar o estrago, mas é torpedeado pelo próprio PT de Dilma. Os números negativos na economia batem sucessivos recordes, como desemprego, inflação, desaceleração da atividade econômica, etc.
Não é por acaso que a Confederação Nacional da Indústria (CNI) revisou mais uma vez para baixo as estimativas para o crescimento da economia e do setor industrial este ano. A nova previsão, divulgada na quinta-feira, 8, é que o Produto Interno Bruto (PIB) caia 2,9% em 2015, pior resultado desde 1990 – a projeção anterior era de queda de 1,6%.
Então, se não há dúvida — e mesmo petistas já não se sentem mais na obrigação de tentar tapar o sol com a peneira – sobre a ruindade de Dilma Rousseff como gestora, as perguntas que cabe fazer é: será que isso, incompetência e inaptidão total para o cargo, é suficiente para tirá-la da Presidência? Há base jurídica para o impeachment?
A oposição ao governo no Congresso acha que há sim base legal para tirar Dilma do lugar de onde ela nunca deveria ter ocupado, pelo menos não pela segunda vez graças a uma reeleição escancaradamente baseada na mentira. A decisão do TCU de recomendar a rejeição das contas da presidente animou essa oposição, que no mais das vezes tem se mostrado tíbia.
Aécio fala em crime
O discurso sobre impeachment já anda nas bocas dessa oposição, por considerar que o resultado do TCU sustenta um argumento jurídico para a abertura do processo. O senador tucano Aécio Neves afirmou, na quinta-feira, 8, que a decisão do TCU obrigará Dilma Rousseff a responder por crime de responsabilidade perante o Congresso Nacional. Em entrevista coletiva, divulgada pelo site do partido, o presidente do PSDB disse que se o pedido de impeachment da presidente da República for votado pelo Congresso, o PSDB apoiará.
“O Tribunal de Contas, pela unanimidade dos seus membros, atesta que a presidente da República, para vencer as eleições, cometeu crime de responsabilidade e terá de responder por isso, se não estaríamos criando um salvo-conduto para presidentes da República cometerem qualquer tipo de desatino para vencer as eleições. O PSDB vai aguardar a manifestação do presidente da Câmara dos Deputados, e, obviamente, se o impeachment for colocado em votação, o PSDB se colocará favoravelmente àquilo que pensa não apenas os seus eleitores, mas mais de 60% da sociedade”, afirmou Aécio.
O senador destacou que a Lei de Responsabilidade Fiscal é clara sobre a prática de crimes fiscais por parte dos governantes e traz agravantes para ilegalidades cometidas em ano eleitoral, como ocorreu no governo federal. Análise técnica do TCU comprovou que houve uso de dinheiro dos bancos públicos para pagar despesas do governo, manobra fiscal que é proibida pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
O tucano lembrou que a LRF é muito clara e traz um agravante quando essas ilegalidades são cometidas no ano eleitoral porque elas comprometem, deturpam e induzem ao erro a decisão do eleitor. “O Brasil, portanto, sai muito maior deste episódio e aqueles que cometeram crimes, com a sensação da impunidade, que jamais seriam alcançados, estão hoje tendo de enfrentar um país desagregado do ponto de vista econômico, com gravíssimos problemas sociais, mas um país sólido nas suas instituições. E são elas que nos permitirão uma saída para esta gravíssima crise na qual o governo do PT irresponsavelmente mergulhou o Brasil”, afirmou.
Na Câmara dos Deputados também houve repercussão. O “Correio Braziliense” reportou que depois da sessão, líderes oposicionistas disseram que o “governo acabou” e que a saída seria a abertura do processo de cassação na Câmara dos Deputados.
“Quando você vê um Tribunal de Contas da União rejeitar por unanimidade as contas da presidente da República, o governo acabou e começa a discussão do passo seguinte, que é o impeachment”, disse o líder do PPS, Rubens Bueno (PR).
Após a reprovação das contas governamentais, a estratégia da oposição será acelerar o passo e tentar pressionar o presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), para deferir e colocar em votação o pedido de impeachment apresentado pelo jurista Hélio Bicudo antes mesmo das contas serem apreciadas no Congresso. “Não há qualquer correlação de esperar que o parecer [do TCU] seja aprovado pela Câmara ou pelo Senado”, disse o líder da minoria, Bruno Araújo (PSDB-PE).
A base aliada na Câmara, como não poderia deixar de ser, diz que o julgamento na corte de contas foi político e que falar em cassação é “maquinar o golpe”. Ao “Correio”, o líder do governo na Câmara dos Deputados, José Guimarães (PT-CE), disse que a oposição está no papel dela. “Ela não faz outra coisa a não ser maquinar o golpe. São aquelas personalidades que não estão afeitas ao jogo democrático. Não há base jurídica coisíssima nenhuma e nós faremos esse debate e esse enfrentamento aqui dentro [do Congresso]”.
Guimarães disse que a decisão do tribunal mostrou que o TCU promoveu um julgamento político e “seletivo” e que o trabalho do governo no Congresso vai ser “reparar essa orientação equivocada e política por parte do TCU”, revertendo a orientação dada pelo colegiado. Explica-se: o julgamento do TCU é apenas uma recomendação, e Câmara e Senado podem seguir ou não a recomendação do tribunal.
O líder do governo disse que o papel que lhe cabe no Congresso é mostrar que as chamadas 15 falhas técnicas, que o relator colocou como razão maior para orientar a desaprovação das contas, são falhas que os governos cometeram e continuam cometendo. “Não pode ter julgamento seletivo para um e para outros não.”
José Guimarães reforçou que o tribunal emite um parecer e que cabe ao Congresso “dar a palavra final” sobre a apreciação das contas. “Quem julga isso em primeiro lugar é a CMO [Comissão Mista de Orçamento] e em segundo é o plenário do Congresso” disse. Para Guimarães, a maior preocupação do governo no momento é votar os vetos presidenciais. “O fundamental em um momento como esse é sinalizar uma outra agenda para o país”, disse.
Petista ficou abatida com reprovação
A presidente Dilma Rousseff não escondeu o abatimento ao saber da decisão de quarta-feira do Tribunal de Contas da União (TCU), que rejeitou o balanço de 2014 do governo. A derrota, por unanimidade de votos, foi encarada no Planalto como “mais um golpe” que pode alimentar a pressão das ruas pela abertura de um processo de impeachment e pôr fogo no Congresso.
Dilma acompanhou o julgamento do Palácio da Alvorada e disse que vai defender o mandato até o fim, segundo reportagem do jornal O Estado de S. Paulo. “Não existe nada contra mim, não posso pagar pelo que não fiz”, afirmou, segundo relato de um ministro, reportou o site Veja online.
Já o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), disse na quinta-feira, 8, que a palavra final do Congresso Nacional sobre as contas do governo Dilma Rousseff só deve sair em 2016. Ele, que é adversário do Palácio do Planalto, criticou a conduta do governo, que politizou a votação das contas pelo TCU, dando um peso maior à decisão de rejeição tomada no dia anterior.
“Essa politização quem fez foi o próprio governo. Deu uma dimensão maior do que poderia ter, foi mais um erro político que o governo cometeu”, afirmou Cunha, em referência à tentativa do Planalto de afastar do caso o relator das contas, o ministro Augusto Nardes.
Cunha afirmou que nem a análise das contas pela Comissão Mista de Orçamento do Congresso, que é o passo inicial, será concluída em 2015. “Não vai ser um embate rápido, pois o trâmite é lento. Não tem prazo, isso vai demorar. Provavelmente não será apreciado neste ano na comissão mista, acho difícil esse ano eles conseguirem.”
A expectativa de quem conhece os trâmites na comissão mista é que lá deverá demorar, no mínimo, 62 dias para analisar o processo se não houver nenhuma prorrogação de prazo. São 40 dias para se definir um relator e ele apresentar seu parecer técnico sobre a decisão do TCU. Em seguida, a comissão tem mais 15 dias para a apresentação por outros parlamentares de emendas ao relatório e sete dias para votar o texto.
A comissão pode manter o entendimento do TCU ou pode divergir do tribunal e aprovar o balanço do governo ou indicar a aprovação com ressalvas. A decisão da comissão deverá ser analisada ainda pelo plenário do Congresso Nacional.
De acordo com o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), o parecer do TCU será encaminhado à comissão assim que ele o receber. O TCU já entregou o parecer formalmente ao Congresso.
“Tão logo ele chegue ao Congresso Nacional eu o mandarei para a CMO. Ela vai ter prazos e só depois voltará ao Congresso Nacional, de modo que o tribunal aprovou uma recomendação e a palavra final será do Congresso”, disse Renan.
Ao contrário de Cunha, Renan não quis fazer uma previsão sobre quando o processo pode ser finalizado pelo Congresso. “Todo julgamento, inclusive o julgamento político, ele se submete a regras e a prazos. […] Eu não vou comentar essas coisas”, afirmou.
Após a análise pela comissão, as contas serão enviadas para votação nos plenários do Senado e, depois, da Câmara, mas há uma possibilidade de que essa votação ocorra em uma sessão conjunta do Congresso (que reúne Câmara e Senado). A decisão será tomada pelo presidente do Congresso, o senador Renan Calheiros (PMDB-AL).
Deputados goianos opinam
Os deputados estaduais José Vitti (PSDB), Francisco Oliveira (PHS), José Nelto (PMDB) e Luis Cesar Bueno (PT) avaliaram a decisão do Tribunal de Contas da União (TCU) em rejeitar as contas da gestão de Dilma Rousseff.
José Vitti, líder do governo Marconi Perillo na Assembleia Legislativa, afirmou que já esperava essa posição por parte do TCU. “Acredito que as comissões técnicas do Congresso Nacional também vão rejeitar as contas da presidente Dilma, até porque pesa muito essa rejeição por unanimidade por parte dos ministros do TCU. Sem dúvida, esse julgamento se tornou uma briga política.”
Francisco de Oliveira entende que o TCU cumpriu com total independência o papel dele de julgar as contas do Poder Executivo. “Acreditamos que as coisas deverão ficar ainda mais duras para a presidente Dilma do ponto de vista político, haja vista que o principal pedido de impeachment em análise hoje, no Congresso Nacional, se ampara justamente nas pedaladas, um dos itens reprovados pelo TCU.”
Como militante petista, Bueno critica o resultado. Ele argumenta que o TCU fez o papel dele, mas entende que o julgamento foi mais político do que técnico. “Tanto que o ministro relator do processo antecipou sua decisão à opinião pública, o que não poderia ter acontecido. Contudo, acredito que o Congresso Nacional vai reverter essa situação, votando pela aprovação da prestação de contas de 2014 da presidenta Dilma”, frisou.
Sobre a argumentação de que o relator, ministro Augusto Nardes, tivesse cometido alguma irregularidade, o ministro Luiz Fux, do Superior Tribunal Federal (STF), julgou improcedente.
Para José Nelto, líder da bancada do PMDB, essa decisão deixou evidente que o Brasil mudou e segue mudando para melhor. “O TCU mostrou sua independência, ao não aceitar qualquer tipo de ingerência externa.