Um ano e meio após a invasão do território ucraniano pela Rússia, o imprevisto apoio do ocidente à resistência faz a guerra se parecer menos com um movimento militar e mais com um ponto de virada na política externa russa. A potência busca ampliar sua esfera de influência, que diminuiu por três décadas, e o Brasil faz parte desse plano. 

Nesta quinta-feira, 27, o presidente russo, Vladimir Putin, prometeu doar a países da África milhares de toneladas de grãos, e prometeu ainda arcar com o custo do transporte. A oferta foi feita na abertura de uma cúpula em São Petersburgo com a participação de líderes de 47 países africanos. Países em insegurança alimentar mas cujas relações com a Rússia são consideradas frias, como Congo e Chade, não foram mencionados na oferta. 

O Níger, país do Sahel que está no meio de um golpe, teve seu presidente detido. O general da guarda presidencial, Tchiani, foi nomeado “presidente do Conselho Nacional para a Salvaguarda da Pátria”. Este é o quarto golpe de estado desde que o Níger declarou sua independência da antiga metrópole, França. Uma coisa é diferente, entretanto: durante todo o processo, os nigerenses içaram e balançaram bandeiras russas. O próprio grupo Wagner, de Yevgeny Prigozhin, já realizou operações no país. 

O projeto russo de expansão da influência encontra no Brasil uma fortuita política externa. Com o entendimento de que hoje vivemos em um mundo multipolar, não mais com duas potências, e de que o Brasil pode liderar o “Sul Global”, o país vem fortalecendo outros países desse grupo – democráticos ou não. 

Um dia antes da cúpula de São Petersburgo, Putin se reuniu com Dilma Rousseff, presidente do Novo Banco de Desenvolvimento – o Banco do BRICS. Na reunião de quarta-feira, 26, Dilma Rousseff defendeu novamente que o Banco deve honrar suas obrigações com a Rússia. A posição é controversa. A China afirma que, se o Banco manter transações e empréstimos à Rússia, pode se tornar também alvo das sanções americanas e europeias. 

A postura brasileira para com a Rússia é, portanto, menos apaziguadora do que aparenta. Lula da Silva (PT) repetiu em mais de uma ocasião as críticas contra as sanções que os países do ocidente têm adotado contra a Rússia como uma forma de pressionar o país a colocar um fim no conflito contra a Ucrânia. Sugeriu ainda que a paz entre os países depende da vontade de encontrar um meio termo, em que ambos abrem mão de parte de suas demandas. Se deduz que Lula esteja sugerindo que a Rússia permaneça na Criméia, ocupada desde 2014, e que se possa comprar o barato óleo russo, e que se possa emprestar dinheiro à Rússia, e que…

Essencialmente, o Brasil se alinha à antidemocrática Rússia, mas tenta manter o verniz democrático do bloco ocidental. O clichê das relações internacionais é: “não podemos dispensar amigos; temos de ter relações com todas as partes; etc”. Mas, se esse é o caso, por que então o Brasil negou dois pedidos de vendas de armas à Ucrânia?

Trata-se da munição para o sistema móvel antiaéreo Gepard, que foi adquirido pelo Brasil do Exército alemão para a segurança e defesa do país durante a Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas do Rio, em 2016. A venda, que já estava consolidada, foi cancelada a pedido de Putin em 20 de abril. O fato foi pouco repercutido no Brasil, mas pegou mal internacionalmente. 

A venda de armas poderia, inclusive, justificar o obsceno orçamento das Forças Armadas com um benefício de fato ao país – tanto para sua balança comercial quanto para sua diplomacia. Mas o Brasil preferiu seu eterno e bananeiro anti-imperialismo yankee, mas agora repaginado e modernizado, por meio do apoio ao Cinturão do Golpe (em inglês, o Sahel, onde fica o Níger, tem sido chamado de Coup Belt).