É impossível tratar ataques às escolas sem tratar das redes sociais

16 abril 2023 às 00h16

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Ronaldo Caiado (UB) anunciou, nesta terça-feira, 11, que Goiás vai adotar medidas “enérgicas” de segurança nas escolas: detectores de metal nas portas dos colégios e vistorias nas mochilas dos alunos. Além disso, ele disse que “mandou deter” os pais do adolescente que esfaqueou três estudantes em Santa Tereza de Goiás. As atitudes, por brutas que pareçam, não são realmente corajosas, no sentido de que não exigem a disposição de fazer sacrifícios em função de uma escolha moral.
A crítica não é implicância com o governo de turno. O debate da questão tem sido ridículo do macro até o micro. Uma sessão da Comissão de Segurança Pública na Câmara dos Deputados terminou com o ministro da Justiça deixando o local após um bate-boca digno de quinta série (para ficar na alegoria escolar) sem responder qualquer pergunta sobre o tema. Enquanto isso, vereadores de Goiânia propuseram a instalação de aparelhos de raio-X nas portarias das escolas (obrigar crianças a se submeterem à radiação ionizante… um grande passo para quem tinha medo de vacinas).
A profusão de respostas angustiadas abafou as perguntas. Por quê? Por que um jovem se arma e ataca os colegas? Por que sempre na escola e não em outro lugar? Fazer essas perguntas é um ato de coragem maior do que autoridades públicas mostraram até o momento. Primeiro, porque aproveitar a onda de medo para aumentar o controle sobre a população é, na verdade, covarde (e bastante populista). Em segundo lugar, porque tentar enxergar o mundo pelos olhos de um adolescente deslocado coincide com aquela definição de coragem – é sacrificante sentir a inadequação social desses jovens para compreender a questão.
O exercício é difícil, mas a alternativa é o fracasso. Veja, os culpados pelas tentativas de massacre são crianças e adolescentes, e não os fáceis monstros, cotidianamente retratados pela imprensa. Insistir na caracterização desses indivíduos como facínoras dificulta a identificação dos jovens que planejam cometer crimes – pais e responsáveis pensarão “monstro é uma coisa incompreensível e meu filho é uma pessoa normal; eu o vi crescer”. Insistir que os monstros estão à solta e que precisamos revirar suas mochilas é dar ao medo um terreno fértil para crescer, onde novos ataques vão brotar.
Compreender que um jovem aparentemente normal pode estar planejando um ataque não é uma questão emocional, sentimental, psicológica apenas – é questão de política pública. Como existem campanhas de conscientização que explicam a relação entre a água parada e a dengue, poderíamos identificar tópicos importantes para serem abordados em conversas com nossos filhos e alunos. Mas quão distantes estamos do conhecimento dos sintomas da inadequação social, e quão longe parecemos de saber lidar com os motivos geradores de ataques em escala nacional.
A própria imprensa está tateando. Se cogita deixar de noticiar ataques e de dar publicidade aos jovens ofensores, sob a especulação que as tentativas de massacres estariam sendo motivadas pelo exemplo visto na mídia. A solução de privar a sociedade do conhecimento de seus próprios problemas é furada, pois os jovens não se inspiram pelo que veem na imprensa, mas pelo que veem nas redes sociais.
Se buscar culpados é prioritário, a busca deveria começar pelas redes. Em reunião na segunda-feira, 10, no Ministério da Justiça, uma representante do Twitter, Adela Goberna, chegou a dizer que um perfil com foto de assassinos de crianças (perpetradores dos massacres em escolas) não violava os termos de uso da rede e que não se tratava de apologia ao crime. Em resposta, o ministro Flávio Dino subiu o tom, e afirmou que, se um conteúdo for considerado ilegal e não for retirado, a plataforma poderá sair do ar ou ser multada em até R$ 12 milhões.
Após promessa de colocar a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon) para aplicar multas, o Twitter já deu início à remoção de conteúdos considerados extremistas. Já no dia 12, a rede social informou ao Ministério da Justiça que derrubou 546 perfis com conteúdos ameaçadores ligados a ataques em escolas no país. No âmbito da Operação Escola Segura, a pasta chefiada por Dino encaminhou ao menos 100 conteúdos denunciados pelo seu canal para recebimento de informações sobre ameaças e ataques contra escolas. Vista por este ângulo, a temida regulação das redes parece necessária e racional. Mas a grita virá.
Por que toleramos menos privacidade nas ruas em troca de uma suposta segurança, mas não a ideia de responsabilizar plataformas de comunicação? Admitimos a possibilidade de câmeras por todas as partes, raios-x, policiais nos corredores dos colégios – tudo isso sem a menor comprovação de eficácia. Por outro lado, exigir responsabilidade de plataformas de tecnologia parece violar um princípio moral. A explicação é que, enquanto os prejuízos causados hoje pela perda de privacidade só serão sentidos daqui há muito tempo, no ambiente digital tudo é instantâneo. Ao publicar um post, somos pessoalmente recompensados com a sensação de nos comunicarmos com milhões. Sentir que esse serviço nos será tirado causa revolta.
Lobistas e parlamentares reclamarão o direito à liberdade de expressão, como se armar um atentado fosse uma possibilidade indesejável mas inerente a essa liberdade, mas a dicotomia é falsa. Não se trata de escolher entre o poder de tuitar e o dever de proteger os jovens. Nem mesmo se defende usar o poder público para perseguir usuários que prometerem ataques nas redes. O que se defende é que a empresa privada seja responsável pelas mensagens que paga para sustentar on-line.
Aqui, dificuldades técnicas começam. Em média, 350 mil tweets são publicados por minuto. Como a empresa pode ler e arbitrar a regularidade de todos? Quando o Twitter começou a ser pressionado para assumir alguma responsabilidade por seu conteúdo, nem mesmo havia um sistema de denúncias de mensagens que violassem as diretrizes da plataforma. Desde então, o site avançou no sentido de automatizar as denúncias, utilizar programas para identificar padrões de violações e remover conteúdos. O processo está longe de ser perfeito, existem diversos relatos de injustiças cometidas pela equipe da rede social, mas mesmo neste ponto, houve uma recente agilização na revisão dos casos por funcionários humanos.
De forma geral, temos assistido a um progresso na auto-regulação das redes sociais, movido pela pressão da sociedade civil a despeito dos interesses das empresas. As empresas sempre esperneiam: quando a ideia de regulação das redes sociais surgiu, houve a ameaça de que as empresas fechariam as portas, sufocadas pelos processos judiciais gerados por usuários violadores de diretrizes. Isso não aconteceu, porque não há interesse público ou econômico em perseguir e inviabilizar a existência das redes sociais – há interesse público em remover conteúdos que glamourizam massacres.
Com o desenvolvimento de inteligências artificiais, o arbítrio da qualidade dos conteúdos ficará ainda mais fino e rápido. Remover o incentivo a ataques em escolas ficará mais fácil, e será limitado apenas por nossa capacidade de identificar as condições que propiciam o aumento da violência.