O ano começa sem nenhum programa de distribuição de renda ou geração de emprego que seja alternativa ao fim do auxílio emergencial
Trabalhadores informais estão entre os mais afetados pelo fim do auxílio emergencial | Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil
A desigualdade foi escancarada em 2020. O cenário produzido pela pandemia do coronavírus conseguiu evidenciar a profunda pobreza que famílias brasileiras vinham sofrendo como efeito da recessão de 2015 e 2016. O desemprego, a perda da renda e o desamparo social ganharam contraste com a Covid-19. Boa notícia: o pagamento do auxílio emergencial distribuiu dinheiro diretamente aos cidadãos. Assim, a pobreza teve redução histórica. Má notícia: o socorro financeiro tem data para acabar e vai revelar uma desigualdade pior do que a vivida no período pré-pandemia.
A Covid-19 provocou a morte de quase 200 mil pessoas (seguimos contando). Paralelamente, em razão da doença, foi reduzida a pobreza e a desigualdade, mesmo que seja por um curto prazo. Outro efeito paradoxal, a crise sanitária colocou programas sociais no centro do palco político – o auxílio emergencial teve reflexo nas eleições municipais deste ano e estará presente também nas eleições de 2022.
O auxílio emergencial chega ao fim neste janeiro. O programa se finda em um momento tão crucial quanto o que foi criado – no mês de abril, quando a pandemia fazia suas primeiras vítimas no Brasil. Embora tenhamos grande esperança nas vacinas já anunciadas, há o registro contínuo e crescente de infecções e mortes causadas pela doença nesta virada de ano.
O que se ouve da grande maioria dos economistas e cientistas sociais é que o fim do auxílio vai trazer à tona, com ainda mais força, as desigualdades. Isso porque a distribuição dos R$ 600 neutralizou os índices de pobreza, mas, como o patamar de renda dos brasileiros ficou ainda menor devido às crises sucessivas, a retomada pode levar mais de uma década para alcançar os patamares pré-pandemia.
Em números: o auxílio emergencial distribuiu dinheiro a mais de 126 milhões de pessoas, o que representa 60% da população brasileira, segundo o Ministério da Cidadania. De acordo com a Fundação Getúlio Vargas, desde maio, 15 milhões de brasileiros saíram da extrema pobreza por causa do benefício. O custo em cinco meses ultrapassou o total gasto com o Bolsa Família em oito anos.
O estudo feito pela Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) aponta que a população vivendo na extrema pobreza saltou de 5,171 milhões em agosto para 9.251 milhões no mês seguinte deste ano. A proporção da população brasileira vivendo nesta condição aumentou no período de 2,4% para 4,4%. Já a proporção de brasileiros vivendo na pobreza subiu de 18,3% em agosto para 22,4% em setembro.
A importância que o auxílio emergencial teve até aqui para garantir a subsistência e segurança alimentar é inquestionável, não poderia ser diferente. A ajuda financeira do governo é aprovada por todos os brasileiros, e não só os beneficiados. Da mesma forma, é inegável a necessidade do programa continuar até que a pandemia chegue ao fim e a geração de emprego volte a apresentar dados positivos. Mas enquanto o vírus espalha fome, o governo enfrenta desafio: como reduzir os gastos emergenciais da pandemia sem sufocar as contas públicas.
A população tende a pressionar por mais transferências após uma experiência como essa, e não se pode impor à sociedade uma queda tão brusca da renda com o fim do auxílio sem uma transição. Mas o governo fez uma desaceleração ao reduzir pela metade o valor do auxílio e, embora tenha prometido tornar alguma forma de benefício permanente, como o já batizado programa Renda Brasil, a ideia se esvaziou no governo federal.
Manter o auxílio emergencial é um plano insustentável. O Brasil deve registrar o maior déficit primário de todos os tempos, de mais de 11% do PIB neste ano. Economistas dizem que a abordagem é insustentável. O desafio é como desfazer isso.
O auxílio emergencial levanta questões sobre a melhor forma de lidar com a crescente vulnerabilidade econômica. A pergunta que ecoa é: como aliar a assistência aos que perderam sua renda e a responsabilidade com gastos públicos? Para encontrar a resposta e impedir que a população carente fique em total desamparo, o governo federal e o Congresso precisam entender que não há descompasso quando se fala em política social coerente e responsabilidade fiscal.
O ano que chega sem o auxílio emergencial pode representar uma tragédia, mas cria também uma oportunidade para revisar as políticas sociais, demonstração de competência com as reformas e adoção de modelos econômicos que sustentem programas de distribuição de renda e combate a desigualdade. O ano pode começar com foco em ações estratégicas que viabilizem a geração de emprego e renda. Na última semana, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), disse que em conversa com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) indicou um desses caminhos para criação de postos de trabalho como alternativa ao fim do auxílio emergencial. A proposta é fortalecer o setor da construção civil como forma de absorver mão de obra, fazer circular o dinheiro e minimizar a perda da ajuda financeira do governo.
Caiado acerta ao aconselhar o presidente indicando uma das estratégias para uma retomada planejada. É um alerta de que os recursos não são infinitos e precisa de uma ação conjunta entre todas as esferas do poder e a iniciativa privada para que sejam colocados em prática meios de conter a desigualdade social que será gritante no cenário que se desenha sem o auxílio.
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