Ano de 2021 chega sem auxílio
03 janeiro 2021 às 00h00

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O ano começa sem nenhum programa de distribuição de renda ou geração de emprego que seja alternativa ao fim do auxílio emergencial
A desigualdade foi escancarada em 2020. O cenário produzido pela pandemia do coronavírus conseguiu evidenciar a profunda pobreza que famílias brasileiras vinham sofrendo como efeito da recessão de 2015 e 2016. O desemprego, a perda da renda e o desamparo social ganharam contraste com a Covid-19. Boa notícia: o pagamento do auxílio emergencial distribuiu dinheiro diretamente aos cidadãos. Assim, a pobreza teve redução histórica. Má notícia: o socorro financeiro tem data para acabar e vai revelar uma desigualdade pior do que a vivida no período pré-pandemia.
A Covid-19 provocou a morte de quase 200 mil pessoas (seguimos contando). Paralelamente, em razão da doença, foi reduzida a pobreza e a desigualdade, mesmo que seja por um curto prazo. Outro efeito paradoxal, a crise sanitária colocou programas sociais no centro do palco político – o auxílio emergencial teve reflexo nas eleições municipais deste ano e estará presente também nas eleições de 2022.
O auxílio emergencial chega ao fim neste janeiro. O programa se finda em um momento tão crucial quanto o que foi criado – no mês de abril, quando a pandemia fazia suas primeiras vítimas no Brasil. Embora tenhamos grande esperança nas vacinas já anunciadas, há o registro contínuo e crescente de infecções e mortes causadas pela doença nesta virada de ano.
O que se ouve da grande maioria dos economistas e cientistas sociais é que o fim do auxílio vai trazer à tona, com ainda mais força, as desigualdades. Isso porque a distribuição dos R$ 600 neutralizou os índices de pobreza, mas, como o patamar de renda dos brasileiros ficou ainda menor devido às crises sucessivas, a retomada pode levar mais de uma década para alcançar os patamares pré-pandemia.
Em números: o auxílio emergencial distribuiu dinheiro a mais de 126 milhões de pessoas, o que representa 60% da população brasileira, segundo o Ministério da Cidadania. De acordo com a Fundação Getúlio Vargas, desde maio, 15 milhões de brasileiros saíram da extrema pobreza por causa do benefício. O custo em cinco meses ultrapassou o total gasto com o Bolsa Família em oito anos.
O estudo feito pela Fundação Getulio Vargas (Ibre/FGV) aponta que a população vivendo na extrema pobreza saltou de 5,171 milhões em agosto para 9.251 milhões no mês seguinte deste ano. A proporção da população brasileira vivendo nesta condição aumentou no período de 2,4% para 4,4%. Já a proporção de brasileiros vivendo na pobreza subiu de 18,3% em agosto para 22,4% em setembro.
A importância que o auxílio emergencial teve até aqui para garantir a subsistência e segurança alimentar é inquestionável, não poderia ser diferente. A ajuda financeira do governo é aprovada por todos os brasileiros, e não só os beneficiados. Da mesma forma, é inegável a necessidade do programa continuar até que a pandemia chegue ao fim e a geração de emprego volte a apresentar dados positivos. Mas enquanto o vírus espalha fome, o governo enfrenta desafio: como reduzir os gastos emergenciais da pandemia sem sufocar as contas públicas.
A população tende a pressionar por mais transferências após uma experiência como essa, e não se pode impor à sociedade uma queda tão brusca da renda com o fim do auxílio sem uma transição. Mas o governo fez uma desaceleração ao reduzir pela metade o valor do auxílio e, embora tenha prometido tornar alguma forma de benefício permanente, como o já batizado programa Renda Brasil, a ideia se esvaziou no governo federal.
Manter o auxílio emergencial é um plano insustentável. O Brasil deve registrar o maior déficit primário de todos os tempos, de mais de 11% do PIB neste ano. Economistas dizem que a abordagem é insustentável. O desafio é como desfazer isso.
O auxílio emergencial levanta questões sobre a melhor forma de lidar com a crescente vulnerabilidade econômica. A pergunta que ecoa é: como aliar a assistência aos que perderam sua renda e a responsabilidade com gastos públicos? Para encontrar a resposta e impedir que a população carente fique em total desamparo, o governo federal e o Congresso precisam entender que não há descompasso quando se fala em política social coerente e responsabilidade fiscal.
O ano que chega sem o auxílio emergencial pode representar uma tragédia, mas cria também uma oportunidade para revisar as políticas sociais, demonstração de competência com as reformas e adoção de modelos econômicos que sustentem programas de distribuição de renda e combate a desigualdade. O ano pode começar com foco em ações estratégicas que viabilizem a geração de emprego e renda. Na última semana, o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM), disse que em conversa com o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) indicou um desses caminhos para criação de postos de trabalho como alternativa ao fim do auxílio emergencial. A proposta é fortalecer o setor da construção civil como forma de absorver mão de obra, fazer circular o dinheiro e minimizar a perda da ajuda financeira do governo.
Caiado acerta ao aconselhar o presidente indicando uma das estratégias para uma retomada planejada. É um alerta de que os recursos não são infinitos e precisa de uma ação conjunta entre todas as esferas do poder e a iniciativa privada para que sejam colocados em prática meios de conter a desigualdade social que será gritante no cenário que se desenha sem o auxílio.