A tragédia dos comuns: União e Estado disputam renúncias na Reforma Tributária
18 junho 2023 às 00h00
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Ronaldo Caiado (UB) tem se destacado como o político brasileiro mais vocal contra a Reforma Tributária. Como fez no caso da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), o governador aproveitou uma pauta nacional para tornar seu nome conhecido. A estratégia tem dado resultados: na quinta-feira, 15, Caiado esteve na capa do Estadão em matéria sobre a Reforma Tributária como principal representante do grupo avesso à reforma.
Politicamente, há um duplo ganho no posicionamento; economicamente, talvez haja um revés. No cálculo político, Caiado se coloca em oposição ao governo de Lula da Silva (PT), portanto se destacando na direita antes mesmo de outros postulantes à disputa nacional de 2026, como o concorrente conservador Tarcísio de Freitas (Republicanos). Ainda politicamente, Caiado se fortalece no estado ao acenar para a Organização de Cooperativas de Goiás (OCB-GO), a Federação de Indústrias de Goiás (Fieg), os movimentos sindicais (este na figura da Força Sindical Goiás) – todos sinalizaram se alinhar ao governador na oposição da Reforma.
Na economia, essa resistência é o chacoalhar do vespeiro. É um claro sinal de que nem a União está disposta a cortar gastos e tampouco o governo estadual quer extinguir renúncias fiscais que atraem empresas – mesmo que no fim das contas o saldo coletivo seja positivo. Para parar de pé, o novo arcabouço fiscal precisa que a receita sempre cresça, e com a dificuldade de acabar com isenções para este ou aquele setor promete que a receita só tem um outro caminho para crescer: aumento de impostos. Mas isso ninguém ainda pronunciou em voz alta.
Um dos problemas mais conhecidos da teoria dos jogos é a ‘tragédia dos comuns’. A tragédia se refere às situações em que agentes independentes agem de acordo com seus próprios interesses, mas acabam atuando contra a comunidade e esgotando os bens coletivos. Se há um poço em que dez pessoas podem beber, elas podem fracionar a água igualmente para que todos sobrevivam, ou os primeiros a chegar podem estocar o máximo que conseguirem para garantir seu próprio sustento. Assim é o orçamento.
Com muita razão, Ronaldo Caiado criticou Luiz Inácio Lula da Silva por ter anunciado incentivo para a indústria automobilística e querer acabar com a possibilidade de os Estados também fazerem esse tipo de política. No ano passado, Goiás cresceu 6,6% enquanto a média nacional ficou em 2,9%, e o governador atribuiu esse fato à atividade das indústrias, que foram atraídas com renúncias fiscais.
A Reforma Tributária será uma emenda à constituição que ainda precisa ser detalhada por leis infraconstitucionais, mas seu desenho está dado. O propósito central é extinguir as cobranças “na origem”, ou seja, acabar com impostos cobrados sobre a produção e colocá-los no consumo, sobre o valor comercializado. A ideia é racional e adotada pela maior parte dos países, pois faz com que quem consome mais pague mais impostos, e os pobres não precisem sustentar a produção dos bens dos ricos. Este seria o Imposto sobre Valor Agregado (IVA), que substituiria PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS.
O problema é que o ICMS e ISS são impostos estaduais, cuja isenção tem sido concedida por Goiás para atrair indústrias. São R$ 14 bilhões em incentivos por ano. A alternativa oferecida por Caiado (que não diz ser contrário a ideia de reforma tributária, apenas contra essa reforma tributária) é um IVA que comece apenas pelos impostos federais e o aporte por parte da União ao Fundo de Desenvolvimento Regional (FDR), que serviria para compensar perdas com arrecadação quando for a vez dos estados cortarem impostos.
A União, por sua vez, quer fazer o mesmo que Goiás: reindustrializar via renúncia fiscal, o que significa abrir mão de receita colhida das indústrias, que serão subsidiadas pelo contribuinte. No espírito “meu pirão primeiro”, ambos atores deixaram de apostar no aquecimento da economia. Com menos impostos, o mercado ficaria mais ativo pois as pessoas teriam dinheiro para empreender, o que gera renda, empregos e, contraintuitivamente, impostos.
Essa é a tragédia dos comuns, e é também onde caiado pode encontrar uma contradição política. Ao tentar ocupar o campo da direita, seria coerente que defendesse a bandeira de menos impostos para o cidadão e menos intervencionismo estatal na produção. Quando precisar começar a cortar incentivos, Lula vai se deparar com o mesmo dilema, pois terá de enfrentar a resistência de sindicatos e indústrias que concordam com uma reforma tributária que reduza renúncias, mas não essa reforma tributária que reduz as minhas renúncias.