Limites nos bloqueios e o Abuso de Autoridade
02 fevereiro 2020 às 11h12
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Inúmeros casos de bloqueios de bens muito além do necessário reforçam o entendimento da necessidade de estabelecer limites
A Lei de abuso de autoridade nº 13.869, que acabou de entrar em vigor no último dia 24 de janeiro desse ano, muda categoricamente as regras para o bloqueio de bens, vez que estabelece diretrizes objetivas, a partir de um raciocínio lógico da interpretação da norma, de acordo com a estruturação social adequada.
As garantias conduzidas a partir da carta magna de 1988, possibilitou a instituição de organismos fundados nos princípios constitucionais estabelecidos, sendo que dentre eles o contido no XXXIX do artigo 5º da Constituição prevê que: “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”, o que na verdade ocorria até a edição da lei era uma pena sem prévia cominação legal, sem limites.
Inúmeros casos de bloqueios de bens muito além do necessário reforçam o entendimento da necessidade de estabelecer limites ao bloqueio de bens. A título de exemplo cito um caso da Comarca de Valparaiso de Goiás, entorno de Brasília, onde um Juiz determinou o bloqueio de todos os bens da parte, isso tudo sem pedido do Ministério Público, e é por decisões teratológicas como a citada que a Constituição Federal fixa como cláusula pétrea a inexistência de pena sem prévia comunicação legal, por esse motivo, a nova lei estabelece como regra seja apontado pelo MP a diferença apurada, não podendo agir como o Magistrado mencionado que determinou o bloqueio de todos bens da parte independente do valor desses.
E não é só essa regra constitucional que protege a nova legislação, o inciso LIV do artigo 5º vaticina que ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal. Em verdade, os limites impostos na lei são reflexos os sentimentos que a sociedade almejava no dia a dia, posto que, não se trata de livre convencimento, e sim, da adoção de mecanismos objetos e claros, onde o cidadão tenha consciência da fronteira entre a liberdade garantida na carta magna e, até onde vai o poder do togado em bloquear bens acima do limite da diferença apontada.
Isso não significa que não poderão ser aplicadas medidas cautelares, indisponibilidade de bens, sequestro, hipoteca legal ou arresto como forma de garantir a execução da pena ao final do processo, todavia caberá ao magistrado observar os limites para constrição dos bens, não podendo repetir o exemplo do Juiz de Valparaiso de Goiás que bloqueou a totalidade dos bens da parte, como se o mesmo soubesse quais eram todos bens da parte, não cabendo tal interpretação chegar a esse ponto.
As medidas acautelatórias: tais medidas são excepcionais e atacam frontalmente o direito de propriedade previsto na Constituição de 1988. Em recente decisão do TRF 4, Tribunal Regional Federal da 4ª Região e destacado por Guilherme de Souza Nucci destacou que “as medidas assecuratórias previstas na legislação processual penal não justificam que seja mantido sob a custódia do Poder Judiciário bem cuja finalidade precípua, em princípio, não é a atividade criminosa, mas sim a subsistência de seu proprietário e de sua família, mormente apresentando-se a constrição inteiramente desnecessária à elucidação das investigações.
Na esfera penal a constrição de bens não pode ser por estimativa do dano causado. É fundamental que o bloqueio cautelar recaia apenas sobre os bens que são produtos de práticas de atos ilícitos, e não sobre o patrimônio indistinto do indiciado. Por isso, a importância de se apontar qual a diferença apurada.
Destaca-se ainda, caso existam ações em andamento, onde conste bens bloqueados sem o devido pedido do Ministério Público ou sem que, na denúncia, não demonstre a diferença apurada, caberá ao MP rerratificar o pedido, afim de cumprir o art. 91-A, §3º do Código Penal, introduzido pela Lei nº 13.964/2019 já em vigor, ocasião do oferecimento da denúncia, com indicação da diferença apurada, sob pena de preclusão.