Na decisão, o juiz entendeu que a laicidade descrita na Constituição é motivo suficiente para arquivar ação civil pública proposta pelo Ministério Público

Ao analisar o pedido, o magistrado afirmou que a questão de fundo, “travestida na defesa da ordem urbanística”, cingiu-se a um hipotético “assédio religioso” | Foto: Paróquia Santos Anjos/Facebook

O Ministério Público entrou com ação contra a prefeitura do Rio de Janeiro a fim de que fosse retirado o oratório religioso na Praça Milton Campos, no Leblon. Contudo, o pedido foi julgado improcedente pelo juiz Sérgio Roberto Emilio Louzada, da 2ª Vara de Fazenda Pública da capital fluminense. A decisão também desautoriza a prefeitura de remover outros ícones construídos em logradouros após a Constituição Federal de 1988.

A ação civil pública foi proposta pela 2ª Promotoria de Justiça de Tutela Coletiva de Proteção da Ordem Urbanística do Estado do Rio de Janeiro contra o município para que o Executivo se abstenha de autorizar a construção de oratórios religiosos em praças públicas, bem como retire oratórios religiosos construídos em praças da capital desde a Constituição, “com o restabelecimento da laicidade do Estado”.

O juiz, por sua vez, entendeu que o pedido deveria ser julgado improcedente. “Entendemos que a laicidade do Estado não autoriza a repressão a qualquer prática de profissão de fé, como requer o Ministério Público. Ao revés, exige do Estado que assegure o livre exercício dos cultos religiosos e garanta, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e as suas liturgias, nos exatos termos do inciso VI, do artigo 5º, da Constituição da República, sendo também vedado embaraçar-lhes o funcionamento.”

Na sentença, o magistrado destaca símbolos religiosos como o Cristo Redentor e os Orixás no Dique do Tororó, na Bahia, ao exaltar a importância de locais religiosos como pontos de peregrinação e como atrações turísticas relevantes para a economia das cidades. De acordo com ele, o Estado não pode limitar direitos fundamentais do cidadão, como o de orar, ou de escolher ou não uma crença.

“Ninguém se deixa influenciar por imagens ou oratórios, que nada mais são, de fato, do que monumentos históricos de enorme importância cultural, integrando o patrimônio urbanístico das cidades. Somente irá se interessar pela imagem, oratório, pregação, ou qualquer outro tipo de símbolo religioso quem estiver buscando o conforto espiritual e se identificar com a doutrina teológica que melhor alcançar os anseios mais íntimos de cada indivíduo.”

Ele termina dizendo que parece ter havido desvio de finalidade no atuar do MP, arvorando-se em advogado de alguém que se viu incomodado pela existência de um símbolo religioso em praça pública”. Foi determinado o arquivamento do processo.

“Assédio religioso”
Ao analisar o pedido, o magistrado afirmou que a questão de fundo, “travestida na defesa da ordem urbanística”, cingiu-se a um hipotético “assédio religioso” que, na suposição do subscritor, poderia estar sendo imposto pela presença da imagem, “tendente a influenciar ‘pedestres e transeuntes que pertencem aos credos religiosos minoritários’, a fim de que adiram à outra crença”. Sobre este ponto, afirmou o magistrado: “Não parece crível que tais assertivas tenham sido idealizadas e escritas por um promotor de Justiça, de currículo notório e ampla cultura jurídica”.

E continua: “Mais parece que algum crente fanático e extremista – daqueles que se apresentam publicamente depredando imagens religiosas, pregando intolerância e violência em nome de sua fé – teria sido o autor do raciocínio discriminatório e tendencioso que não se conseguiu disfarçar em meio às teses jurídicas tomadas por empréstimo sem que guardem relação direta e estrita com os fatos trazidos ao Judiciário”.

“Melhor serviço público estaria prestando S. Exª., data vênia, se dedicasse tanto empenho a retirar das praças públicas a crescente população de rua que vive em condições precárias sem que os poderes públicos pareçam com isso se importar; ou, mesmo, cuidando S. Exª. de zelar pelo paisagismo urbanístico das comunidades carentes que socadas nas favelas do Estado sem as mínimas condições de dignidade humana, contribuem mesmo involuntariamente para o crescimento desordenado da cidade que se debruça em precipícios desprovidos de serviços públicos essenciais, transformando a urbe no caos que conhecemos e convivemos como meros espectadores de tragédias anunciadas.” (Processo 0023538-41.2019.8.19.0001- )

De uma maneira geral, o Estado laico é neutro e leigo. Busca-se através dele que uma sociedade, de modo geral, mesmo com diversidade de crenças e ideologias, consiga se desenvolver pacificamente, tratando o próximo com o devido respeito, obedecendo a um governo sem posição religiosa definida.

O Brasil é considerado um Estado laico em virtude de dispositivos constitucionais que amparam a liberdade de religião. Assim, citam-se o artigos 5º, VI, e 19, I da Carta Magna. Insta mencionar que o nosso País passou a ser considerado como Estado laico no ano de 1890, através do Decreto 119-A, de Ruy Barbosa, quando estabeleceu a liberdade de culto religioso, independente de suas convicções e escolhas religiosas.