Discussão é nebulosa e ainda sem resposta sólida. Recentemente, nos Estado Unidos, a Suprema Corte derrubou uma decisão que garantia o direito ao aborto

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O direito no Brasil se originou em grande parte do direito Português, com vertentes ao direito romano-germânico. Não obstante, o direito brasileiro tem uma raiz muito forte do direito canônico, que serviu de base por muitos anos para a edição da primeira carta constitucional e das leis, a partir da independência.

Por muitos anos, e até mesmo nos dias de hoje, encontramos rastros desses três nichos do direito, que influenciam nosso ordenamento jurídico, em especial, o direito canônico. As leis da igreja sempre proibiram expressamente o aborto, e tal proibição, se mantém no ordenamento jurídico pátrio previsto expressamente no Código Penal.

Afinal, não poderia ser diferente, sendo certo que o direito brasileiro sempre tutelou pela vida, e também, sempre considerou a teoria concepcionista, a qual ressurge o direito ao feto no momento de sua fecundação.

O artigo 2º do Código Civil, Lei Federal 10.406/02, prevê que a  “personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro” em suma, o direito brasileiro preza e defende sempre o feto . Contudo, há exceções (previstas em lei) que permitem o genitor, e nesses casos em especial, a mãe, a realizar o aborto.

No caso menos controverso possível, o aborto é permitido em caso de feto natimorto, que é quando o feto se encontra no ventre da genitora, em estado gestacional, porém, está morto. Esta hipótese é consentida até entre aqueles que são contra o aborto, tendo em vista que não faz sentido nenhum finalizar a gestação de um feto sem vida, sob pena de por em risco inclusive a vida da genitora. Outro caso é o de aborto espontâneo, em situações de gravidez de risco, onde o corpo naturalmente rejeita o feto e, por consequência, este vem a falecer ainda no útero. Em ambos os casos, o aborto não é fato criminoso.

O aborto premeditado, ou seja, quando a mulher planeja abortar, é considerado crime, pelo artigo 124 do Código Penal, com pena de detenção de um a três anos. Entretanto, vários grupos progressistas vêm, democraticamente, manifestando pelo direito da descriminalização do aborto. Em que pese haja manifestação seja legítima, não parece que nossos membros do poder legislativo irão alterar Código Penal.

Restando, portanto, a mais controversa e problemática situação de aborto legalmente permitida pelo ordenamento jurídico, o aborto resultado de gravidez por estupro. Previsto no artigo 128, II do Códex Penal, “se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.”.

Por mais que se trate de gravidez resultante de um crime (nesse caso, o estupro), o legislador conferiu a “faculdade”, questão de escolha, da vítima em continuar ou interromper a gestação, mesmo que o bebê venha a ser saudável. Para alguns juristas e religiosos que acreditam piamente na teoria concepcionista, a interrupção da gravidez, mesmo que embora fruto de crime, o feto ainda goza, desde sua concepção, direitos de personalidade, e principalmente, direito a vida.

O professor Nelson Rosenvald acredita que o valor da pessoa humana, que reveste todo o ordenamento brasileiro, é estendido a todos os seres humanos, sejam nascidos ou estando em desenvolvimento no útero materno. Partindo-se desse pressuposto, e pela premissa do Estado em tutelar ao máximo o bem jurídico à vida, não seria certo “matar” um feto ainda em estado de desenvolvimento, pois, desde sua concepção, este já adquire o direito a vida e à personalidade.

Trazendo toda a teoria a ser aplicada na realidade, em especial ao caso da criança estuprada no Estado de Santa Catarina, envolvendo pelo que se sabe um estupro não tradicional, pois envolveu dois menos de idade, um com 13 e outra com 11 anos, pode caracterizar estupro mútuo, posto que, como dito, ambos são menores de 14 anos, demonstra perfeitamente o conflito entre as visões da ala progressista pró-aborto e da ala preservacionista que defende a vida desde sua concepção.

Lembrando que, pelos ditames legais, é faculdade da gestante abortar ou não em casos de estupro, visto que a lei não a obriga abortar, apenas lhe retira a punibilidade, visto que o ato é considerado crime. E, por conta da faculdade que a lei impõe, ocorre um conflito de direitos.

Malgrado os profissionais da saúde que seguindo resoluções do Ministério da Saúde e Conselhos de Medicina somente pode realizar o procedimento de aborto até a vigésima semana de gestação, após esse período, todos os órgãos do bebê estão formados. No caso da criança de Santa Catarina, onde a mesma encontrava-se na vigésima nona semana de gravidez (ou no sétimo mês), já existia ali uma criança formada, maturada e, que com os devidos cuidados médicos, sobreviveria fora do útero, ou seja, os direitos do nascituro não estariam resguardados pela legislação brasileira?

Em que pese legítima a faculdade da mãe, ora criança de 11 anos e de sua responsável legal, em partes, estaria uma criança sendo punida por algo que não cometeu. De fato, quem deveria pagar pelo crime, e irá, é o estuprador, mas o fruto do crime, em sendo o feto, deveria responder pelo castigo do criminoso com a própria vida, ou deveria a vítima do crime, “ser punida” cuidando do fruto criminoso?

É uma discussão extremamente nebulosa para qual ainda não temos uma resposta sólida e concreta. Mas enquanto perdurar o dispositivo legal do artigo 128, II do Código Penal, o direito da mãe vítima de estupro em abortar, continuará suprimindo o direito do nascituro e da personalidade do feto.

Recentemente, nos Estado Unidos a Suprema Corte, derrubou uma decisão que garantia o direito ao aborto, o que levará à proibição total do procedimento em cerca de metade dos Estados americanos.