O inimigo com espada é explícito; o com punhal não
31 dezembro 2024 às 17h27
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Meu propósito no rabisco desta crônica é falar do meu estranhamento (perfeitamente explicável) em relação à aprovação relâmpago da taxa de lixo só agora, no apagar da luz da gestão do prefeito Rogério Cruz, haja vista que ela foi enviada à Câmara Municipal de Goiânia em 2021. Nesta data, os nobres edis não a aprovaram, alegaram temor de que a aprovação queimaria o filme deles junto aos seus eleitores.
É hilário que estes mesmos edis recentemente também se valeram de um jabuti para aprovar para si mesmos um auxílio de R$ 7 mil. E nesse autofavorecimento entrou outro quelônio: o aumento de verba de gabinete e a criação de mais 253 cargos comissionados. Aí, no entanto, o temor de desaprovação popular não lhes incomodou. A cara de paisagem entrou em cena…
Nossos parlamentares de todas as esferas, em sua maioria, fazem o contrário do que o poeta baiano Castro Alves (1847 — 1871) disse em seu poema “O Século”. São poucos cujo propósito é prestar um trabalho parlamentar de qualidade à sociedade. Predominam nas casas legislativas os vampiros: os que só sabem sugar o sangue dos cofres públicos. O poeta condoreiro pediu legislações que fossem “templo novo” para servir ao povo como “pedestal”, não para o “esmagar”. Castro Alves, a quem Machado de Assis disse “vestir suas ideias com roupas finas e trabalhadas”, se vivo estivesse, ainda diria perplexo: “Senhor Deus dos desgraçados! / Dizei-me vós, senhor Deus! / Se é mentira… se é verdade / Tanto horror perante os céus?”.
O prefeito Rogério Cruz, que tanto conviveu com a Bíblia, não se lembrou de uma recomendação em Jeremias 17:5 que diz: “Maldito é o homem que confia nos homens”. E no andar torto da carruagem, Rogério acabou sendo o grande culpado por ser pregado na cruz. Não teve destreza política suficiente para combater os “prefeitinhos” e “feudos” em sua gestão. Seu governo simplesmente carregou piano para a Câmara. Ou dava o que os edis exigiam ou era apeado do Paço Municipal com impeachment. Ele não teve olhos para ver e enxergar os punhais que lhe sorriam.
Alguém com uma espada na bainha é menos perigoso do que um com um punhal, pois o punhal fica escondido debaixo da camisa sem que a gente saiba dele. Neste caso, o riso sempre é a véspera de uma punhalada. Muitas vezes não dá tempo de se escarrar na boca que nos beija. Já o inimigo com uma espada é explicito. Ele não nos sorri, não nos abraça. Ele tem a vantagem de não nos decepcionar com a traição.
León Trotsky, um dos artífices da Revolução Russa, é um exemplo de vítima de alguém com um escarro atrás de um beijo. Na verdade, vítima de algo pior. Acabou morrendo em decorrência de uma picaretada na cabeça dada por Ramón Mercader, um espião espanhol que acabou se infiltrando na casa de Trotsky. E isso a serviço do sanguinário ditador Josef Stálin, que governou a União Soviética de 1927 a 1953.
Stálin preferia ver o capeta chupando manga e assoviando a saber que seu crítico ferrenho estava vivo e escrevendo uma biografia corrosiva sobre ele. Em 1953, Stálin (o homem de aço), que não se dizia “imbrochável, imorrível e incomível”, teve uma hemorragia cerebral. Durante os três dias em que seu caixão ficou exposto para visitação pública, cerca de cem pessoas morreram pisoteadas na despedida ao homem de aço.
Que venha a taxa do lixo. E que o prefeito Sandro Mabel ponha um ponto final nesse imbróglio matusalêmico e tire a Comurg de seu estado de zumbi. Segundo Mabel, “a população vai entender quando ver a cidade limpa, o lixo sendo recolhido”. Tomara mesmo. Goiânia está fedendo.
Em conversa com ex-deputado federal Vilmar Rocha, que já foi secretário de Estado do Meio Ambiente, Recursos Hídricos, contei-lhe que Goiânia faz com seu lixo igual o gato faz com sua titica: enterra. O aterro sanitário é nossa titica enterrada. Ele riu. Goiânia precisa sair da caverna. Ela precisa fazer dinheiro com seu aterro: realizando captação de gás e geração de energia.
Sinésio Dioliveira é jornalista, poeta e fotógrafo da natureza