Ainda no mês das mulheres, revisitaremos um assunto, já abordado em crônicas anteriores. A triste realidade de mulheres silenciadas pelo gênero no universo da música clássica.

Embora a música fosse vista como um “predicado a mais” para as mulheres “de boa família”, de outrora, exclui-las dessa atividade profissional era algo considerado completamente normal até muito pouco tempo.

Em 1982 a clarinetista alemã Sabine Meyer (1959) foi aprovada, em audição feita atrás de um biombo, como membro efetivo da orquestra Filarmônica de Berlim. Ela seria a primeira mulher na história daquele conjunto, mas em votação, dos próprios músicos, ela acabou não sendo aceita com 73 votos contrários e 4 favoráveis.

Sabine Meyer (1959)

Assustadoramente em pleno século XX, a grande maioria dos músicos da Filarmônica de Berlim rejeitou uma das melhores clarinetistas do mundo simplesmente por ser mulher. Felizmente, atualmente a situação já é bem diferente.

Os compositores Amadeus Mozart (176-1791), Felix Mendelssohn (1809-1847) e Robert Schumann (1810 – 186) tiveram mulheres extremamente talentosas ao lado deles, e, por serem mulheres, foram desencorajadas a serem compositoras profissionais.

A austríaca Nannerl – Maria Anna Walburga Ignatia Mozart (1751-1829) passou para história como a “irmã de Mozart”. Nannerl foi exibida como criança prodígio junto ao irmão Mozart, tocou diante da realeza por toda a Europa, mas ao atingir a puberdade foi empurrada pelo pai para os papéis de gênero mais tradicionais: filha submissa, esposa e mãe.

Maria Anna Mozart e Amadeus Mozart

Nannerl escreveu uma canção e enviou ao irmão. Não existem registros da música, no entanto, a reação de Mozart foi encontrada em uma carta endereçada à irmã. 

“Eu não consigo acreditar que você componha tão bem. É lindo”.

A alemã Clara Josephine Wieck (1819 – 1896) foi esposa de Robert Schumann (1810 – 1856), sendo uma das poucas crianças prodígio a se manter famosa e reconhecida como virtuose do piano por toda a vida. Clara Schumann influenciou hábitos na performance musical, inclusive dos homens. A pianista teve uma carreira ativa entre os anos de 1828 a 1891. Inovou na escolha de repertório, na programação de suas turnês, exercendo independência junto ao público e aos empresários. No entanto, sua carreira como compositora sempre esteve em segundo plano. Apesar se toda sua segurança em relação à performance, Clara duvidava de sua capacidade como compositora. A pianista viveu em um período em que compositoras não eram incentivadas, nem levadas a sério. Clara Schumann possui obras de inegável valor, embora tenha passado pela história da música ocidental como a esposa pianista do compositor Robert Schumann.

Clara e Robert Schumann

“Acreditei que tinha talento criativo, mas desisti desta ideia; uma mulher não pode desejar compor – nunca houve nenhuma capaz disso. E eu serei a primeira? Seria arrogância minha acreditar nisso. (…) Que Robert possa sempre compor, isso sempre me fará feliz”.

Outro triste exemplo de preconceito é da judia alemã Fanny Mendelssohn (1805-1847). Irmã do compositor Felix Mendelssohn (1809-1847), Fanny foi em alguns aspectos mais talentosa do que o famoso irmão, compôs por volta de 466 obras. No entanto teve suas ambições tolhidas pela família.

Felix e Fanny Mendelssohn

Um trecho da carta de Felix Mendelssohn a sua mãe, também pianista, falando a respeito da irmã Fanny Mendelssohn:

“Pelo que eu sei de Fanny eu diria que ela não tem inclinação e nem talento para a composição. Para uma mulher ela já sabe a respeito de música o suficiente. Ela administra sua casa e sua família e não se preocupa com o meio musical, e, com certeza, ela não coloca estas preocupações à frente de suas preocupações domésticas. Publicar suas obras só perturbaria estas suas preocupações, e eu não posso dizer que aprovaria isso”.

No Brasil, a musicista Chiquinha Gonzaga (1847 – 1935) teve que lutar contra o preconceito e as regras vigentes. Primeira mulher a reger uma orquestra, primiera mulher a trabalhar tocando piano em lojas de música. A compositora da primeira marchinha de carnaval “Abre alas”, nunca teve medo. Brigou pelos direitos autorais, pelo fim da escravidão, pela Proclamação da República. Uma mulher precurssora merecedora de nossas homenagens.

Chiquinha Gonzaga (1847 – 1935)

Assim se expressou Chiquinha Gonzaga:
“Quando estreei como compositora de teatro musicado, a imprensa não sabia como me tratar: maestra”? Será lícito afeminar esse termo?

As biografias de Nannerl, Clara, Fanny e Chiquinha Gonzaga, deixam evidente que no ponto de vista histórico as mulheres foram boicotadas. Estamos perdendo parte da história simplesmente por desconsiderar a participação do feminino nesse universo. Felizmente, essa mudança já está ocorrendo.

Homenageando todas as mulheres que de alguma forma foram silenciadas, ouviremos
A “Abertura em Dó Maior” de Fanny Mendelssohn interpretada pela Orquestra “Royal Northem Sinfonia” sob a regência de Dinis Sousa.

Observe a qualidade musical da obra dessa compositora do período romântico.