Arcos e raízes: a música em risco no som do pau-brasil

22 julho 2025 às 14h33

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A madeira que canta. Assim já foi chamado o pau-brasil, árvore símbolo do nosso país, cuja seiva tingia de vermelho as roupas dos nobres europeus e cujo nome batizou toda uma terra. Séculos depois, seu valor deixou de ser apenas cromático ou comercial: ele passou a frequentar as salas de concerto do mundo inteiro, como matéria-prima dos mais nobres arcos de instrumentos de cordas. É com o pau-brasil que se fez, desde o século XVIII, o arco ideal: firme, flexível, com elasticidade rara e resposta sonora insuperável.

Essa tradição remonta a François-Xavier Tourte, arquétipo do luthier de arcos, que no final do século XVIII definiu os parâmetros modernos do arco musica, quase todos eles com a madeira densa e resiliente do Caesalpinia echinata, extraída das florestas tropicais brasileiras. De lá para cá, músicos do mundo inteiro, violinistas, violistas, violoncelistas e contrabaixistas, se acostumaram ao som puro que só um arco de pau-brasil pode proporcionar.
Mas essa história chegou a um impasse. Em tempos de emergência ambiental e fiscalização global, a extração e o comércio do pau-brasil passaram a ser altamente regulados. Desde 2023, por força de decisões do IBAMA e acordos internacionais de preservação, tornou-se quase impossível fabricar ou exportar arcos com essa madeira sem licenças específicas. A proibição visa proteger a espécie da extinção, mas colocou luthiers, músicos e colecionadores em rota de colisão com as autoridades ambientais.
A mais recente edição da Revista Concerto abordou o tema com clareza e coragem. E agora, a matéria publicada na Veja amplia esse debate, revelando os conflitos, os interesses e, sobretudo, as consequências culturais dessa mudança. A reportagem narra apreensões milionárias, acusações de contrabando e a preocupação legítima dos músicos: como manter a excelência da execução se o arco — que é como uma extensão do corpo do instrumentista — já não pode ser fabricado com a madeira ideal?

Yo-Yo Ma, violoncelista mundialmente reconhecido, resumiu essa tensão com sabedoria:
“Arcos de pau-brasil são inigualáveis e servem de embaixadores do Brasil”.
A frase nos faz pensar. Será possível aliar sustentabilidade e arte? A resposta, talvez, esteja na busca por certificação, reflorestamento responsável e diálogo entre governos, artistas e meio ambiente. E, principalmente que não sobre para os músicos pagar essa conta.

Para o renomado violista brasileiro Gabriel Marin, é essencial que se tenha um cuidado extremo com o meio ambiente e, em especial, com o pau-brasil — árvore que dá nome ao nosso país e cuja madeira é fundamental para a fabricação de arcos de instrumentos de corda. Ele reconhece a importância da preservação ambiental e acredita que políticas de reflorestamento já estão em curso no Brasil, mas alerta para os riscos de medidas restritivas que possam afetar o uso da madeira em contextos musicais.
“Cada sala de concerto no mundo carrega um pouquinho do Brasil em seu som”,
Afirma Marin, ressaltando que os arcos de pau-brasil estão presentes em orquestras da Austrália à Europa, da Ásia aos Estados Unidos e América Latina. Para ele, qualquer interferência nesse aspecto pode isolar o Brasil do cenário internacional. Gabriel encerra com um desejo:
“Espero que os arcos e a música sejam preservados”.
Ouvir música de câmara com arcos de pau-brasil, especialmente nas mãos de músicos brasileiros, é também ouvir o Brasil profundo, ancestral, ameaçado. É escutar raízes.
Ouviremos a seguir o Quarteto Carlos Gomes com os músicos: – Cláudio Cruz, e Adonhiram reis, violinos; Gabriel Marin, viola e Alceu reis, violoncelo; interpretando o Quarteto de n. 3 de Heitor Villa-Lobos (1887 – 1959). Fique atento! A sonoridade quente e vibrante dos arcos de pau-brasil se soma à expressividade dos músicos, revelando o Brasil em sua complexidade sonora: denso, lírico, rítmico e profundamente original.