Franz Schubert (1797–1828) viveu apenas 31 anos, mas foi o suficiente para marcar a história da música europeia. Nascido em Viena, no coração cultural do século XIX, Schubert compôs mais de mil obras, abrangendo gêneros diversos, desde canções (Lieder) até sinfonias, música de câmara e um extenso repertório para piano solo. No entanto, muitas dessas obras, incluindo a Sonata para Piano em Lá Menor, D. 784, só foram reconhecidas como monumentos musicais décadas após sua morte.

Essa Sonata para piano, escrita em 1823, denominada pelos editores por opus 143, foi dedicada ao compositor Felix Mendelssohn. Ela é particularmente significativa, pois Schubert, à época, vivia um dos períodos mais sombrios de sua breve existência. Com a saúde debilitada pela sífilis e enfrentando sérias dificuldades financeiras, o compositor encontrou na música um refúgio para sua melancolia e sofrimento. Essa composição, considerada um marco em sua produção, reflete uma profundidade emocional rara e um lirismo melódico que reflete sua alma atormentada.

Casa onde nasceu F. Schubert, em Viena, Áustria | Foto: Reprodução

Descrita como uma obra de caráter intimista e trágico, a D. 784 marca uma transição no estilo composicional de Schubert. Aqui, ele abandona a leveza e o brilho de suas peças anteriores para explorar territórios mais introspectivos. A sonata utiliza a simplicidade para transmitir um impacto emocional avassalador. O primeiro movimento, marcado por um tema sombrio e insistente, é um exemplo de como Schubert transformava ideias aparentemente modestas em um discurso musical inesquecível.

Na época, no entanto, a obra encontrou pouca ou nenhuma receptividade por parte dos editores vienenses. Publicada apenas em 1839, mais de uma década após a morte do compositor, a D. 784 ficou relegada ao esquecimento até ser descoberta por pianistas que, finalmente, a colocaram no lugar de destaque que merece no repertório.

Schubert não viveu para testemunhar o impacto de sua música, mas foi imortalizado por admiradores como Mendelssohn, Schumann, Liszt e Brahms. Esses gigantes do romantismo reconheceram nele uma voz única, que unia o lirismo clássico à liberdade emocional do romantismo nascente.

O Piano de F. Schubert | Foto: Reprodução

Hoje, as sonatas para piano de Schubert ocupam destacado espaço na literatura pianística. De suas primeiras obras, que respiram a influência de Mozart e Haydn, às últimas sonatas, monumentos de lirismo e profundidade, sua produção nesse gênero é um testemunho de sua genialidade melódica e de sua capacidade de transformar a música em uma confissão íntima.

A Sonata em Lá Menor, D. 784 permanece como um dos testemunhos mais personalizada do compositor, um retrato sonoro de sua luta interna e de sua inabalável dedicação à arte. É uma obra que, em sua simplicidade e melancolia, nos convida a contemplar a fragilidade e a beleza da vida – um legado que transcende o tempo e continua a tocar profundamente quem a escuta.

Schubert, com sua breve, porém prolífica trajetória nos lembra de que mesmo nos momentos mais sombrios, a música pode ser uma luz – e sua obra, um farol que ilumina as profundezas da alma humana.

Ouviremos a Sonata para Piano em Lá Menor  (D 784) opus 143,  com  o pianista húngaro-britânico András Schiff.

Observe que essa obra é considerada por muitos como um marco de uma nova era na produção para piano de Schubert, profunda e, em certos momentos, quase obsessivamente trágica.