A semana passada foi coroada com chave de lata para a cultura brasileira. Na quinta-feira, 9, o fim da Livraria Cultura foi decretada pelo juiz Ralpho Monteiro Filho, da 2ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais do Tribunal de Justiça de São Paulo. Mais do que uma perda irreparável, é uma derrota simbólica demais para a identidade brasileira e sua respeitabilidade nesses tempos tão sombrios.

Na sexta-feira, 10, o governador de Minas Gerais, Romeu Zema (Novo) participava de um podcast em Divinópolis, cidade a 125 quilômetros de Belo Horizonte, quando foi presenteado pelo apresentador, Flaviano Cunha, com um livro-coletânea “da nossa escritora Adélia Prado” [hoje com 87 anos, ela é natural de Divinópolis]. “Sei que o sr. lê muito”, disse o anfitrião. Zema emendou, em um tom entre a indagação e a afirmação: “Ela trabalha aqui…”. O radialista, totalmente sem graça, disse que Adélia era uma “escritora muito famosa de Divinópolis”, para depois terminar a conversa com um longo suspiro.

Enquanto ocorria o lamentável episódio no interior de Minas, no Conjunto Nacional, a sede da Livraria Cultura em São Paulo, obras clássicas da literatura do Brasil e do mundo começavam a ser encaixotadas – não se sabe o quanto o bate-papo com Zema a centenas de quilômetros dali acelerou o processo.

É preciso ser justo: a elite brasileira nunca foi referência de cultura ou intelectualidade

Romeu Zema é um empresário bilionário que deu certo na política, conquistando o governo do Estado em que nasceu e chegando à reeleição quatro anos depois. É dono do Grupo Zema, uma forte rede de varejo em Minas Gerais que tem mais de 400 lojas e que, em 2018, tinha um faturamento de R$ 4,5 bilhões por ano. Justifica-se a ignorância da escritora, ícone também do Estado em que nasceu: usou seu tempo para negócios, “gerando emprego e renda”, como diz o bordão dos políticos de direita, como ele, já que ler livros não enche a barriga de ninguém.

Mas é preciso ser justo: a elite brasileira nunca foi referência de cultura ou intelectualidade. Isso tem origem nos primórdios do que estava se transformando em um país independente: quando a família real portuguesa atravessou o Atlântico fugindo das tropas de Napoleão, o que menos ocupava espaço na embarcação, dizem, era a biblioteca. Dizem também que, quando chegou a futura imperatriz Maria Leopoldina, a prometida da casa de Habsburgo para Pedro de Alcântara, todos os Bragança se espantaram – e depois gargalharam – com a quantidade de livros que vieram na bagagem: afinal, o que aquela mulher queria com “aquilo”?

O fechamento de uma livraria-ícone como a Cultura é nada mais do que consequência do desprezo governamental com as políticas públicas voltadas para educação e cultura. Não tem nada a ver (tudo bem, talvez tenha um pouco a ver) com a era da internet e dos smartphones, o que ocorre em todo o mundo. Mas, nos outros países, livrarias sobrevivem. Por aqui, dados de 2022 revelaram que o País havia perdido 800 bibliotecas públicas nos últimos cinco anos; dados de 2021 mostravam que, a cada três dias, uma livraria fechava as portas em algum ponto do Brasil. Em 2018, outra pesquisa mostrava que, de 2007 a 2017, havia tido um saldo de 21 mil livrarias e papelarias a menos do Oiapoque ao Chuí.

Quem sabe Romeu Zema, lendo os 150 poemas de Adélia do livro com que foi presenteado, se inspire a mudar ao menos a realidade de Minas. Guimarães Rosa, Carlos Drummond, Carolina Maria de Jesus, Rubem Fonseca, Alphonsus de Guimaraens, Fernando Sabino, entre tantos outros, agradeceriam.