Vitória de Bolsonaro ou de Haddad pode levar o Brasil a uma ruptura institucional

22 setembro 2018 às 23h50

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De 1930 a 2018, em 88 anos, o Brasil viveu 36 anos sob ditadura e 52 anos sob democracia. O filósofo John Gray afirma que a história pode ser progressiva e regressiva

Nós, brasileiros, precisamos falar, não de Kevin, e sim de Jair Bolsonaro, Fernando Haddad e, claro, do quase-inominável: uma nova ditadura. Civil-militar e popular? Mas, antes, convida-se o leitor para um breve passeio pela história do Brasil.
A República patropi, aos 129 anos, é uma moçoila (a dos Estados Unidos, com 242 anos, é uma sra. madura e estável). Com exceção dos nostálgicos, a maioria apoia o sistema republicano, mas poucos lembram que sua existência se deve a um golpe militar. Não houve uma transição pacífica da Monarquia para a República. O marechal Deodoro da Fonseca assumiu a Presidência da República por um ato de força. Em seguida, o marechal Floriano Peixoto “reinou” praticamente como um ditador — “prendendo” e arrebentando”, diria, mais tarde, João Baptista Figueiredo, general e presidente da Coisa Pública. Convém ressaltar que o avô de Fernando Henrique Cardoso, o ex-presidente e sociólogo uspiano, queria fuzilar o imperador d. Pedro 2º, indivíduo de rara fidalguia. Teve de ser contido.
Para não encompridar e não esquecer o compromisso de ser breve na discussão da história do país, recomecemos pela década de 1930. São 88 anos desde o ano em que Getúlio Vargas, com o apoio de Minas Gerais, tomou o poder, liquidando a democracia, até 2018 — o ano no qual se vive em perigo.
Fala-se em 1930 como Revolução — com R maiúsculo. Por quê? Dadas, quiçá, as mudanças estruturais projetadas pelo presidente Getúlio Vargas. Havia, naquele ano, um presidente da República, Washington Luís, e um presidente eleito, Júlio Prestes. Vivia-se sob uma democracia com problemas mas estável. No livraço “História da Riqueza no Brasil — Cinco Séculos de Pessoas, Costumes e Governos” (Estação Brasil, 624 páginas), insurgindo-se contra repetitivas interpretações, o historiador Jorge Caldeira ressalva que a República Velha foi um período de intenso progresso. O discurso que se tornou dominante frisa o contrário e os ideólogos do varguismo por certo foram decisivos na construção da tese de que, no período de mais de trinta anos, campeavam apenas a corrupção e, eventualmente, o autoritarismo.
Pois é preciso falar de 1930 como um golpe de Estado articulado por civis, como o gaúcho Getúlio Vargas e o mineiro Antônio Carlos de Andrada, e por militares, notadamente os tenentes (e não só). Há uma tendência, entre historiadores e jornalistas, a tratar o governo de 1930 a 1937 como democrático e a aceitar que a ditadura de Getúlio Vargas começou em 1937, com o Estado Novo. É uma contrafação histórica.
Se não houve eleições presidenciais entre 1930 e 1937, se os Estados estavam sob intervenção de políticos e militares indicados por Getúlio Vargas, como se pode falar em democracia? Por que havia uma nova Constituição? Na verdade, havia censura à imprensa e perseguição a opositores políticos — comunistas ou não. As prisões ficaram abarrotadas e o chefe de Polícia, Filinto Müller, amparado pelo ditador, deitou, rolou e massacrou.
Em 1937, por certo cansado da democracia de fachada — uma democradura —, Getúlio Vargas, sustentado pelo Plano Cohen (criado por Olímpio Mourão Filho, o Vaca Fardada de 1964, e atribuído à esquerda), instalou um regime autoritário, próximo mas não igual aos regimes de Benito Mussolini na Itália e Adolf Hitler na Alemanha. Era o Estado Novo, que, de novo, nada tinha. Era a velha — e cruenta — ditadura.
Pode-se sugerir, portanto, que Getúlio Vargas governou o país, sob ditadura, por quinze anos. Nesse período, não houve eleições, a imprensa circulou sob censura e opositores eram enviados para a cadeia.
Em 1945, com o fim da Segunda Guerra Mundial, militares, os mesmos que colocaram Getúlio Vargas no poder em 1930, o derrubaram — alegando que a democracia havia vencido na Europa. Os ditadores de ontem reinventaram-se como democratas e deixaram para o ex-presidente a imagem cristalizada de ditador. Na primeira eleição para presidente, depois de quinze anos de trevas, ganhou um general, Eurico Gaspar Dutra — curiosamente, havia sido admirador de Hitler e contou com o apoio de Getúlio Vargas para derrotar, vixe!, outro militar, o brigadeiro Eduardo Gomes (era bonito, solteiro e não tinha um testículo — levou um tiro, na década de 20, quando era “revoltoso”).
De 1945 a 1964, um período de 19 anos, o Brasil viveu uma democracia que talvez deva ser chamada de luminosa, sobretudo o período do presidente Juscelino Kubitschek (que chegou a ser senador por Goiás). Não à toa a Bossa Nova — o jazz-sambado de João Gilberto — surgiu na gestão de JK.
Porém, como nada é perfeito e a história às vezes recua (o filósofo britânico John Gray é crítico contundente da ideia de uma história progressiva, linear), em 1964, militares e civis se uniram, supostamente para acabar com a anarquia, e derrubaram o governo do presidente João Goulart.
A ditadura durou 21 anos, de 1964 a 1985, e atropelou inclusive civis que a apoiaram — como Carlos Lacerda, que, tido como “demolidor de presidentes”, acabou por ajudar os militares a demolirem a si mesmo.
Com a eleição de Tancredo Neves e José Sarney em 1985, no Colégio Eleitoral, o Brasil retomou a democracia, que, em 2018, completou 33 anos — a idade em que Jesus Cristo, o homem mais emblemático dos últimos 2 mil anos, morreu. Pergunta-se: a democracia verde-amarela pode fenecer também com 33 anos, ainda tão jovem e imatura? Por que não?
Mas o que mesmo se quer dizer com a arenga acima? Que a história não é progressiva e, portanto, pode recuar.
Bolsonaro e Haddad
Há possibilidade de ruptura constitucional com uma vitória de Jair Messias Bolsonaro ou de Fernando “Lula” Haddad — candidatos a presidente pelo PSL e pelo PT?
Se eleito, Fernando Haddad assinala que não dará indulto ao ex-presidente Lula da Silva, que está preso em Curitiba, condenado por corrupção. O próprio fato de os petistas dizerem que se trata de uma prisão política, contrariando os fatos — a condenação judicial origina-se de um longo processo, no qual o petista-chefe teve direito a ampla defesa —, sinaliza para uma interpretação não democrática dos acontecimentos e de sociedade.
Na verdade, Fernando Haddad gostaria de indultar Lula da Silva. Mas, apesar de certa radicalidade, não o faria. Talvez por temer uma ruptura constitucional, provocada por uma possível intervenção militar incentivada pelos militares que estão em cena, como Jair Bolsonaro e Hamilton Mourão (PRTB). Seria o pretexto ideal, porque “positivo” para a sociedade — o petismo estaria contrariando a lei.
O PT poderia tentar um golpe, ao estilo da Venezuela? Talvez não. Mas não por falta de vontade, e sim por lhe faltar apoio militar. Um golpe petista poderia ser “revertido” por um golpe militar. Entretanto, com seu estilo Gramsci de ser — a celebrada “infiltração” em todos os lugares possível —, o petismo pode mudar leis e controlar, por exemplo, as ações de promotores e juízes. Se não é possível um golpe, que solte Lula da Silva e demais aliados, por que não mudanças legais, com o apoio de um Legislativo cooptado? Quando se fala na possibilidade de um golpe de Jair Bolsonaro, é preciso ressaltar que o PT é democrático quando lhe convém e, no poder, chegou a propor medidas discricionárias para conter aqueles — Ministério Público e Imprensa — que escolheu como adversários e, até, inimigos. A tese do “nós contra eles” indica que, quando lhe interessa, o petismo articula contra a democracia. Pode-se dizer, inclusive, que o PT não recuou, em termos de ímpeto autoritário, e sim que foi obrigado a recuar pelas instituições da sociedade. Os governos de Lula da Silva e Dilma Rousseff tiveram de ser contidos.
Se Jair Bolsonaro for eleito, e se o Congresso Nacional não aprovar seus principais projetos, o que acontecerá? O presidente chamará os militares e estes aceitarão o chamado? Por exemplo, para conter a anarquia? Subordinados ao presidente — e, no caso, um presidente originário do meio militar —, se convocados, o que os militares fariam? Não se sabe. O que se sabe é que o comandante do Exército, Eduardo Villas Boas, é democrata. Porém, doente e moderado, certamente seria trocado por um eventual governo de Jair Bolsonaro. Comandantes militares mais agressivos, se convocados pelo presidente, hesitariam em interferir? Não se sabe, mas é possível.
“The Economist” escreve quase sempre num tom debochado sobre o Brasil — o que não agradava a esquerda, notadamente o PT. Mas, quando se trata de Jair Bolsonaro, o aplauso é geral. A revista britânica é liberal, mas avalia os economistas de Chicago como bestas-feras que apoiaram ditaduras como a de Auguste Pinochet (curiosa ou sintomaticamente, esquece de mencionar que uma defensora incondicional do ditador era a primeira-ministra inglesa Margaret Thatcher). Esquecem, propositadamente, que a economia do Chile cresceu, de maneira sustentável, graças a adoção do racionalismo de economistas ditos conservadores — democratas, por sinal. Na verdade, a lembrança à Universidade de Chicago, onde pontificou Milton Friedman, é uma estocada no economista Paulo Guedes, um de seus discípulos brasileiros.
“Para governar, Bolsonaro poderia degradar o processo político brasileiro ainda mais, potencialmente abrindo caminho para algo ainda pior”, afirma “Economist”. O “algo pior” é a trevosa ditadura. É possível? É. Mas e se for exagero? “Em vez de acreditar nas promessas vãs de um político perigoso na esperança de que ele resolva todos os problemas, os brasileiros precisam perceber que a tarefa de consertar e reformar sua economia não será rápida nem fácil”, sublinha a revista. A maioria dos candidatos não segue por caminho parecido? O economista brasileiro José Alexandre Scheinkman, professor da Universidade Columbia, diz que, de todos os candidatos, somente Geraldo Alckmin, do PSDB, e Marina Silva, da Rede, têm projetos amplos de recuperação da economia. Os demais estão fazendo o jogo da plateia.

Rocha de Barros
Não se pode sugerir que Celso Rocha de Barros, doutor em Sociologia pela Universidade de Oxford, é um radical de esquerda. O colaborador da “Folha de S. Paulo” é um democrata liberal. Mas assinou um artigo, “Os bolsonaristas querem dar um golpe” (segunda-feira, 17), pelo qual vão tachá-lo, a partir de agora, de esquerdista juramentado.
“Se você quiser eleger Bolsonaro, aproveite, porque deve ser seu último voto. (…) Não há mais dúvida de que o plano dos bolsonaristas é dar um golpe. Golpe mesmo, golpe raiz, não esses golpes Nutella de hoje em dia. Sejamos honestos, nunca houve motivo para suspeitar que Jair Bolsonaro fosse um democrata”, escreve Celso Rocha de Barros.
A bola de cristal de um intelectual é a razão, que, para firmar-se, precisa do alicerce da lógica. No caso, Celso Rocha de Barros usa a lógica, informações divulgadas por bolsonaristas e pelo próprio Bolsonaro, para sugerir que o candidato do PSL pretende usar a eleição como instrumento para um golpe e chegar, em seguida, à ditadura. O sociólogo seria dado ao ofício da profecia? Por certo, sim. Mas e se sua lógica for legitimada pela história futura? E se não for? E se estiver tratando Jair Bolsonaro com extremo rigor e Fernando Haddad com luvas de pelica — como mal menor?
Para Celso Rocha de Barros, ao defender o aumento do número de integrantes do Supremo Tribunal Federal, Jair Bolsonaro demonstra que pretende ser ditador, como Hugo Chávez. “A Constituição é o que o Supremo disser que é: se você encher o Supremo de puxa-sacos, a Constituição passa a ser o que você quiser. Daí em diante, você é ditador”, postula o sociólogo.
Em caso de anarquia, o general Hamilton Mourão, vice Jair Bolsonaro, admite o “autogolpe”. Seria uma figura de retórica ou mera má formulação? Pode ser as duas coisas, mas também o que parece: se o Estado não conseguir controlar a crise, o presidente pode convocar os militares para ajudar a resolvê-la. Militares, como os generais Hamilton Mourão (por sinal, tecnicamente mais bem preparado do que Jair Bolsonaro) e Augusto Heleno Ribeiro Pereira, estarão ao lado. Dando benefício à dúvida: e se Jair Bolsonaro quiser fazer um governo com (alguns) militares, mas não um governo militar? Por que, devido à sua retórica, não poderá ser contido pelas instituições?
Hamilton Mourão sugeriu que uma comissão de notáveis seja convocada para fazer uma nova Constituição. A rigor, mesmo que seja aprovada pelo Congresso, as constituições são elaboradas por comissões de notáveis, desde sempre. No caso de ditadura, sugere Celso Rocha de Barros, os notáveis seriam “puxa-sacos”. Pode ser? Pode, é claro. Mas, apesar das declarações de Jair Bolsonaro e Hamilton Mourão, ainda não se pode dizer, com todas as letras, que estão pregando um golpe militar. Mas que há possibilidade de ruptura institucional, o que sugere a linguagem enviesada dos apoiadores do candidato do PSL, isto há, e o doutor em Sociologia tem razão ao criticar os bolsonaristas e, sobretudo, ao apontar os riscos.
“O plano dos bolsonaristas é pegar a sua raiva contra tudo que está aí e apontá-la contra a democracia. Sem democracia, governar volta a ser fácil, porque o governo nunca mais vai ter que se importar com você ou sua rede social”, afirma Celso Rocha de Barros. O tom deve ser visto como apocalíptico ou realista? Talvez as duas coisas. Mas, se Jair Bolsonaro é o rei do Apocalipse democrático, Fernando Haddad não pode ser pelo menos o príncipe? O sociólogo de Oxford prefere não mencionar o petismo
O sociólogo e jornalista Marcelo Coelho publicou o artigo “Roteiro pronto para o golpe militar” (“Folha de S. Paulo”, quarta-feira, 19) com um tom mais alarmista.
Marcelo Coelho recolhe fala recente de Jair Bolsonaro: “Meus amigos das Forças Armadas, quem será o ministro da Defesa de vocês? Quem será o nosso ministro?” O mestre pela Universidade de São Paulo conclui, com pena irritada: “Não é preciso somar dois mais dois para perceber o roteiro completo para um golpe militar”. Na verdade, apesar da “certeza” do integrante do Conselho Editorial da “Folha de S. Paulo’, a fala do candidato peca pela falta de clareza. A rigor, falou de golpe de Estado? Não. Ele está dizendo que seu ministro da defesa será um militar, talvez um general. Pode ser outra coisa, o ovo da serpente? Pode, o que daria razão a Marcelo Coelho. O alerta, feito com antecipação, pode colaborar para sustar um golpe? É possível. Até bolsonaristas democráticos estariam sendo enganados? Quem sabe.
Adiante, Marcelo Coelho assinala: “A questão não é nem Bolsonaro, nem seu vice, nem os militares. A distante eventualidade de uma vitória de Fernando Haddad criará golpistas em toda parte. Nem toda a fisiologia do mundo fará com que o centrão e a direita se animem a frustrar seus eleitores”. Ora, por que pensar “melhor” a respeito de Fernando Haddad, quando se pensa tão tal sobre seus adversários, atribuindo-lhe “desejos” golpistas? O articulista da “Folha” parece sugerir que Geraldo Alckmin, Henrique Meirelles e João Amoêdo — mais precisamente, “o mundo” de seus aliados, como PP, PTB e DEM — aceitariam a adoção de um regime autoritário. Aí, quiçá por excesso de “interpretite” — a doença da interpretação —, a lógica, que às vezes aparece no artigo de Celso Rocha de Barros, escasseia no artigo de Marcelo Coelho. Mas ressalvo que posso estar errado, e o colunista, certo.
“Não me convencem os argumentos de que o Brasil é uma sociedade ‘complexa demais’ para viver um golpe militar”, sublinha Marcelo Coelho. A história patropi, narrada de maneira sintética acima, dá razão ao jornalista. Ele menciona a Alemanha de 1933, sem citar o cabo Hitler. Remember que Adolf, o nazista austríaco, chegou ao poder, na culta Alemanha de Heine e Goethe, não por um golpe de Estado. Mas logo ao assumir, pela via democrática, começou a perseguir adversários — comunistas e socialdemocratas — e a construir campos de concentração, como o de Dachau.
O país de Machado de Assis, Graciliano Ramos, Guimarães Rosa, Carlos Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Cecília Meirelles, Clarice Lispector, Adélia Prado, Yêda Schmaltz e Angélica de Freitas poderia seguir caminho similar? Ao do nazismo não — a via totalitária —, mas um caminho autoritário, com Jair Bolsonaro ou Fernando Haddad, não deve ser descartado. Daí que os alertas de Celso Rocha de Barros e Marcelo Coelho, ainda que possam ser excessivos, devem ser levados em consideração. A gênese (e a consolidação) do Apocalipse às vezes é a crença de que a história não pode recuar. Na introdução do livro “Anatomia de John Gray” (Record, 516 páginas, tradução de José Gradel), o filósofo John Gray, de 70 anos, escreve: “O progresso na ética e na política é uma ficção. (…) O avanço da civilização não é como o crescimento do conhecimento, que é cumulativo e irreversível. Os velhos demônios regressam, geralmente com novos nomes. O que vemos como caraterísticas inalteráveis da vida civilizada se desvanece em um piscar de olhos”.

Morte da democracia
O cientista político José Álvaro Moisés concedeu uma entrevista às “Páginas Amarelas” da última edição da revista “Veja”. Realista e menos apocalíptica e assustada do que os artigos de Celso Rocha de Barros e Marcelo Coelho.
Mencionando o atentado contra Jair Bolsonaro, esfaqueado por um homem em Juiz de Fora (MG) — não se sabe exatamente por qual motivo, dada a falta de confiabilidade na sanidade do agressor —, José Álvaro Moisés assinala: “Estamos chegando a um grau de intolerância em que o uso da violência começa a ser encarado como ‘natural’ na solução de conflitos políticos”. A “reintrodução da violência na política brasileira… é um retrocesso gravíssimo”.
Quando Jair Bolsonaro sugere que “é necessário metralhar a petralhada” — ainda que seja para agregar apoiadores radicalizados, que se tornam militantes — e fuzilar o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, um indivíduo dos mais pacíficos, alimenta a intolerância. “Há o fato inconteste de que Bolsonaro incita a violência e não tem grande amor pelos princípios que constroem uma democracia, como o respeito pelas minorias”, postula José Álvaro Moisés. “Na democracia, o homem público tem responsabilidades, e uma delas é defender a solução pacífica dos conflitos políticos e sociais. Líderes democráticos são responsáveis, ou deveriam ser, pelo clima de entendimento entre os diferentes.”
Dois professores de Harvard, os cientistas políticos americanos Steven Levitsky e Daniel Ziblatt, no livro “Como as Democracias Morrem” (Zahar, 272 páginas, tradução de Renato Aguiar e prefácio de Jairo Nicolau), sustentam, na síntese de José Álvaro Moisés, “que, nos dias de hoje, as democracias são minadas não mais pela força de golpes militares, mas por meio de políticos eleitos pelo voto e que enfraquecem as instituições democráticas aos poucos. A pesquisa de Levitsky mostra que esse tipo de político costuma dar sinais de seus pendores autoritários antes mesmo de ser eleito. Algumas de suas características são incentivar a violência, contestar a legitimidade dos adversários e atacar as liberdades civis. Bolsonaro faz precisamente isso ao desmerecer minorias e pôr em dúvida o processo eleitoral quando questiona o funcionamento da urna eletrônica”.
José Álvaro Moisés anota que “vem crescendo no brasileiro a sensação de que ele próprio é irrelevante para o funcionamento da democracia. Essa sensação produz um sentimento de desprezo pelo sistema, e pode levar à percepção de que pouco importa se ele for substituído por alternativas autoritárias”. Adiante, o cientista político faz uma defesa apropriada da democracia: “É o único regime que propõe uma solução pacífica para os conflitos — políticos, econômicos ou sociais. É também o único sistema que garante a igualdade de direitos”.
Apesar do que disse José Álvaro Moisés, há outra crucial: Jair Bolsonaro e Fernando Haddad são favoritos para a disputa do segundo turno, mas são amplamente rejeitados pela sociedade. Isto quer dizer, sobretudo para os dois políticos, que aventuras autoritárias podem não ser bem-vindas. É provável que as Forças Armadas não estejam dispostas a bancar nenhuma aventura ditatorial — de direita ou de esquerda. Por mais que Marcelo Coelho desconfie da força das instituições — em parte, está certo —, a maioria dos brasileiros clama por ordem, mas não necessariamente por ditadura.