Pesquisas investigativas de três repórteres podem até deixar os leitores mais furiosos, mas pelo menos ficarão bem informados sobre as ações dos donos do poder no Brasil

Como e quando se desenvolve um indivíduo corrupto? A família, os amigos (as tais más influências) e o ambiente são decisivos? Veja-se o caso de Sérgio Cabral Filho, jornalista que se tornou governador do Rio de Janeiro e, sob acusação de ter roubado milhões de reais do Erário, acabou condenado pela Justiça e está preso. Se disserem que criou o PCC, o Primeiro Comando do Cabral, ninguém terá condições de duvidar. A Polícia Federal e o Ministério Público Federal acharam fartas provas de que, como poderoso chefão, articulou e liderou uma organização criminosa.

Sérgio Cabral Filho é filho do jornalista Sérgio Cabral Santos. Há uma diferença crucial entre ambos, pois o pai é um homem probo. Nascido no Rio de Janeiro, em 17 de maio de 1937, há 81 anos, ficou órfão de pai aos 4 anos. Aos 20 anos, estava no batente, como repórter de polícia do jornal “Diário da Noite”, da cadeia de veículos de Assis Chateaubriand, o Chatô. Em 1969, quando era editor de Política do jornal “Última Hora”, criado por Samuel Wainer, uniu-se a Jaguar e Tarso de Castro para criar o jornal “O Pasquim”. Chegou a ser preso pela ditadura civil-militar.

Sérgio Cabral, o Santos, como pesquisador, publicou livros cruciais para a compreensão de artistas brasileiros do naipe de Pixinguinha, Ary Barroso, Almirante, Elizeth Cardoso, Tom Jobim, Ataulfo Alves, Nara Leão, Grande Otelo. Também é autor de “As Escolas de Samba do Rio de Janeiro”. Pode-se chamá-lo de enciclopédia humana da música popular brasileira.

A Wikipédia informa que, como parceiro de Rildo Hora, Sérgio Cabral, o Santos, escreveu as letras de “Janelas Azuis, “Visgo de Jaca”, “Velha-Guarda da Portela” e “Os Meninos da Mangueira”.

Mesmo tendo sido vereador por três mandatos, não há notícia de que Sérgio Cabral, o Santos, tenha se tornado larápio juramentado. Ele aposentou-se como conselheiro do Tribunal de Contas dos Municípios do Rio de Janeiro.

Com Alzheimer, Sérgio Cabral, o Santos, não sabe o que está acontecendo na política patropi. Não sabe sequer que seu Sérgio Cabral, o Filho, está preso por ter assaltado o Erário sem dó nem piedade.

Chegou-se a acreditar que Sérgio Cabral Filho se tornaria presidente da República — inclusive com o apoio do ex-presidente Lula da Silva, que o respeitava e o tratava como um dos aliados mais fieis e poderosos. Mas deu chabu. O político que foi galgando postos rapidamente — líder estudantil, deputado estadual, presidente da Assembleia Legislativa, senador e governador — se tornou um criminoso de alto coturno. Casou-se com uma advogada, Adriana Ancelmo, que chama de Riqueza, perdeu o pudor e se tornou o rei do crime e, agora, da cadeia.

Gastador inveterado, porque a grana da propina sobrava, comprava joias para a mulher e mesmo para lavar dinheiro. Chegou a usar um helicóptero do governo do Rio unicamente para buscar um cachorro e levá-lo para sua casa de praia (talvez seja seu crime menos grave). Paris, mesmo antes de Gertrude Stein e Ernest Hemingway, é sempre uma festa — tanto para plebeus quanto, sobretudo, para abastados. Na Cidade Luz, onde brilhou tanta gente, Sérgio Cabral, o Filho, só não foi coroado rei, pelos amigos (do alheio, diga-se), porque a França é, afinal, uma República. Mesmo assim, com Fernando Cavendish e outros afortunados, posou com guardanapo branco na cabeça. O primeiro Cabral, o Pedro, e o Cabral parente, o Sérgio Santos, homens de pundonor, ficariam chocados se soubessem das traquinagens e diabruras do Rei do Rio.

Consta que Sérgio Cabral, o Filho — cuja cara de pau teria sido talhada em diamante —, recebia mesadas de 500 mil reais. Condenado há mais de 180 anos de cadeia — como tem 53 anos, se ficar uns 15 anos no xilindró, sairá com 68 anos e poderá aproveitar alguma xepa (talvez sobre alguma coisa em nome de laranjas, quiabos e nabos). Com um Cialis aqui e um Viagra ali, o homem continuará posudo. Se o pegou, a Lava Jato certamente não o deixará inteiramente “limpo”.

Na penitenciária, o Rei do Crime faz o impossível para burlar a lei e obter privilégios. A “quentinha”, se a vigilância permitir, leva até salmão e caviar.

Livros vingadores

A pá de cal dos corruptos são os livros-vingadores que pesquisadores atentos publicam para contar suas histórias — que, ao final e ao cabo, se tornam até lendárias. Se brincar, chegam ao cinema — e, por vezes, de maneira até heroica.

O jornalista Silvio Barsetti saiu na frente e lançou o ótimo e esclarecedor (tenho a impressão de que Hemingway o apreciaria) “A Farra dos Guardanapos: O Último Baile da Era Cabral — A História Que Nunca Foi Contada” (Máquina de Livros). Em meras 176 páginas, o livro exibe, num strip-tease impressionante, a desfaçatez da nudez dos políticos e empresários da pátria abençoada por Deus mas esculpida, quiçá, pelo Capiroto.

O premiado repórter Hudson Corrêa vasculhou a vida de Sérgio Cabral, o filho, e conta a história do menino que queria ser e se tornou rei e, se os laranjas e quiabos não devolverem alguma bufunfa adiante, voltará a ser plebeu. “Sérgio Cabral — O Homem Que Queria Ser Rei” (Primeira Pessoa, 240 páginas) possivelmente seria lido por Rudyard Kipling, o do poema “Se” e do livro “O Homem Que Queria Ser Rei”, talvez até com imenso prazer (o desprazer fica para os brasileiros). A obra, espécie de ascensão e queda de um político, está chegando às livrarias. Está na minha lista de imperdíveis para o fim de ano — dada a categoria investigativa de Hudson Corrêa, que, passando pelos rios e pelos cofres, sabe que, seguindo o rastro do dinheiro, chega-se, não ao nirvana, e sim às celas das penitenciárias.

O repórter Tom Cardoso, igualmente gabaritado e expert em biografias — escreveu as de Sócrates e de Tarso de Castro —, não ficou para trás e lança, em dezembro, “Se Não Fosse Cabral — A Máfia Que Destruiu o Rio e Assalta o País” (Tordesilhas, 312 páginas).

Os três livros — juntos, compõem uma radiografia do poder no Brasil recente — são ótimos presentes de Natal. Ótimos, como assim?! Ao terminar de lê-los, o leitor certamente ficará furioso. Mas terá lido informações de qualidade, bem apuradas, sobre como as elites políticas — os donos do poder, diria Raymundo Faoro — vêm assaltando os cofres do país há 518 anos. 518? Nem tanto. Um pouco menos. Você poderá ao menos dizer: “Bem feito, Sérgio Cabral!” Com exclamação mesmo.

Se não for dado a orações noturnas — supõe-se que sua religião é a Dinheiro­licismo —, Sérgio Cabral, o Filho, deveria recitar o poema “Se” (“If”), de Kipling (a tradução é de Guilherme de Almeida), pelo menos uma vez por noite. Nada a ver com castigo, mas com êxtase. Quem sabe, mesmerizado, o carcereiro não passe uma quentinha com um bife acebolado e um olhão no ponto.

Se
Se és capaz de manter a tua calma quando
Todo o mundo ao teu redor já a perdeu e te culpa;
De crer em ti quando estão todos duvidando,
E para esses no entanto achar uma desculpa;
Se és capaz de esperar sem te desesperares,
Ou, enganado, não mentir ao mentiroso,
Ou, sendo odiado, sempre ao ódio te esquivares,
E não parecer bom demais, nem pretensioso;

Se és capaz de pensar — sem que a isso só te atires,
De sonhar — sem fazer dos sonhos teus senhores.
Se encontrando a desgraça e o triunfo conseguires
Tratar da mesma forma a esses dois impostores;
Se és capaz de sofrer a dor de ver mudadas
Em armadilhas as verdades que disseste,
E as coisas, por que deste a vida, estraçalhadas,
E refazê-las com o bem pouco que te reste;

Se és capaz de arriscar numa única parada
Tudo quanto ganhaste em toda a tua vida,
E perder e, ao perder, sem nunca dizer nada,
Resignado, tornar ao ponto de partida;
De forçar coração, nervos, músculos, tudo
A dar seja o que for que neles ainda existe,
E a persistir assim quando, exaustos, contudo
Resta a vontade em ti que ainda ordena: “Persiste!”;

Se és capaz de, entre a plebe, não te corromperes
E, entre reis, não perder a naturalidade,
E de amigos, quer bons, quer maus, te defenderes,
Se a todos podes ser de alguma utilidade,
E se és capaz de dar, segundo por segundo,
Ao minuto fatal todo o valor e brilho,
Tua é a terra com tudo o que existe no mundo
E o que mais — tu serás um homem, ó meu filho!