“Times” sugere que Ronan Farrow, filho de Mia e Woody Allen, não apura os fatos com o devido rigor

19 maio 2020 às 16h09

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O repórter Ben Smith admite que o jornalista não inventa os fatos, mas reforça só os detalhes que lhes interessa e “esquece” das nuances

Filho da atriz Mia Farrow e do diretor de cinema Woody Allen, Ronan Farrow é um dos repórteres da moda nos Estados Unidos. É tido como o garoto-prodígio da mídia americana. Recentemente, publicou o livro “Operação Abafa — Predadores Sexuais e a Indústria do Silêncio” (Todavia, 464 páginas, tradução de Ana Ban, Fernanda Abreu e Juliana Cunha), um best seller. Mas seu trabalho começa a ser questionado, agora pelo principal jornal dos Estados Unidos, o “New York Times”.
O título do texto do “Times”: “Ronan Farrow é demasiado bom para ser verdade?” Como nota Javier Ansorena, do jornal “ABC”, da Espanha, o repórter era, até agora, intocável. Aos 32 anos, o único filho biológico de Mia Farrow e Woody Allen é apontado como o jornalista investigativo “mais famoso dos Estados Unidos”. “Suas revelações têm contribuído para derrubar pesos-pesados envolvidos em abusos contra mulheres, como o superprodutor Harvey Weinstein e o procurador-geral de Nova York, Eric Schneiderman. Seus artigos na revista ‘New Yorker’ o converteram em herói midiático e uma figura reverenciada na era ‘Me Too’”.
Mesmo antes de se tornar uma celebridade como repórter, Ronan Farrow já estava no “palco”. Primeiro, por ser filho de Mia Farrow e Woody Allen. Segundo, pelo escândalo que envolveu seu pai, que teria abusado da filha Dylan Farrow. Ronan Farrow se posiciona ao lado da irmã. Woody Allen nega o abuso.
Terceiro, há a suspeita de que Ronan Farrow seja filho do cantor Frank Sinatra, e não do diretor de cinema. A própria Mia Farrow observou que o filho é parecido com o “sócio” de mafiosos em cassinos, como Sam Giancana. Entrevistado pelo “The Guardian”, em 2013, o jornalista ironizou: “Olha, todos somos, possivelmente, filhos de Frank Sinatra”. A atriz manteve um affair com A Voz.

Apontado como prodígio, Ronan Farrow, com 20 e poucos anos, trabalhou no governo do presidente Barack Obama e com a secretária de Estado, Hillary Clinton. Ele começou como jornalista investigativo na NBC, em 2015. Na “New Yorker”, mais prestigiosa revista americana, o repórter estreou em 2017, com uma reportagem tida como “demolidora” sobre Harvey Weinstein. Era o primeiro texto em que o produtor de cinema era apontado como um “predador sexual”, um “violador”, o que sugeriu a abertura de uma investigação criminal. Seguiu com outras reportagens, arrolando magnatas envolvidos em assédio sexual, como Les Moonves, presidente da CBS, e publicou o livro citado acima, que é um aprofundamento sobre os grandes predadores sexuais americanos.
Depois de Carl Bernstein e Bob Woodward, que contribuíram para forçar a renúncia do presidente Richard Nixon, com a revelação do Caso Watergate, Ronan Farrow é o mais comentado repórter de sua geração. Ele está na boca de todo mundo. É um modelo. É mesmo?
Não é o que afirma Ben Smith —, igualmente repórter investigativo —, o autor do texto do “Times” que procura descontruir o trabalho de Ronan Farrow. Ele era diretor do “BuzzFeed News”.

Depois de uma checagem atenta dos textos de Ronan Farrow, Ben Smith conclui que falta “solidez” nas suas informações. “‘Amiúde omite fatos e detalhes que complicam ou são inconvenientes para suas histórias’.” O repórter da “New Yorker” não procura apresentar o contraditório com o devido rigor. Noutras palavras, antes mesmo de começar a reportagem, já tem uma tese e só procura encontrar os “fatos” que possam corroborá-la. Em busca de “sol” para si, por assim dizer, o jornalista “apaga” a “lua” dos outros.
Segundo Javier Ansorena, “suas revelações sobre Weinstein, que contribuíram para seu naufrágio e posterior julgamento e condenação à prisão, são problemáticas, explica Smith. Farrow contou com o testemunho de Lucia Evans, uma estudante que acusou o produtor de forçá-la a fazer sexo oral. Não buscou a confirmação do episódio com uma amiga de Evans, que estava com ela” no dia do encontro “e, em seu artigo, se limitou a dizer que ‘Evans contou a alguns amigos, mas lhe custava muito falar’” da história. Ben Smith pondera que, dada a gravidade do caso, quando se trata “desse tipo de revelações, o habitual é rastrear familiares, amigos ou vizinhos que constatem o que a vítima lhes contou sobre o que ocorreu”. Ronan Farrow teria se contentado com “uma” narrativa, a de Lucia Evans.
Ronan Farrow anunciou que o advogado pessoal de Donald Trump, Michael Cohen, teria “destruído documentos relacionados com o presidente”. A informação era falsa, mas Ronan Farrow não se preocupou em comprová-la.
No livro campeão de vendas, Ronan Farrow denuncia Matt Lauer, apresentador da NBC. Mas, segundo Ben Smith, “omitiu a colaboração de testemunhas-chaves”.
Mas, afinal, se não apura com o devido rigor — no sentido de que prefere firmar mais a peça acusatória e menos apontar possíveis nuances —, Ronan Farrow inventa fatos? Ben Smith conclui que “não” — o repórter não inventa suas histórias. Mas, segundo o repórter do “Times”, “se deixa levar por ‘narrativas cinematográficas’ e por um crescente problema nos Estados Unidos: um caldo midiático de ataques aos ‘maus’ em que ‘as velhas regras da imparcialidade e a mente aberta’ já não valem”. Em tese é assim: o sujeito já está “sujo”, então deve-se empurrá-lo para o fundo do poço, para destruí-lo de vez. Talvez a visão seja mais ou menos esta: se nenhuma “nuance” — ou atenuante — vai retirá-lo de lá, por que registrá-la?