Revista inglesa sugere que mídias sociais adaptem seus algoritmos para que postagens conhecidas como “caça-cliques” sejam deslocadas para o fim de seus “feeds”

“The Economist”, uma das mais in­fluentes revistas do mundo, publicou um artigo, “As mídias sociais são uma ameaça à democracia?”, que o “Estadão” traduziu (edição de 4 de novembro). A resposta para a pergunta é “sim”. As redes sociais estão se tornando organizadamente “tóxicas”. Muitos dos que avaliam que estão participando de um debate “livre”, corroborando que as redes sociais são democráticas, às vezes são manipulados por grupos articulados de direita, de esquerda ou de centro. Não há inocência, exceto da parte de alguns internautas.

A revista inglesa sublinha que, inicialmente, as redes sociais “ofereciam a promessa de uma política mais esclarecida: a facilidade de comunicação e a circulação de informações corretas ajudariam as pessoas de boa índole a acabar com a corrupção, a intolerância e as mentiras”. Porém, assinala a “Economist”, um executivo do Facebook admite “que, antes e depois da eleição presidencial americano do ano passado, entre janeiro de 2015 e agosto deste ano, 146 milhões de usuários podem ter visto conteúdos mentirosos e enganadores, veiculados na plataforma por agentes do Kremlin. O YouTube, do Google, identificou 1.108 vídeos ligados aos russos, e o Twitter, 36.746 contas. Longe de contribuir para o esclarecimento do público, as redes sociais estão espalhando veneno”. Ressalte-se: um dirigente do Facebook, e não um adversário, sugere que as redes sociais se tornaram “tóxicas”.

O problema não está circunscrito à Rússia, aos Estados U­nidos, à África do Sul, à Espanha. É universal. “O jogo político está cada vez mais agressivo e sujo. Em parte, isso se deve ao fato de que, ao propagar mentiras e indignação, minar o discernimento dos eleitores e acentuar a polarização política, as redes sociais corroem as bases sobre as quais se dá o toma lá dá cá político que, na opinião de [Bernard] Crick, promove a liberdade”. É provável que a tradução do “Estadão” seja imperfeita. No lugar de “toma lá dá cá”, que no Brasil se tornou sinônimo de fisiologismo político, “Econo­mist” talvez esteja se referindo ao jogo político, ao seminal debate entre grupos contrários e aliados.

As redes sociais “se encarregam” de amplificar a “divisão” e o “desacordo”, não são necessariamente suas criadoras. “Econo­mist” está sugerindo que, “manipuladas”, as pessoas participam de um debate “construído”, com ideias estabelecidas a priori — em geral, binárias (contra e a favor de alguma coisa). Por vezes, em determinados conflitos, pensa-se que se está agindo como “sujeito”, quando se está sendo usado como “objeto”. “As redes sociais ga­nham dinheiro colocando fotos, postagens pessoais, notícias e anúncios publicitários diante do usuário. Como dispõem de ferramentas para mensurar sua reação, sabem muito bem como entrar na cabeça da pessoa. Coletando dados sobre a atividade de cada um, as plataformas calibram seus algoritmos para exibir aos usuários as coisas que mais provavelmente lhes chamarão a atenção, fazendo com eles continuem rolando a página, clicando e compartilhando indefinidamente. Qualquer um que queira influenciar a opinião das pessoas pode produzir dezenas de anúncios, analisar a reação de seu público-alvo e determinar a quais deles os usuários se rendem com mais facilidade. O resultado é impressionante: um estudo mostra que em países desenvolvidos as pessoas tocam a tela de seus smartphones 2,6 mil vezes por dia.”

Citando o poeta britânico Keats, que escreveu que a verdade é menos beleza do que trabalho árduo, “Economist” assinala que, com seu potencial supostamente globalizante e integrador, as redes sociais podem semear a “verdade” e a “sabedoria”. Não é, porém, o que ocorre. “Qualquer um que conheça o feed de notícias do Facebook sabe que, em vez de difundir sabedoria, a plataforma é craque em espalhar coisas compulsivas, que tendem a reforçar os preconceitos das pessoas.” A revista sublinha que “isso reforça a política do desprezo pelos adversários que se instaurou a partir dos anos 1990. Como os diferentes lados veem fatos diferentes, não há base empírica comum a partir da qual possam chegar a um consenso. Como as pessoas ouvem a todo instante que os que estão do lado de lá são um bando de vagabundos que não fazem senão mentir, trapacear e difamar, é cada vez mais difícil vê-los como indivíduos com os quais é possível chegar a um entendimento. Como são sugadas pela voragem das mesquinharias, dos escândalos e da indignação, as pessoas acabam perdendo de vista o que realmente importa para a sociedade em que convivem”. Note-se que “Eco­nomist”, embora de maneira mais implícita do que explícita, está tratando de duas coisas: o “comércio” feito pelas redes sociais — que é amoral (apesar do discurso moral), como o mercado — e o uso que indivíduos, governos e organizações políticas fazem do Facebook, do Google e do Twitter. Não há decência, não há elegância. Mas fica-se com a impressão de que as redes sociais são “neutras” e são tão-somente “espaços” nos quais se podem debater de maneira coletiva — democrática e livremente.

O descrédito da política — a crucificação de determinados grupos — serve menos à democracia e muito mais a políticos que apostam em teorias conspiratórias e xenofobia. Em alguns países, longe de contribuir para fortalecer e ampliar a democracia, as redes sociais, habilmente manipuladas, fortificam regimes que, ainda que não sejam ditatoriais, não são liberais. É o que está acontecendo na Polônia e na Hungria. Em Mianmar, registra “Economist”, o Facebook tem contribuído “para aprofundar o ódio contra a minoria muçulmana rohingya, que vem sendo alvo de ações de limpeza étnica”. Neste país, o Facebook é a fonte de notícias da maioria das pessoas. Tornou-se um espaço para a guerra, não para a paz.

O presidente Donald Trump, sempre sagaz, explora as redes sociais muito bem. Com a ressalta de que não é um player comum. É o presidente dos Estados Unidos — o país mais rico do mundo —, o que lhe confere credibilidade. O que acontece na “corte” global repercute nas “províncias”. O republicano não se importa se é atacado, pois avalia que, quando mais é citado, mais forte, aparentemente, fica. Ou pelo menos mais conhecido — o que o ajudou na disputa eleitoral contra Hillary Clinton, que, embora mais culta, não usou as redes sociais com a mesma habilidade.

Há saídas?

“Economist” acredita, ao contrário do historiador Niall Fergun­son, que as pessoas vão se adaptar, aos poucos, e as redes sociais vão se tornar mais equilibradas. Enquanto funciona como território aparentemente livre — o que, na verdade, não é; trata-se de uma ilusão —, “governantes mal-intencionados podem causar estragos de grandes proporções”. Por exemplo: Vladi­mir Putin, com os especialistas cibernéticos de seu governo, com a contribuição da FSB (antiga KGB), interferiu, de maneira dramática, nas eleições americanas. Curiosamente, apoiando um aliado inesperado, pois os republicanos sempre foram os adversários mais figadais dos russos.

Jornais, revistas e emissoras de rádio e televisão podem ser penalizados pela Justiça se cometerem excessos. Nos Estados Unidos, há jornalistas presos. No Brasil, há vários condenados. As redes sociais, no geral, têm sido território “livre” para ataque à honra alheia — para além da disputa política — e, por isso, há a proposta de que “a redes sociais sejam responsabilizadas pelo que é publicado em suas plataformas”. Outra sugestão é que se tornem “mais transparentes e passem a a ser tratadas como monopólios que precisam ser desfeitos”.

A revista destaca que a credibilidade das redes sociais está em baixa. Um levantamento “mostra que apenas 37% dos americanos acreditam no que leem nas redes sociais, metade do percentual dos que dizem confiar em jornais e revistas impressos”. Ao perceber a “crise”, o Facebook contratou uma empresa “para verificar a veracidade das informações veiculadas em sua plataforma”. “Economist” anota que, apesar disso, o comportamento do usuários não foi moderado. “Indivíduos inconsequentes” continuam postando “notícias” falsas e virulentas, que, mesmo sem credibilidade, provocam impacto e debate entre milhares de internautas.

A sugestão de que é preciso “dividir as gigantes das redes sociais em várias empresas menores” pode ser, ao menos do ponto de vista político, improdutivo. “A multiplicação das plataformas sociais poderia tornar o setor ainda incontrolável.”

“Economist” aposta que há soluções mais eficazes. “As redes sociais poderiam ser obrigadas a ajustar seus sites, de forma a mostrar com clareza se determinado conteúdo é de autoria de amigos ou de fontes confiáveis. As ferramentas que permitem compartilhar notícias e postagens poderiam alertar o usuário para os efeitos prejudiciais da disseminação de informações incorretas. Os robôs são muito usados para amplificar postagens de conteúdo político. O Twitter poderia bloquear os mais nocivos, ou pelo menos sinalizá-los. E os efeitos seriam ainda mais benéficos se as redes sociais adaptassem seus algoritmos para que as postagens conhecidas como ‘caça-cliques’ fossem deslocadas para o fim de seus ‘feeds’. Como vão de encontro a um modelo de negócios destinado a monopolizar a atenção, essas mudanças provavelmente teriam de ser impostas por meio de lei ou da ação de autoridades reguladoras.”

Realista e otimista, “Econo­mist” diz que, apesar dos abusos, as redes sociais podem se tornar melhores. Ao contrário dos liberticidas, a revista sugere que a sociedade precisa, porém, exercer determinado tipo de controle. As redes sociais podem ser fonte de “esclarecimento”, aposta a revista, e não de “incivilidade”, como avalia Niall Ferguson. Mas, do jeito que está, mais anárquica (propositamente) do que livre, é um risco para a democracia liberal.