Putin liberta assassino da jornalista Anna Politkovskaya porque ele participa da guerra na Ucrânia
19 novembro 2023 às 00h07
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Há 17 anos, no dia 7 de outubro de 2006, o presidente da Rússia, Vladimir Putin, comemorava seu aniversário de 54 anos. Pois, no mesmo, no elevador do edifício onde morava, em Moscou, a jornalista Anna Politkovskaya foi assassinada por cinco homens. Especula-se que a morte da repórter foi um presente para o autocrata russo. Como se sabe, na terra e Púchkin e Tchékhov, ninguém acredita numa coincidência desta natureza.
Agora, a Rússia se torna uma nação mais kafkiana do que dostoievskiana ou tolstoiana. Um dos assassinos de Anna Politkovskaya, o tchecheno Sergei G. Khadzhikurbanov, condenado em 2014 a 20 anos de prisão, está livre da Justiça, depois de cumprir apenas nove anos da pena.
Por que Sergei Khadzhikurbanov foi libertado antes do término da pena? Porque o governo russo assinou um contrato com o assassino pelo qual, se lutasse contra a Ucrânia, seria libertado. O criminoso barbarizou na Ucrânia (pelo visto, continua na batalha), possivelmente matando várias pessoas — em nome do Estado russo, o que o exime de ser tratado como assassino, ao menos na terra de Turguêniev —, e está livre, leve e solto.
Um colega de Khadzhikurbanov, Rustam Makhmudov, apontado como o pistoleiro que atirou em Anna Politkovskaya, foi condenado à prisão perpétua. Não há notícia de que tenha lutado na Ucrânia, portanto, em tese, permanece numa penitenciária.
Persiste o mistério: quem matou Anna Politkovskaya? O poderoso Estado russo, uma ditadura cruenta, “não” conseguiu descobrir. Pegou a arraia miúda. Releia o primeiro parágrafo deste texto. Há, lá, alguma pista? É provável. Mas, por uma questão de respeito, ainda que a um ditador, não se tem como afirmar, sem provas diretas, que a jornalista foi assassinada a mando de Putin. Entretanto, é provável que alguém, querendo agradá-lo, deu-lhe a morte da repórter como presente de aniversário. Putin teria sido conivente? Não se sabe. De acordo com o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, o Estado russo falhou, de maneira clamorosa, “em tomar medidas investigativas adequadas para encontrar a pessoa ou pessoas que encomendaram o assassinato”.
A direção do jornal “Novaya Gazeta”, onde Anna Politkovskaya trabalhava, e os filhos da jornalista criticaram, numa declaração, o perdão ao assassino Khadzhikurbanov. Trata-se, disseram, de um ato “monstruoso” de injustiça e “uma profanação da memória de uma pessoa que foi morta por suas convicções”. A repórter escreveu uma série de matérias sobre os horrores cometidos pelos russos na Chechênia.
O “New York Times” revela que outros assassinos foram liberados para lutar na Ucrânia. Na volta, se tornaram homens livres. O assassino Vladislav R. Kanyus espancou e estrangulou a ex-namorada Vera Y. Pekhteleva. Serviu ao Exército russo, na Ucrânia, e foi liberado.
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Caso Marielle Franco e Anderson Gomes
Guardadas as possíveis proporções, o caso de Anna Politkovskaya é parecido com o da vereadora Marielle Franco e do motorista Anderson Gomes. Os dois foram assassinados, em julho de 2018 — há cinco anos —, e o pistoleiro Ronnie Lessa e seu comparsa, Élcio Vieira de Queiroz (dirigiu o automóvel), estão presos. Mas até hoje não
se sabe que mandou matar os dois jovens. Qual das máfias do Rio de Janeiro enviou o implacável Ronnie Lessa?
Marielle Franco tinha 38 anos e Anderson Gomes, que fazia um bico para a vereadora, tinha 39 anos.