Pressão da imprensa é decisiva para o governo Bolsonaro ampliar vacinação dos brasileiros
18 julho 2021 às 00h00
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Leitores cobram análise mais detida dos feitos do governo federal, sobre o crescimento da economia e verificação se a corrupção está mesmo comprovada
O bolsonarismo tem vários tipos de companheiros de jornada. Os militantes estão na linha de frente, alguns deles disfarçados de analistas independentes (isenção, imparcialidade e independência são mitos do jornalismo comprados pelos ingênuos de sempre). Mas há os inocentes-úteis, que apoiam Bolsonaro, às vezes para ficar contra a esquerda, mas nem sequer entendem direito o que está acontecendo no seu próprio país. Mas são eles, aparentemente descompromissados com os mictórios do ódio, que espalham as fakes news — vídeos, áudios, informações confusas e desencontradas — nas redes sociais.
Com certa habilidade, e insistência em espalhar a “mentira verdadeira” — a mentira que, de tão repetida, se torna “verdadeira”, ou melhor, aceita por muitos, os incautos estão à solta —, os mictórios do ódio (notório serviço de “Intelligentsia”, com relativa elaboração) trabalham para descredenciar a imprensa. Num país com 542 mil mortos, em decorrência da Covid-19 e em parte da inação do governo federal, como cobrar uma imprensa “imparcial”? Não dá pé. A imprensa prestou um serviço inestimável à vida — aos mais de 210 milhões de brasileiros — ao criticar, de modo acerbo, a negligência do governo do presidente Jair Bolsonaro em relação à vacinação e à proteção das pessoas. Se a gestão federal decidiu agir, depois de milhares de mortes, isto se deve, em larga escala, à pressão dos jornais, revistas, blogs e emissoras de televisão e rádio. O fato de São Paulo ser um Estado-país, portanto pouco dependente da “ilha” Brasília, também contribuiu para pressionar o governo de Bolsonaro a comprar vacinas. O governador de São Paulo, João Doria, tem um mérito ainda não devidamente reconhecido pelos brasileiros. Por sua causa, em certa medida, o país passou a comprar vacinas em larga escala.
Bolsonaro aparece mal nas pesquisas, num processo de “derretimento” que não se sabe se pode ser contido. Por quê? Porque, ao optar pelo bolsonarismo — com seus “guetos de escolhidos” —, o presidente ficou contra a nação. Ideologias não salvam vidas. O que salva vidas, no caso da pandemia do novo coronavírus, é a vacina. Portanto, só há uma saída: imunizar todos os brasileiros, de maneira célere. Não dá para ficar discutindo a procedência das vacinas. Não há vacinas capitalistas e vacinas comunistas. Vacinas precisam, isto sim, ser eficazes.
Ao que parece, Bolsonaro fez uma aposta errada, por falta de informação, quando disse que a Covid-19 era uma “gripezinha” e seus aliados, como Osmar Terra e Junior “Madero” Durski, concluíram que morreriam cerca de 7 mil pessoas (o que, aliás, é muita gente). Depois, no lugar de aceitar que o problema era grave, continuou insistindo no erro. Então, a queda da popularidade do presidente tem como causa principal a sua falta de conexão com o Brasil — aquele no qual morreram 542 mil pessoas e vão morrer muito mais. O governo aprecia falar no número de “recuperados” — e, de fato, é preciso reconhecer que, graças aos serviços de enfermeiros, médicos, fisioterapeutas, entre outros profissionais da saúde, milhões de brasileiros sobreviveram (estão sobrevivendo) —, mas esquece de ao menos especular sobre o número de pessoas que terão sequelas para o resto de suas vidas. Há registros de tromboses, crises cardíacas e problemas renais e no fígado (para os que tomaram cloroquina de maneira inadvertida). Há, inclusive, pessoas cujo cabelo não para de cair, talvez devido aos medicamentos.
Não se trata de um caso igual, mas com certo parentesco: quando o Plano Real foi apresentado no governo do presidente Itamar Franco, na primeira metade da década de 1990, o PT imediatamente se postou contra, sugerindo que não funcionaria. Deu tudo errado, mas só para o petismo — tanto que Lula da Silva, um ás da política, perdeu duas eleições consecutivas para Fernando Henrique Cardoso, “criador” e “filho político” do Plano Real.
O Plano Real reduziu a inflação e estabilizou a economia, o que possibilitou o crescimento do PIB, inclusive nos governos de Lula da Silva, entre 2003 e 2010.
Bolsonaro se equivocou ao sugerir que a Covid-542 mil era uma “gripezinha”, ao se postar contra o uso de máscaras — e pessoas foram adoecendo inclusive ao seu lado (ministros, como o general Luiz Eduardo Ramos, tiveram de tomar a vacina escondidos, para não contrariar o chefe) — e ao incentivar o “tratamento precoce”, que, a rigor, não é tratamento e, portanto, muito menos precoce. Admitir o erro agora seria reconhecer que tem culpa pelas mortes? Poderia ao menos dizer “errei, mas estou comprando vacinas”. Entretanto, como uma espécie de caubói de Marlboro, prefere permanecer equivocado — o que o deixa com a pecha de “mensageiro da morte”, de “amigo” da Velha Senhora, a da foice, ainda que sem o martelo.
A economia está crescendo, mas, como a inflação está em ascensão — o litro de gasolina a 7 reais inviabiliza, por exemplo, motoristas de aplicativos e, também, os abnegados taxistas (que são chamados de “os novos dinossauros” pelos uberistas) — e a capacidade de consumo da classe média não foi restabelecida, a vida dos brasileiros ainda não melhorou. “É a economia, estúpido!”, como sugeriu um marqueteiro de Bill Clinton? Em parte, sim. Mas a frase pode ser mudada para “É a vida, estúpido!” Os brasileiros querem consumir, é claro, mas, sobretudo, querem sobreviver. É um “recado” que o bolsonarismo se recusa a ouvir-entender, mas não o Centrão, que, dada sua ampla experiência eleitoral, sabe que um derretimento estrutural pode ser incontornável.
Questões dos leitores sobre Bolsonaro e a Imprensa
Posta a questão de que se tem um presidente errático, que não se preocupa com a vida — as pesquisas são tão ruins que o Centrão dos impolutos Ciro Nogueira, Valdemar Costa Neto e Arthur Lira praticamente exigiram que modere sua linguagem —, passo a expor “sugestões” de leitores que entram em contato com a redação do Jornal Opção. Sobre a falta de “imparcialidade” da imprensa, uma resposta foi apresentada acima. O que se deve cobrar dos repórteres é mais objetividade do que isenção.
Alguns leitores dizem basicamente o seguinte, numa síntese: “A imprensa cobre mal o empenho do governo Bolsonaro em relação à vacinação, o debate sobre a corrupção é confuso, porque não se separa intenção de ato e os feitos da gestão do presidente são ignorados”.
Comecemos pelos feitos do governo Bolsonaro. De fato, a imprensa precisa cobrir de maneira ampla ou adequada o que faz o governo por exemplo na área de infraestrutura — parece que há um consenso de que, enquanto o presidente perde tempo com bravatas e xingamentos, o ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, trabalha. Vale a pena mostrar se isto é verdadeiro, comparando com as ações de governos anteriores, no período de dois anos e seis meses? Se for, é preciso explicitar — o que a mídia não tem feito. Por que o governo Bolsonaro é tão ruim em alguns aspectos que não quer se reconhecer que há acertos? Por que admitir isto é valorizá-lo, inclusive eleitoralmente? Se o conjunto da obra é ruim, por que elogiá-lo pelo que é singular?
A economia do país está se recuperando e há a expectativa de crescimento, para 2021, de 5% a 5,5%. Qual é o papel do governo Bolsonaro nesta retomada? É preciso explicar se há a mão do governo nesta melhoria. As exportações de commodities, porque o mercado externo está se aquecendo, são os únicos responsáveis pelo crescimento? Como avaliar, de maneira abrangente, o trabalho do ministro da Economia, Paulo Guedes, uma voz lúcida dentro do governo — ainda que, quando “possuído” pelo espírito de Bolsonaro, também fale suas bobagens? Por vezes seu liberalismo nem coaduna mais com o liberalismo contemporâneo. Guedes não se deve perceber como um homem do mercado no Estado, e sim como um homem de Estado que precisa pensar para além do mercado. Fica-se com a impressão de que lhe falta visão política dos problemas reais do Brasil — daí sua exasperação, cujo rosto, contraído, é prova de desconforto (e impaciência). O mais provável é que, sem Guedes, o governo seria ainda mais caótico e gastador. O “orçamento secreto”, por exemplo, não é criação dele, mas de gastadores, como o ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, “amigo” da famiglia Centrão.
À imprensa cabe uma análise mais detida sobre a economia no governo de Bolsonaro. O que está certo, o que está errado?
Quanto à vacinação, já se disse alguma coisa acima. O governo Bolsonaro vacilou, e provavelmente porque pôs a discussão ideológica — e inclusive a ignorância (o presidente parece mal-informado e desinformado, e avesso às informações das pessoas sérias que participam do governo) acima da realidade, da defesa da vida. Seu desgaste crescente deriva disso, em grande parte.
Há corrupção no governo Bolsonaro? Tudo indica que há, ao menos no Ministério da Saúde (a discussão do orçamento secreto, revelada pelo jornal “Estadão”, precisa ser ampliada, pois são bilhões de reais, às vezes usados de maneira desnecessária, como a aquisição superfaturada de tratores).
O que a imprensa precisa fazer, daqui pra frente, é mostrar o que é corrupção comprovada, com documentação irretorquível, e o que era intenção de corrupção ou irregularidades derivadas do caos (e falta de informação precisa) do governo Bolsonaro. Quando os “fatos” forem levados à Justiça, com a redução da paixão política, como ficarão auxiliares e ex-auxiliares de Bolsonaro — por enquanto — “suspeitos” e não “acusados” de corrupção?
Há indícios de corrupção e descumprimento de normas legais. Mas o que já se pode considerar como corrupção efetiva que, chegando à Justiça, levará a condenações? A função da Imprensa é mesmo reportar o que está acontecendo, sem se preocupar de maneira integral com o que acontecerá depois. Mas, por cautela e respeito aos indivíduos — mesmo aqueles dos quais não se gosta —, é preciso apresentar nuances. O que aconteceu com Lula da Silva não serve de exemplo? A imprensa não carregou nas tintas? É uma questão a se debater.
Espero ter respondido às indagações dos leitores — alguns bolsonaristas e alguns não bolsonaristas.