Um dos melhores veículos da Europa, “El País” sai do Brasil consagrado como um jornal de grandes reportagens

Yago Sales

Sete meses depois que um editor me informou, por mensagem, que a revista “Época” seria descontinuada — extinta, aliás — fico sabendo que a versão do jornal “El País” em português também vai acabar. Na verdade, acaba hoje, terça-feira, 14. As duas notícias me deixaram triste.

Quando um veículo de imprensa deixa de existir num País como o Brasil, cheio de contradições, dores, luto, é como se olhos e bocas se fechassem. E é.

E, escrever de Goiás, onde muitas pautas são brecadas nos jornais locais, em 2021 perdi dois veículos em que eu contava histórias relevantes, que muitas vezes mudavam algumas coisas por aqui.

Fiquei particularmente triste com a nota de 192 palavras, num tom bucólico, de fim mesmo, publicada no site do “El País”.

Lembrei do quanto ter contribuído para o jornal, desde 2017, poucas semanas depois de eu ter concluído o curso de Jornalismo, me obrigou a evoluir no trato com a apuração e o texto.

Quando recebi o primeiro “ok”, senti um frio na barriga. Posterguei. Ultrapassei o limite previsto de entrega. Pacientemente — e como as editoras do jornal foram pacientes comigo —, me ouviram, orientaram e editaram sempre respeitando o repórter “cru”.

A primeira vez que ouvi falar no “El País” foi na redação do jornal “Diário da Manhã”, quando eu era apenas um aluno do colegial. O repórter e poeta Ivair Lima me dizia que eu deveria lê-lo para aprender a contextualizar os fatos, o cotidiano, a vida. E não sabia como, pois o jornal era em espanhol. Foi quando comecei a estudar o idioma e, inicialmente, a ler, na edição espanhola, coisas relacionadas ao Brasil. Não parei mais.

Quando a edição chegou em português, em 2013, eu havia acabado de entrar na faculdade. Falava nas aulas que um dia escreveria para o jornal. Repetia sempre.

Eu, porém, não acreditava que um dia dividiria a home com Eliane Brum, Gil Alessi. E, claro, com Felipe Betim, Juan Arias, Breiller Pires, entre outros. Bingo. Deu certo.

Não cheguei à altura da capacidade narrativa e interpretativa da linha editorial — da qualidade editorial — deste jornal. Mas aprendi a valorizar a história dos outros. Escrever de uma forma que o leitor se sentisse dentro do cenário.

Foi assim que coloquei leitores dentro da Escola Goyazes, que viveu um ataque a tiros de um estudante de apenas 14 anos. Ou quando a polícia prendeu por acaso um piloto do PCC no interior de Goiás. Quando rebeliões violentas mataram apenados. Ou quando tive acesso ao áudio de um dos chefões do sistema penitenciário goiano que assumia que torturava… E escrevi sobre a busca cinematográfica do Lázaro. Ou quando percorri bares frequentados por Marília Mendonça na primeira noite sem ela e presenciei e vivi a dor da despedida da cantora.

Gostaria de agradecer às editoras Flávia Marrero e Carla Jiménez que acreditaram no jovem repórter goiano para dar voz às histórias goianas estes anos todos.

Yago Sales é repórter do jornal “Hoje”.