O dia em que o marketing de vendas da revista Exame quase me mata de rir

27 maio 2014 às 18h04

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O diretor de Vendas de Assinaturas da Editora Abril envia uma carta tão “divertida” que parece ter sido escrita por Kafka, Beckett ou Ionesco
Chega um aviso da revista “Exame” para mim. Personalizado, com meu prenome em destaque, e começo a me sentir o príncipe de Mônaco no tempo de Grace Kelly. “Essa oportunidade você não pode deixar passar”, alerta-me. Curioso e cativado, pensei: “Será que vou ganhar um quilo de carne do Friboi, um jatinho do Eike Batista ou uma Bolsa-BNDES?”. Abro a carta, assinada por um jovem de nome Ricardo Perez. Será mexicano? Será venezuelano? Tudo indica que não. Parece que é brasileiro. Acima, à esquerda, aparece uma fotografia de um jovem simpático — o tal Perez, sim, com “z”. Começo a ler a carta e ponho-me a rir. Minha mulher, Candice, pergunta: “Está passando mal?”. Olho para ela e volto à carta e digo: “Não. Estou passando muito bem”. E começo a rir de novo. Pensando bem, estava passando mal — de tanto rir. A carta fazia-me cócegas no cérebro.
Leia comigo, e certamente vai rir também, mas não precisa passar mal: “Toda segunda-feira à tarde, eu me reúno com a equipe de vendas. E, na última, a minha primeira pergunta foi: o Euler voltou a assinar Exame?”. O horário é bom: à tarde. Perez, se não tem memória de elefante, chega perto de Paulo Maluf, que lembrava o nome até da mucama da mucama da Princesa Isabel. Não sou assinante da “Exame” há cerca de 10 anos, ou mais, e Perez ainda assim, proustianamente — ah, sim, me tornei uma espécie de madeleine —, lembra-se de mim. Me senti tão importante que pensei em ligar para o Marcelo Franco para perguntar se seria possível, com a relevância repentina, convocar o espírito de Ava Gardner. A atriz era tão bonita que o espírito deve ter herdado alguma coisa de sua beleza. Mas não liguei, não. Porque depois, junto com Ava, poderia vir o Sinatra, o que não seria nada legal, não, especialmente se o Sam Giancana estivesse por perto.
O jovem Perez é gente fina, educadíssimo. Depois dessa carta, e das milhares que deve ter enviado, certamente ganhará uma promoção. O garoto simpático escreve: “Sou Ricardo Perez, diretor de Vendas de Assinaturas da Editora Abril”. Aí, me sentindo Groucho Marx, comecei a perceber o vendedor como Cantinflas, mas não Oscarito nem Grande Otelo. Perez, se entendi bem, é um grande humorista. Deixou-me a rir durante a tarde inteira.
Mas não acabou, não. O garoto esperto continua, mostrando intimidade: “Quando à minha pergunta [a do primeiro parágrafo da carta], Gisele, gerente de Assinaturas, respondeu que você ainda não havia voltado a assinar”. Ri mais um pouco. Como não havia sobrenome, tal a intimidade da missiva de Perez, minha memória escavou fundo e encontrou em algum lugar estranho, quiçá meio pornô, a história de Giselle, a espiã nua que abalou Paris, graças, quem sabe, a David Nasser. De longe, lá do santo sepulcro, Marcial Lafuente Estefânia — que todos, ao menos durante algum tempo (na década de 1970, talvez), adoravam (eu na primeira fila, junto com meu primo Paulo Fagundes, leitores inveterados de bolsilivros de faroeste) —, avisa-me: “Perez é um sujeito do bem. Seu problema é que, como é muito inteligente, avalia que os outros são beócios”. Beócios? Coisa de um Marcial que ainda por cima é Estefânia.
Em seguida, Perez, o rapaz de dentes e pele brancos, um J. M. Coetzee tropiniquim — quando este escrevia romances tão bons quanto “Desonra” —, esgrime, com precisão e segurança: “Conseguimos para você o nosso melhor desconto: 50%!” Fiquei super feliz. Porque “conseguimos”, que sugere uma ação plural, certamente significa que Perez e Gisele “lutaram” por mim, como se fossem personagens do romance “Por Quem Os Sinos Dobram”, de Ernest Hemingway. Eles devem ter “brigado” muito: “O Euler merece 50% de desconto. E como!” Fiquei tão feliz que pensei: “Amanhã, à tarde, vou reler “A Montanha Mágica” e “Os Chistes e Sua Relação Com o Inconsciente”, o primeiro de Thomas Mann e o segundo de Sigmund Freud. Leitor amigo, às vezes cativo, fiquei ainda mais impressionado com a exclamação que segue a notícia do descontaço: “50%!”. Perez garante que seria uma maravilha para o novo quase-reassinante — “recebi uma ótima notícia” (o desconto para mim) — e eu estava quase acreditando, tal a sedução da carta, quando Candice me deu um beliscão: ‘Seu bobo, a ótima notícia, se você assinar, é para a Editora Abril, que publica a ‘Exame’”. Tentei argumentar com Candice: “Num país em que a inflação trota, depois de ter galopado, um desconto de 50% não é para qualquer um”. Com aquele jeito realista que só mulher tem, ela me cutucou: “Acorda!” Putz!: eu estava me sentindo o verdadeiro Antônio Maria roubando a estonteante Danuza Leão do criador da “Última Hora”, Samuel Wainer, que deixou um livro de memórias (escrito pelo Augusto Nunes) com o sugestivo título de “Minha Razão de Viver”. Quando descobri que a razão de viver de Wainer, o homem da Bessarábia, não era Danuza, aquela pela qual Rubem Braga assassinava qualquer um nas crônicas, desinteressei-me do livro. Só voltei a lê-lo quando minha mulher, Candice, disse-me: “Parece que você está casado com o Jornal Opção”. Rindo, acrescentou: “O jornal seria sua amante”. Pois é: eu nunca tinha pensado nisso, não. Mulheres têm cada uma! E aqui tomo emprestado a exclamação da carta de Perez.
Quase havia me esquecido do Perez, pois o Carlos Willian me ligou e disse que vai publicar um novo livro de poesia — e aí, como considero o Visconde de Iporá (segundo o filósofo de Goiabeiras, Edmar Oliveira) um dos melhores bardos da atualidade, minha memória foi para o espaço. Mas o nome de Gisele despertou-me e voltei a lembrar-me de Perez, sim, com z. Z de Zorro e de zoar. Perez diz, espirituoso: “E com frente grátis”. Agora, quando cabia uma exclamação, diria o mestre Sinésio (eu ia escrevendo Sinédrio) Dioliveira, Perez não ousou dá-la de presente, ao lado do “frete grátis”.
O último parágrafo apresenta o grand finale, tão prazeroso quanto olhar algumas fotografias de Marilyn Monroe ou Rita Hayworth numa tarde calorenta de maio: “O grande negócio já começa com o ato de você assinar”.
Fiquei tão impressionando com a qualidade da carta, com seu poder de sedução, que decidi: vou assinar a revista “Exame”… mas só em 2060, ao completar 99 anos. É uma boa idade para rir de cartas tão prazenteiras e simpáticas. Meu cachorro Sartoris, tão cego quanto Homero e tão esperto quanto Faulkner, me disse (usei o Tradukka para entendê-lo) que economia é a fábula dos homens da atualidade. Difícil discordar.
Espero que a Cláudia Helena, o Alberto Nery, o Carlos Augusto Silva, devoto de São Proust, a Patrícia Moraes, o Hugo Studart, o Fernando Cupertino, o Arnaldo Bastos, o Ricardo Spindola, o Carlos César Higa (um acadêmico que toma Lacerda como se fosse café), o Wilson Silvestre, o Iúri Rincon Godinho, a Cássia Fernandes, o Baiano, o Cláudio Fernandes Ribeiro, o Rafael Teodoro e a Leila Duarte concordem comigo. Se não concordarem, tudo bem. Mas concordar em quê mesmo?! Nem sei.
Pós-escrito
Quase não pude apresentar a prova do crime, a carta, pois João-Euler Fidélis, meu labrador, comeu-a. Felizmente, havia fotografado-a. Porque tenho certeza que os leitores não acreditariam apenas na minha palavra.