“Audaz” Dantas não relutou e denunciou a ditadura, que matou o jornalista não num “porão”, e sim numa dependência oficial

Audálio Dantas (Vlado Herzog ao fundo): talento e coragem ao denunciar a ditadura

Jornalismo é uma atividade que exige competência técnica e talento. Em momentos difíceis, o jornalista precisa ter coragem. Deve-se exibir que se tenha caráter reto? Nem todos os profissionais se preocupam com isto, mas decência é uma das qualidades dos melhores repórteres. Decência não de ocasião, e sim como valor permanente e universal. Audálio Dantas, que morreu na quarta-feira, 30, aos 88 anos — tinha câncer no intestino — era jornalista e cidadão exemplar. Quando a dita era dura — militares e policiais, como Sérgio Fleury, estavam matando, o que indica que a dita não era branda —, mesmo no governo do presidente-general Ernesto Geisel, militares da linha dura torturaram e mataram o jornalista Vladimir Herzog, da TV Cultura, em São Paulo.

Audálio Dantas com seu livro sobre Vladimir Herzog (para além do assassinato)

Presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, Audálio (“Audaz”) Dantas não aceitou a versão oficial de que Vladimir Herzog, o Vlado, havia se suicidado numa dependência do Exército. Sua denúncia pública, além da vulgarização do fato pela imprensa, levou o presidente Ernesto Geisel a exonerar o comandante do Exército em São Paulo, o que deixou patente que o jornalista havia sido assassinado. Mais tarde, Audálio Dantas lançou excelente livro a respeito, ampliando a história do profissional: “As Duas Guerras de Vlado Herzog — Da Perseguição Nazista na Europa à Morte Sob Tortura no Brasil” (Civilização Brasileira, 406 páginas).

A escritora Carolina de Jesus e Audálio Dantas

Carolina de Jesus

Audálio Dantas, repórter atento, descobriu a escritora Carolina de Jesus, na Favela Canindé, em São Paulo. Ao perceber que tinha talento, ajudou-a a publicar o romance “Quarto de Despejo”—que se tornou best seller no Brasil e fez sucesso internacional. Carolina de Jesus hoje é estudada em universidades brasileiras e do exterior.

Audálio Dantas é autor de biografias a respeito da infância de Graciliano Ramos, Lula, Maurício de Souza, Ziraldo e Ruth Rocha. São textos despretensiosos, mas, no geral, extremamente perceptíveis, sensíveis. A história de Graciliano Ramos e de Lula da Silva — sim, de Lula — é belíssima.

Audálio Dantas nasceu em Tanque d’Arca, em Alagoas. Foi repórter da “Folha da Manhã” (depois, “Folha de S. Paulo”), “O Cruzeiro”, “Quatro Rodas”, “Veja”, “Realidade”, “Manchete” e “Nova”. Foi deputado federal pelo MDB. Ganhou o Prêmio de Defesa dos Direitos Humanos da ONU em 1981.

Na retranca ou PC, escrevi “Luto no jornalismo”. Talvez devesse escrever: “Luto na decência”.

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