Morto aos 88 anos, Audálio Dantas enfrentou ditadura pra denunciar assassinato de Vlado Herzog
31 maio 2018 às 16h01
COMPARTILHAR
“Audaz” Dantas não relutou e denunciou a ditadura, que matou o jornalista não num “porão”, e sim numa dependência oficial
Jornalismo é uma atividade que exige competência técnica e talento. Em momentos difíceis, o jornalista precisa ter coragem. Deve-se exibir que se tenha caráter reto? Nem todos os profissionais se preocupam com isto, mas decência é uma das qualidades dos melhores repórteres. Decência não de ocasião, e sim como valor permanente e universal. Audálio Dantas, que morreu na quarta-feira, 30, aos 88 anos — tinha câncer no intestino — era jornalista e cidadão exemplar. Quando a dita era dura — militares e policiais, como Sérgio Fleury, estavam matando, o que indica que a dita não era branda —, mesmo no governo do presidente-general Ernesto Geisel, militares da linha dura torturaram e mataram o jornalista Vladimir Herzog, da TV Cultura, em São Paulo.
Presidente do Sindicato dos Jornalistas de São Paulo, Audálio (“Audaz”) Dantas não aceitou a versão oficial de que Vladimir Herzog, o Vlado, havia se suicidado numa dependência do Exército. Sua denúncia pública, além da vulgarização do fato pela imprensa, levou o presidente Ernesto Geisel a exonerar o comandante do Exército em São Paulo, o que deixou patente que o jornalista havia sido assassinado. Mais tarde, Audálio Dantas lançou excelente livro a respeito, ampliando a história do profissional: “As Duas Guerras de Vlado Herzog — Da Perseguição Nazista na Europa à Morte Sob Tortura no Brasil” (Civilização Brasileira, 406 páginas).
Carolina de Jesus
Audálio Dantas, repórter atento, descobriu a escritora Carolina de Jesus, na Favela Canindé, em São Paulo. Ao perceber que tinha talento, ajudou-a a publicar o romance “Quarto de Despejo”—que se tornou best seller no Brasil e fez sucesso internacional. Carolina de Jesus hoje é estudada em universidades brasileiras e do exterior.
Audálio Dantas é autor de biografias a respeito da infância de Graciliano Ramos, Lula, Maurício de Souza, Ziraldo e Ruth Rocha. São textos despretensiosos, mas, no geral, extremamente perceptíveis, sensíveis. A história de Graciliano Ramos e de Lula da Silva — sim, de Lula — é belíssima.
Audálio Dantas nasceu em Tanque d’Arca, em Alagoas. Foi repórter da “Folha da Manhã” (depois, “Folha de S. Paulo”), “O Cruzeiro”, “Quatro Rodas”, “Veja”, “Realidade”, “Manchete” e “Nova”. Foi deputado federal pelo MDB. Ganhou o Prêmio de Defesa dos Direitos Humanos da ONU em 1981.
Na retranca ou PC, escrevi “Luto no jornalismo”. Talvez devesse escrever: “Luto na decência”.
Leia sobre livro de Audálio Dantas
Audálio Dantas garante que brasileiros inventaram o Novo Jornalismo