O jornalista afirma que Joel Silveira, antes dos americanos, é um dos criadores do Novo JornalismoNo final do livro “Tempo de Reportagem — Histórias Que Marcaram Época no Jornalismo Brasileiro”, de Audálio Dantas, há uma conversa (quase uma entrevista) divertida, inteligente e, até, nostálgica entre Audálio Dantas, Claudiney Ferreira, Ricardo Kotscho e Eliane Brum. Excluindo o baba-ovismo, difícil de evitar tratando-se de uma figura ímpar como Audálio Dantas, um mestre do jornalismo de qualidade, há grandes momentos. Talvez o melhor é quanto o jornalista cita Antônio Bruega: “A verdade eu falo; gosto da verdade e não piso nela, senão escorrego e caio”. A frase, de tão boa, não é um miniconto — é um romance. “Bruega era um menino de 13 anos quando Canudos chegou ao fim.” Vale a pena ler a notável reportagem “A nova guerra de Canudos”.

Joel Silveira: apóstolo do jornalismo literário, antecipando muitos norte-americanos “inventores” do Novo Jornalismo

Audálio Dantas recomenda: “O repórter precisa sentir, precisa viver a coisa que ele vai narrar, a história que ele vai contar. Porque, senão, ele faz como a maioria hoje faz — por telefone! Não olha no olho do sujeito que ele pergunta e faz uma coisa fria, sem calor humano, sem verdade”.

O Novo Jornalismo, com textos de Truman Capote, Tom Wolfe, Norman Mailer, Gay Talese, é uma invenção americana? Audálio Dantas contesta: “Até hoje nas faculdades de Jornalismo se fala que o Novo Jornalismo teria sido a grande influência dessa imprensa de textos como ‘Realidade’, ‘Jornal da Tarde’. E eu contesto isso”. O jornalista diz que os trabalhos de Capote, Mailer e Talese são importantes, mas ressalva que o Novo Jornalismo “não” surgiu nos Estados Unidos. Kotscho diz que surgiu no Brasil e Audálio Dantas amplia: “Antes, em vários pontos, e inclusive aqui, com o velho Joel Silveira, em 1945. Então esse negócio de Novo Jornalismo é macaqueação, não existe”. O próprio Audálio Dantas é, por assim dizer, um dos “coinventores” do Novo Jornalismo. Como a americana Lillian Ross. E por que não lembrar do francês Albert Londres (1884-1932)?

Audálio Dantas: “O repórter precisa sentir, precisa viver a coisa que ele vai narrar, a história que ele vai contar”

O jornalismo literário virou fetiche no Brasil e a maioria dos jornalistas se diz adepta do “método”. Entretanto, ao se ler alguns textos, descobre-se que nada têm de literários e, muito menos, de jornalísticos. Confunde-se jornalismo literário com uma prosa empolada, confusa. Técnicas mal assimiladas deixam os textos distantes tanto do jornalismo quanto da literatura. Não raro, no lugar de usar técnicas ficcionais e a imaginação, para esclarecer os fatos, para reforçar o entendimento da realidade, alguns repórteres transformam a vida em algo ainda mais incompreensível. Mas esta não é a discussão feita por Audálio Dantas.

Sobre o autor do romance “São Bernardo”, Audálio Dantas, um de seus bons leitores, anota: “O texto de Graciliano Ramos é aquele que acho que todo jornalista devia se mirar e se preocupar. É aquele texto que tem uma beleza, mas uma beleza em si própria, ele não precisa de nenhum enfeite. (…) A palavra, diz ele, foi feita para dizer. E ele dizia tudo. Em ‘Vidas Secas’, Graciliano diz as coisas com um texto absolutamente simples, direto, sem rebuscado nenhum”. Audálio Dantas está certo em parte, mas não no todo. Na verdade, a literatura de Graciliano é extremamente elaborada, só que, refinada para ser simples, para ser precisa e clara, não parece tão sofisticada. Há rebuscamento, elaboração rigorosa, o que não é “empolamento”, por assim dizer. O “simples” em Graciliano é absolutamente enganoso.

Eliane Brum conta a história da reportagem “Restos”, de Audálio Dantas. Ao fazer uma matéria sobre pessoas que comiam restos de comida de um restaurante, Audálio Dantas tenta fotografar uma mulher, mas ela cobre o rosto. Seu marido admoesta-a: “Por que vergonha? Nós podemos ter vergonha?” O repórter optou por não fotografá-la, garantindo-lhe não apenas a privacidade, mas também a dignidade.

Ao fazer a mesma reportagem, Audálio Dantas, por saber ouvir o outro, recebeu uma grande lição: “Havia um sujeito meio bêbado e exaltado com qualquer coisa ali — acho que alguém passou na frente dele. Eram imensos tambores, cheios de comida, tudo misturado, aquela coisa. Aí ele se exaltou. Eu cheguei e disse para ele: ‘Amigo, calma, calma’. Aí ele disse: ‘Calma, por quê? Você já passou fome?’. Eu disse: ‘Eu não!’ Ele disse: ‘Então…’. Quer dizer, recebi uma grande lição ali e respeitei a lição”.

[Resenha publicada na edição 1940, de 9 a 15 de setembro de 2012]

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