Michael Sandel, filósofo de Harvard, denuncia a ditadura do algoritmo

20 agosto 2023 às 00h01

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Há uma ditadura do algoritmo? Os indivíduos, mulheres e homens, foram, digamos, “sequestrados” pelas redes sociais, aplicativos e sites de buscas? A palavra sequestrado talvez seja muito forte. Mas, de fato, “vive-se”, numa espécie de servidão voluntária, intensamente nos vários modelos de “redes” construídas pelas chamadas big techs, como Google, Facebook (a holding Meta, de Zuckerberg, também controla o Instagram) e Twitter.
Karl Marx, que morreu em 1883, há 140 anos, ficaria, acredito, extasiado com as novas modalidades criadas pelo capitalismo, modo de produção que nunca fica velho, e, ao se renovar com frequência, via expansão tecnológica, não sucumbe. O indivíduo pode se tornar mercadoria, e não apenas quando era vendido como escravo. Na atualidade, as redes sociais “vendem” tudo, mas tudo mesmo — inclusive os usuários, que dizem, com certo orgulho, o “meu Face”, “meu Insta”, “meu Zap”. Na verdade, o Face, o Insta e o Zap, entre outros, estão se tornando donos dos indivíduos.

Quem se mantém ativo nas redes sociais — ou pesquisa com frequência no Google, a rigor muito mais do que um site de busca, sobretudo um hipermercado em escala global — é uma mercadoria tão comercializada quanto os relógios, roupas, joias, óculos, calçados que compra de empresas brasileiras, chinesas, americanas. As redes aprenderam a vender as pessoas para as empresas — grandes, médias e pequenas — como em nenhum momento da história do capitalismo.
Ao se tornar integrante (eu ia escrevendo “prisioneiro”) de uma rede social, assim como ao pesquisar no Google ou no Bing (da Microsoft), você, de imediato, é escrutinado pelo algoritmo — pela inteligência artificial — e seu perfil é traçado, de maneira competente e precisa. Daí você é oferecido para as empresas e estas começam a ofertar determinados produtos para tu. No novo altar do capitalismo a mercadoria mais vendável — e quiçá a mais barata — são as pessoas.
Numa entrevista concedida ao repórter Igor Gielow, da “Folha de S. Paulo” — publicada sob o título “Ditadura do algoritmo corrói a democracia, diz filósofo estrela de Harvard” (edição de 2 de agosto deste ano) —, o professor Michael J. Sandel apresenta uma discussão sobre as big techs e a questão da polarização. Não discute, porém, o que comentei acima. Há outro tema, que não será discutido aqui, mas é igualmente pertinente: parece que há uma tentativa de “infantilizar” o usuário, com o incentivo à visualização de vídeos fofinhos que tomam um tempo enorme de quem passa a apreciá-los e, daí, a divulgá-los. Os escapismos são engraçados e viciantes — gerando milhares de seguidores.

Recentemente, na votação de um projeto anti-fake news, no Congresso brasileiro, o Google jogou pesado, com o objetivo de derrubá-lo e desmoralizá-lo, conseguindo, inclusive, o apoio de incautos que, em nome do culto à liberdade, se tornam liberticidas (o que as big techs defendem não é a liberdade de expressão dos indivíduos, e sim a liberdade, a sua, de fazer o que quiserem com eles). Por isso, Michael Sandel está certo quando diz que “é preciso não permitir que grandes corporações se tornem tão grandes que escapem de prestar contas à democracia”. O mestre de Harvard sublinha que “as empresas de tecnologia e de mídias sociais não prestam contas, espalham mentiras e contribuem para a polarização com todos seus algoritmos”.
Polarização extremada e redes sociais
Michael Sandel sublinha que “a ditadura do algoritmo” piora “a polarização”.
O filósofo assinala que as big techs corroem a privacidade das pessoas. As grandes empresas, as criadoras da ditadura do algoritmo, “nos alimenta com feeds e vídeos inflamados para nos manter grudados nas telas, para que possam nos vender coisas. É, também, um reforço de opinião, em vez de nos expor a opiniões divergentes. Uma democracia saudável requer uma esfera pública, em que os cidadãos aprendam o hábito de ponderar e argumentar com pessoas das quais discordam”.
Ágora era um espaço público para debates na Grécia antiga e Michael Sandel assinala que, neste momento, falta uma Ágora. O professor diz que, “mesmo nos tempos áureos dos jornais, as pessoas não ficavam olhando para eles a cada segundo. Quando lançaram o Facebook, a promessa era dar acesso a todos para uma plataforma de discurso que nos uniria. Aconteceu o contrário”.

Será possível redirecionar as novas tecnologias para (re)criar a Ágora? Michael Sandel acredita que sim. Mas isto não pode ser deixado a cargo de mercado, governos e empresas. “A sociedade civil, elites, educadores, empresas de mídia tradicionais têm de se envolver. Não devemos ver a tecnologia como inimiga, mas usá-la. (…) Temos o Estado forte e as big techs. Essas duas forças, se não desafiadas, não podem sustentar uma democracia saudável. Precisamos de um terceiro ingrediente, um contrapeso, que é uma sociedade civil robusta. Perdemos a arte do discurso porque perdemos a habilidade de ouvir não só palavras, mas princípios, convicções, opiniões. Isso não pode ser legislado pelo Estado nem pelo algoritmo”, assinala o filósofo.
Michael Sandel diz que está percebendo que as pessoas, especialmente os jovens, querem encontrar um novo rumo para o mundo em que vivem. “Vejo uma vontade por um discurso público melhor, em todo o espectro político”, anota.
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