Nature e Science: pesquisas indicam que redes sociais geram menos polarização do que se imagina

13 agosto 2023 às 00h01

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A ciência não é estática e elementos novos, examinados com atenção, podem levar a novas conclusões. Portanto, os estudos da “Science” (três) e da “Nature” (um), ao analisarem a conexão entre polarização e redes sociais, têm caráter provisório e, com dados tão-somente dos Estados Unidos, talvez não sejam tão relevantes para outros países — como o Brasil. Na terra de Machado de Assis e Graciliano Ramos, a polarização, e não apenas em períodos eleitorais, é acentuada.
No Portal dos Jornalistas, no artigo “Estudos sobre a polarização ‘absolvem’ algoritmos de Facebook e Instagram — mas é cedo para absolver as plataformas”, Luciana Gurgel diz que os estudos “não confirmaram o suposto efeito polarizador do conteúdo selecionado pelos algoritmos do Facebook sobre os usuários”.
Luciana Gurgel sublinha que os quatro estudos indicam que as “postagens com conteúdo compartilhado, vistas por alguns como prejudicial por disseminarem viralizações nem sempre verdadeiras, na verdade expuseram os usuários a mais fontes confiáveis, com potencial de reduzir a desinformação”. Noutras palavras, ao receberem informações equivocadas ou imprecisas, os usuários das redes sociais buscaram informações confiáveis, realmente informativas e esclarecedoras.

Pesquisadores de várias universidades americanas foram responsáveis pelos experimentos do “US 2020 Facebook and Instagram Election Study”. Eles contaram com a cooperação da Meta, a empresa que opera o Facebook e o Instagram. Para fazer os estudos, obtiveram acesso aos dados de milhões de usuários. As informações têm a ver com a sucessão presidencial de 2020 nos Estados Unidos.
Luciana Gurgel aponta, de cara, um problema. Ela nota que as pesquisas são abrangentes, mas têm caráter limitado. Primeiro, é restrita a apenas um país, os Estados Unidos de Joe Biden e Donald Trump. Segundo, se inclui o Facebook e o Instagram, exclui o WhatsApp. No Brasil e na Índia, o WhatsApp “tem penetração enorme e é apontado como grande fonte de extremismo”. O Telegram também foi ignorado, e, por ser menos fiscalizado, possibilita uma maior polarização.
O presidente da Meta para Assuntos Internacionais, Nick Clegg, aplaudiu os estudos, porque “revelaram poucas evidências de que as plataformas causem ‘polarização afetiva prejudicial ou tenham qualquer impacto significativo nas principais atitudes, crenças ou comportamentos políticos’”. Porém, nem todos concordam com o ex-político britânico.

Professor de Jornalismo na Universidade de Wisconsin, Michael W. Wagner, citado pelo “Washington Post”, afirma que as conclusões dos estudos “são apenas uma evidência científica de que não há apenas um problema fácil de resolver”. Ele participou do projeto como observador independente.
Autonomia relativa dos usuários de redes sociais
Durante a campanha americana de 2020, altamente polarizada — inclusive depois do pleito, com a invasão do Capitólio —, uma das pesquisas estudou “os efeitos dos algoritmos em 23 mil usuários do Facebook e 21 mil do Instagram”.
O relato de Luciana Gurgel: “Uma parte” dos pesquisados “continuou tendo o conteúdo de seus feeds regido pelos algoritmos, enquanto o restante passou a ver postagens em ordem cronológica. Os que não receberam conteúdo selecionado por eles passaram menos tempo no Facebook e no Instagram, mas migraram para redes concorrentes”.
Luciana Gurgel assinala que “a exposição a informações classificadas como ‘políticas não confiáveis’ aumentou nas duas redes. O conteúdo ‘antissocial e de ódio’ diminuiu no Facebook, enquanto ‘conteúdo de amigos moderados e públicos ideologicamente mistos’ aumentou”.
Porém, frisa a jornalista, “não houve evidência de impacto sobre mudanças de atitude fora das plataformas, nem sobre o conhecimento político, segundo Andrew Guess, pesquisador de Princeton e autor principal desse experimento”.

Em outra pesquisa, dirigida por Andrew Guess, examinou-se “os efeitos da exposição a conteúdo compartilhado no Facebook. Um grupo de 23 mil usuários deixou de ver posts compartilhados por três meses, e acabou reduzindo a exposição a qualquer tipo de notícia política, confiável ou não”.
De acordo com Andrew Guess, “pode parecer contraditório, pois acredita-se que o conteúdo potencialmente viral promova desinformação — e, de fato, isso acontece até certo ponto. Mas mais conteúdo compartilhado veio de fontes confiáveis — portanto, nessas duas redes, os participantes do estudo ficaram mais bem informados”.
Pode-se concluir, então, que usuários das redes sociais são bem menos manipulados do que parece? É o que os estudos dizem. Eles sugerem que as pessoas buscam, mesmo submetidas a uma profusão de informações falsas ou ideologizadas, informações mais objetivas para balizar suas opiniões e julgamentos. Menos mal, então. Porque, se estiverem corretas, as pesquisas sugerem que as pessoas mantêm sua autonomia — talvez uma independência relativa — em termos de avaliar o que se se divulga nas redes sociais.

Um terceiro estudo concluiu “que o consumo de notícias falsas ou imprecisas sobre política mostrou-se maior entre pessoas simpáticas ao partido Republicano [leia-se Donald Trump]: 97% das fontes identificadas como associadas à desinformação eram mais populares entre elas do que entre os liberais” (os que apoiaram Joe Biden, ou seja, o partido Democrata).
Luciana Gurgel está certa quando diz, no final de ótimo texto, que “é prematuro acreditar” que os resultados dos estudos “absolvam totalmente a mídia digital, por não levarem em conta o poder do WhatsApp, por exemplo. Ou a realidade de outros países, cujas populações têm menos acesso a outras fontes de notícias e poderiam reagir de forma diferente aos experimentos feitos nos Estados Unidos há quase três anos”.
Por fim, vale insistir que a polarização é um fato, que a radicalização, sobretudo de direita e esquerda, está no ar. Não é uma polarização, no geral, bem-informada, mas é poderosa ideologicamente. Portanto, influencia milhões, que consomem informações mal-costuradas, frequentemente falsas, e as compartilham, às vezes, com o fervor dos extremistas.
É preciso fazer um estudo amplo sobre a conexão entre polarização e redes sociais no Brasil. As conclusões podem ser diferentes do que se encontrou nos Estados Unidos? Talvez sejam, considerando o menor acesso dos brasileiros a informações rigorosas (alguns jornais e revistas de alta qualidade cobram assinatura digital, o que reduz a oferta de informação segura e responsável). Mas parece evidente que muitos brasileiros escapam à doutrinação dos criadores de fake news.
A rigor, a relação entre usuários e redes sociais (e aplicativos), como uns e outros se influenciam — e se há espaço para autonomia, e se esta autonomia tem peso no Facebook, no Instagram, no Twitter, no Telegram e no WhatsApp —, precisa de estudos mais detidos e abrangentes. Inclusive para verificar se as conclusões a respeito do comportamento dos americanos são úteis para examinar como agem os brasileiros.
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