Incentivada e institucionalizada por núcleo de apoio do governo federal e a família Bolsonaro, mentiras são usadas até mesmo quando se trata de um crime

Na condição de testemunha da CPMI das Fake News, ex-funcionário da Yacows, que atuou na campanha eleitoral de 2018, disse uma série de mentiras, entre elas fez ataques sexistas contra repórter da Folha de S.Paulo
Na condição de testemunha da CPMI das Fake News, ex-funcionário da Yacows, que atuou na campanha eleitoral de 2018, disse uma série de mentiras, entre elas fez ataques sexistas contra repórter da Folha de S.Paulo | Foto: Jane de Araújo/Agência Senado

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Em seu juramento como testemunha na Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) das Fake News, o ex-funcionário da Yacows, Hans River do Rio Nascimento, respondeu da seguinte forma: “Me comprometo [a dizer a verdade]. E isso que está doendo muita gente.”

A sessão da CPMI foi transmitida ao vivo pelas TVs Câmara e Senado na terça-feira, 11, por mais de cinco horas.

O problema é que, antes mesmo do juramento – vale lembrar que testemunha que mente em comissão parlamentar de inquérito pode ser preso, inclusive em flagrante -, a testemunha da CPMI soltou a primeira mentira.

Início do show

Ao olhar para o deputado federal Rui Falcão (PT-SP), Hans River disse: “Quando fui cumprimentado pelo [Fernando] Gabeira, que está sentado aqui, ele me chamou de favelado”.

A partir deste momento, com 18 minutos de sessão, começava um circo de horrores baseado em mentiras reforçadas pelo incentivo dos deputados federais do PSL Caroline de Toni (SC), Eduardo Bolsonaro (SP) e Filipe Barros (PR).

Logo depois de Rui Falcão responder que aquilo se tratava de uma “mentira” da testemunha, Caroline de Toni não perdeu a deixa para incentivar o ataque: “Essa é a esquerda”.

A disputa barata entre situação e oposição fica cada vez mais grave no Congresso. Mas o uso de um depoimento falso, com ataques sexistas contra uma mulher para desmerecer sua qualidade profissional superou qualquer possibilidade imaginável na CPMI.

Ataques sexistas

Tentar, de forma baixa, rebaixar a condição ou qualidade profissional de uma uma mulher com ataques machistas não é algo que foi inventado na terça-feira ou que ocorreu no mundo pela primeira vez. O sexo feminino é tratado com desprezo de diversas formas no cotidiano.

Mas o que foi feito por Hans River na CPMI das Fake News não é apenas uma estratégia de ataque a um veículo de comunicação, como é o caso da Folha de S.Paulo. Vai além.

Inclui a tentativa de desmoralizar uma profissional de qualidade comprovada, representada por Patrícia Campos Mello, com insinuações falsas e baixas de que ela teria oferecido sexo para conseguir informação.

Ao responder a pergunta da deputada federal Lídice da Matta (PSB-BA) sobre entrevista que a testemunha deu à Folha com o envio de lista com 10 mil nomes, Hans tentou negar a informação. “Só um detalhe: eu não encaminhei nada para a Folha.”

Informação falsa

Na noite de terça-feira, a Folha publicou imagens que comprovam o envio dos documentos e o repasse de informações por Hans River com o conhecimento de que a matéria se tratava desde o início do conteúdo a ação trabalhista que ele moveu contra a Yacows.

A empresa é acusada no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) de realizar disparos pagos de mensagens e conteúdo de campanha eleitoral pelo WhatsApp. “De repente essa menina [Patrícia Campos Mello], essa jornalista, entrou em contato comigo falando a respeito do meu livro.”

Só que, como nas outras declarações, a resposta de Hans na CPMI era mais uma das várias mentiras que contou naquele dia aos parlamentares. Alguns, como os do PSL, aproveitaram a situação para atacar a repórter e a Folha.

Insinuações agressivas

Eduardo Bolsonaro chegou a dizer que acreditava sim ser possível que Campos Mello teria oferecido sexo para conseguir uma informação. O deputado e filho do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), que ataca de forma insistente a imprensa, se aproveitou de afirmação falsa da testemunha.

“Quando eu cheguei na Folha de S.Paulo, quando ela [repórter] escutou a negativa, o distrato que eu dei e deixei claro que não fazia parte do meu interesse, a pessoa querer um determinado tipo de matéria a troco de sexo, que não era a minha intenção, que a minha intenção era ser ouvido a respeito do meu livro, entendeu?”, acusou Hans.

No entanto, as agressões sexistas da testemunha da CPMI foram desmentidas, inclusive pela repórter da Folha com imagens, registro do histórico da conversa entre os dois e documentos. Mesmo assim, o deputado Eduardo Bolsonaro continua a divulgar mentiras contra a profissional em suas contas nas redes sociais.

Episódio anterior

Antes mesmo das mentiras mais do que sexistas de Hans River dirigidas de forma criminosa à jornalista Patrícia Campos Mello, a deputada Lídice da Matta precisou responder a um parlamentar – não ficou claro pelo vídeo da sessão qual – que perguntou se Lídice estava “nervosa”.

“Queria me dirigir especialmente ao deputado para dizer que toda vez que uma mulher fala e que um homem se dirige a ela perguntando se está nervosa há um componente muito grave nessa afirmação. Porque eu quero que o sr. se refira a outros homens perguntando se estão nervosos.”

Lídice da Matta continua: “É a segunda vez que o sr., nesta comissão, se dirige a uma mulher perguntando se está nervosa. Eu peço ao sr. que me trate com o mesmo respeito que eu lhe trato em todas as audiências públicas aqui, enormes audiências e sessões que fizemos aqui”.

E não para por aí. “Nunca o acusei de nervoso. E, portanto, não quero ser acusado dessa condição. Porque faço o meu trabalho com muita seriedade ou, pelo menos, tento fazê-lo. Respeito o trabalho de todos.”

Machismo como instrumento político

O machismo baixo usado contra Patrícia Campos Mello pelo incômodo que o trabalho da imprensa séria causa no governo Bolsonaro e no núcleo familiar e de militância que o cerca não é novo. Nem por isso deixa de assustar. Não é o primeiro caso e infelizmente não será o último.

O mais preocupante é a forma como foi instrumentalizada a naturalização dos ataques com conteúdo sexista na base governista à figura e contra a honra profissional de quem não faz assessoria de imprensa disfarçada de cobertura jornalistica do governo federal.

Bolsonaro, seus filhos e apoiadores insistem em não entender que o trabalho sério de apuração e publicação dos fatos continuará a ser feito.

Espaço aberto

O Jornal Opção entrou em contato com a jornalista da Folha, que preferiu não comentar o assunto. Antes, Patrícia Campos Mello descreveu o caso e como foi possível desmentir o depoimento calunioso da testemunha da CPMI no podcast Café da Manhã, do veículo paulistano.