Lúcio Flávio Pinto, um dos mais importantes jornalistas do Brasil, faz radiografia da imprensa do Pará

16 março 2015 às 19h32
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IMPRENSA PARAENSE
A história em cima da hora
Lúcio Flávio Pinto
[Introdução de “Uma arma letal — A imprensa do Pará”, de Lúcio Flávio Pinto, 130 páginas, Editora Smith Produções Gráficas]
Dez anos atrás, no dia 21 de janeiro de 2005, fui agredido pelo advogado e jornalista Ronaldo Batista Maiorana, um dos donos do grupo Liberal, formado pelo maior complexo de comunicação do norte do Brasil, cujo poder resulta em grande parte de ser afiliado à Rede Globo de Televisão. Segundo Maiorana, a agressão foi motivada por um artigo que escrevi sobre o irmão dele, Romulo Maiorana Júnior, o principal executivo da corporação. O texto não fazia qualquer menção a Ronaldo.
Prestei queixa na polícia, que encaminhou o processo ao Ministério Público, que fez a denúncia, que resultou em processo em uma das varas do juizado especial e culminou no pagamento, pelo agressor, de multa equivalente a 50 salários mínimos. Não em dinheiro, mas no fornecimento de cestas básicas a instituições de caridade, uma das quais muito ligada à família. Um dos dois PMs que deram cobertura a Ronaldo, o que participou diretamente da agressão, foi punido com multa de um salário mínimo.
Além de me negar a fazer qualquer acordo com meus agressores, nada mais pude fazer senão acompanhar, impotente, as tratativas do representante do MP atrás de um valor para a reparação do crime, já que o réu nada mais pode fazer no processo. Silêncio que lhe é imposto a pretexto de dar celeridade à instrução nas varas do juizado especial.
No momento em que fui agredido, dentro de um restaurante, localizado num parque público de Belém, onde também tem sua sede a Secretaria de Cultura do Estado, eu respondia a 16 processos na justiça, cinco dos quais – sendo quatro penais (por calúnia, injúria e difamação, com base na espúria e já extinta lei de imprensa, de 1967) e um cível (para me impedir de voltar a tocar no nome da autora das ações) – ajuizados por Rosângela Maiorana Kzan, diretora administrativa do jornal O Liberal e irmã de Ronaldo.
Menos de três meses depois da agressão, para evitar a decadência do direito no foro criminal, os irmãos Romulo e Ronaldo, mais sua empresa, Delta Publicidade, propuseram 14 ações contra mim. Duas delas porque disse que fui espancado quando, na verdade, fui “apenas” agredido. Cometera assim crime de injúria, difamação e calúnia, além de ser passível de indenizar o ofendido, que viu seu punho ser bloqueado na sua livre trajetória pelo meu rosto.
O melhor teste
Passados 10 anos, quando quatro dessas ações ainda sobrevivem no foro de Belém, continuando a atormentar a minha vida, decidi lançar este livro não para recontar a história da agressão, já suficientemente relatada em dois outros livros. Tento aqui demonstrar ao leitor o que está por trás das circunstâncias desses processos movidos por esses quatro autores, os três irmãos (Romulo, Rosângela e Ronaldo Maiorana) e sua empresa jornalística, 19 do total de 33 que me assolaram e ainda me oneram a partir dos cinco primeiros, os de Rosângela, de 1992:
- Apesar de terem ao seu dispor o maior complexo de comunicações da Amazônia, os três nunca o usaram para se contrapor ao que publiquei em meu pequeníssimo jornal, um quinzenário de 16 páginas em formato A4, com tiragem de dois mil exemplares.
- Os porta-vozes dos Maioranas alegam que essa atitude se explica facilmente: silenciam em seus veículos para não dar repercussão ao que sai no meu jornaleco, deixando que ele se esgote em si mesmo.
- No entanto, podiam aproveitar que publico na íntegra as cartas que são enviadas ao meu Jornal Pessoal e exercer nele o direito de resposta, contraditando o que digo. Ainda mais porque nunca tratei da vida privada dos irmãos. Sempre o que visei foi sua atuação pública, em função exatamente da influência que exercem sobre a sociedade com os seus poderosos veículos.
- Em função desse poder, as ações judiciais que interpuseram se tornaram a principal fonte de atenção, energia e tensão na minha vida a partir de 1992. Os Maioranas não se limitaram a dar andamento processual, como um cidadão comum faria: pressionaram nos bastidores, ou mesmo publicamente, aí, sim, usando seu império de comunicação, para conseguir o que queriam, mesmo que o que estavam querendo representasse a violação aos princípios legais, ao direito e à justiça. O objetivo se tornou evidente: usar a justiça para me impedir de continuar a fazer o meu jornal, ou fazê-lo sob tal sacrifício que a tarefa acabaria sendo demasiada. Eu sucumbiria.
Mas não sucumbi. Este livro é uma seleção de artigos que escrevi a partir do ano seguinte à agressão, até 2011 (evitei chegar mais perto de agora). Pouco têm a ver com ela. Minha intenção, ao reuni-los, é mostrar por que meus artigos incomodam tanto os donos da imprensa no Pará, sobretudo aos Maioranas, aqueles que têm o poderoso respaldo da Rede Globo.
O incômodo está em que revelo os bastidores do processo jornalístico, a motivação para o que chega à letra de forma, ao som e à imagem dos veículos desse império. É a história real, que não será contada se não a registrar para os contemporâneos e preservar para as gerações que nos seguirem. A história da imprensa é também a história do poder, da atuação das elites, do mal que elas têm feito à região e ao país – sem atenuações, mas também destituída da paixão cega. Tudo fundamentado em fatos, em informações concretas, não desmentidas até hoje – daí o recurso ao confinamento da verdade nos autos dos processos judiciais, para que não chega à praça pública, tornando-se acessível a todas as pessoas que querem ver, não apenas seguir condutores mal-intencionados.
Preferi manter a sequência cronológica dos artigos. Sei que o jornalismo é considerado sempre efêmero, circunstancial e limitado. Por isso mesmo, a melhor forma de testá-lo é vê-lo em perspectiva e retrospectiva. Se ele foi capaz de ver a história no cotidiano, na sucessão aparentemente informe dos fatos do dia a dia, então merece a forma mais perene do livro. Se não, que o livro seja entregue à sua própria sorte: o esquecimento. Quero, mais uma vez, me submeter ao teste dos meus caros leitores. Apostando na força e originalidade do jornalismo diante de todas as outras formas de saber e conhecimento humano.
Aventura amazônica
Resgatei meus textos do site do Observatório da Imprensa, que os tem reproduzido. Mantive a edição que lhes deu um dos editores do Observatório, Luiz Egypto, a quem agradeço pela atenção e o capricho.
Torço honestamente para que o leitor veja nestes textos, produzidos no calor da hora, um pouco da sua própria história, a saga do seu tempo e mais além: a incrível (a)ventura de ser contemporânea desta (ainda) nossa Amazônia.
[Em Belém do Grão-Pará, 21 de janeiro de 2015]
Lúcio Flávio Pinto é jornalista, editor do Jornal Pessoal (Belém, PA).