Livro de jornalista atacada por Bolsonaro analisa a construção da “máquina do ódio”
02 agosto 2020 às 00h00
COMPARTILHAR
Patrícia Campos Mello examina como um maquinário poderoso foi construído para denegrir e prejudicar adversários políticos
Patrícia Campos Mello é uma das mais notáveis jornalistas do Brasil. Investiga e escreve bem. Não só. É de uma seriedade à toda prova. Recentemente, o presidente Jair Bolsonaro e um bolsonaro-boy a criticaram — ou melhor, atacaram — de maneira estúpida, com conotação sexual — uma das maneiras mais agressivas de tentar desqualificar mulheres. Mesmo assim, a repórter permanece serena, equilibrada. Sua melhor crítica são as reportagens ancoradas em documentos, que se transformam em fatos. Quer dizer, contra a produção de fake news das unidades de combate do bolsonarismo, que recuam e avançam, ela nos o fornece a verdade, desbaratando a mentira.
Agora, depois das reportagens, que continuam, na “Folha de S. Paulo”, Patrícia Campos Mello lança o livro “A Máquina do Ódio — Notas de uma Repórter Sobre Fake News e Violência Digital” (Companhia das Letras, 196 páginas). A jornalista concedeu uma entrevista ao repórter Leandro Haberli, do Portal Imprensa, comentando sua nova obra.
O objetivo de Patrícia Campos Mello é analisar campanhas de desinformação no Brasil, na Índia e nos Estados Unidos. Ela cobriu eleições na Índia e nos EUA. Acrescentou, por fim, um exame de campanha de difamação de Bolsonaro contra jornalistas. Ela registra também petardos contra a imprensa na Hungria, Turquia, Venezuela e Nicarágua.
O repórter do portal pergunta se os ataques contra as repórteres têm a ver com o “protagonismo das mulheres”. Patrícia Campos Mello apresenta a resposta adequada: “Acho que se deve à misoginia, há uma nítida tentativa de desqualificar jornalistas mulheres. O tipo de vocabulário usado para atacar jornalistas mulheres, o grau de agressividade, é bem pior do que o usado com nossos colegas homens — ainda que o nível de ataques contra eles também tenha subido no governo atual”. O raciocínio é perfeito. Mas se pode acrescentar: o componente ideológico é igualmente muito forte. Pois o bolsonarismo ataca sobretudo aqueles — mulheres e homens — que considera de (ou aliados da) esquerda. Há uma seletividade.
Inquirida a respeito do projeto de lei sobre as fake news, que o Senado aprovou e a Câmara dos Deputados está debatendo, Patrícia Campos Mello responde com seu equilíbrio habitual: “O PL vem ao encontro de uma constatação de que o atual ambiente informacional, onde circula uma quantidade colossal de desinformação, está corroendo a democracia. Mas é um projeto que precisa ser discutindo com muito cuidado, para que algumas medidas não acabem resultando em violações de privacidade e redução da liberdade de expressão”. Deve-se evitar, portanto, tanto o “liberticídio” e quanto o “censuricídio”.
A melhor maneira de conter a “desinformação”, sublinha Patrícia Campos Mello, “é com informação de qualidade, checagem, e com responsabilização de quem patrocina operações profissionais de fake news”.
Na disputa eleitoral deste ano, será possível controlar a disseminação de fake news? “Depois que publicamos as matérias sobre disparos em massa, o TSE aprovou regulamentação, em novembro de 2019, que passou a proibir a prática. O próprio WhatsApp está processando agências de disparo em massa. Então acho que isso deve ser menos gritante desta vez. O problema é que sempre encontram outras maneiras de espalhar narrativas, outros instrumentos”, afirma a repórter.
Patrícia Campos Mello ganhou recentemente o prêmio Maria Moors Cabot, da Faculdade de Jornalismo da Universidade Colúmbia, uma das mais respeitadas do mundo.