Jornalismo econômico enfatiza mais declarações do que a análise da economia real

14 outubro 2017 às 10h17

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Acomodados nas suas confortáveis redações, dialogando por telefone com pessoas que nunca viram, os repórteres raramente examinam o setor produtivo

A imprensa cobre de maneira qualitativa a atividade econômica real? Parece que não. Em regra, há três vertentes. Os jornais e revistas tendem a repetir a argumentação dos economistas mais consagrados — alguns deles pródigos em disfarçar suas opiniões como se fossem análises factuais objetivas —, a ressaltar pesquisas e dados dos órgãos oficiais ou a apresentar declarações de fontes “qualificadas” do governo ou das associações empresariais.
Os três vieses são inescapáveis, sobretudo aquele que apresenta em geral informações precisas e sem distorções politizadas, como os dados do IBGE. Mas falta ao jornalismo investigar a atividade das empresas diretamente — sem a mediação de especialistas que também não a examinam (analisam quadros estanques, e não a economia em movimento, o que impede a percepção do qual real, o do momento). Repórteres deveriam visitar fábricas, observar a produção, conversar com empresários (e não apenas com os líderes das associações) e trabalhadores. Deveriam examinar se os supermercados estão comprando mais e, de fato, contribuindo para uma certa regulação de preços. A construção civil está comprando mais aço, tijolo, cimento e outros produtos? A construção civil está contratando ou há mais placas de “não estamos contratando?” Nas imobiliárias, há registro de que os indivíduos estão alugando mais imóveis ou de que pessoas estão colocando mais imóveis para alugar?
Por que o jornalismo prefere as declarações das “autoridades”, públicas e privadas, a examinar os negócios mais de perto?
Primeiro, porque é mais fácil colher declarações — quanto mais fortes, melhores — por telefone e fazer manchetes explosivas, que serão comentadas nas redes sociais. Reportagens detidas, enfocando a atividade econômica mais de perto, são, por vezes, mais chatas e incômodas (geram debates intermináveis). Porque, não raro, contrariam os dados “oficiais” e “para-oficiais”. Recuperações econômicas demoram a ser percebidas se os jornais e revistas fiarem-se tão-somente nos levantamentos de órgãos que trabalham com “quadros estabilizados”, o que impede a percepção de mudanças mais rápidas e mesmo de médio prazo.
Segundo, é muito mais “barato” não investigar. Há o custo de movimentação do repórter, com transporte, por exemplo. Fazer uma nova fotografia pra quê, se é possível copiar imagens de dezenas de sites na internet…
Terceiro, mesmo com a internet, que possibilita atualizações frequentes, as publicações “fecham” suas reportagens cada vez mais rapidamente. Daí que, entre a reportagem mais apurada, que demanda mais tempo e recursos financeiros, e a publicação meramente de declarações, “urge” fica com a segunda via.
Quarto, os jornalistas estão cada vez mais acomodados nas suas redações, conversando entre si e dialogando com as mesmas fontes, e por isso estão cada vez menos abertos para a “surpresa do novo”, para o inusitado. Deve-se publicar, não o fato novo, quase imperceptível, e sim aquilo que “todo mundo” está dizendo. Isto explica o fato de que um jornal parece sucursal do outro e vice-versa. Observe os sites dos jornais na internet. São cópias escarradas um do outro.
Aloysio Biondi, um dos maiores jornalistas de economia do país, tinha o hábito de revisar dados econômicos, conectando-os a uma análise comumente brilhante, e frequentemente contrariava tanto governos quanto os próprios jornais.
Luís Nassif, durante um bom tempo, fez trabalho semelhante. Porém, desde que se tornou uma espécie de porta-voz de certa esquerda, está se comportando como ideólogo e, por isso, prefere “influenciar” os fatos a examiná-los com a independência de antes. Mas não resta dúvida de que é um dos poucos jornalistas que entendem as filigranas da economia e, quando quer — ou queria —, sabe apresentar nuances, retificar informações e escrever com o máximo de clareza explicando o que parece inacessível para os mortais. Uma pena que não volte a escrever com a perspicácia de antes. É possível que, por ser tão combatido pela direita, que não aceita nada do que escreve — sugerindo que tudo é reflexo de “seu petismo” —, tenha perdido, mais do que a independência de julgamento, a embocadura.