Diretores de publicações não perceberam que jornais e revistas são fontes pra construção da historiografia de uma cidade, de um Estado e de uma nação

Nilson Jaime

Especial para o Jornal  Opção

Quando menino, vendi os jornais “Correio Braziliense”, “Folha de Goiaz” e “Cinco de Março” — entre os anos de 1970 e 1975 — e a primeira edição do Jornal Opção, recém-fundado, na provinciana Palmeiras de Goiás. Dois de meus irmãos fizeram o mesmo, em períodos posteriores. Outro garoto vendia, ou apenas entregava, “O Popular” para assinantes.

O encalhe — jornal não vendido — tinha destino pouco nobre, mas prático: era comercializado “por quilo”, ou seja, pelo peso, a preço de banana, para o Armazém do Vitalino, Mercadinho do Noé ou Açougues do Mário ou do Fernando. Ali era utilizado para embrulhar mercadorias diversas, como sapato ou banana, ou apenas servia de embalagem externa para carne, reforçando o papel manilinha que acondicionava os produtos de açougue.

Antes de vendê-los “a quilo”, porém, eu recortava com lâmina de barbear os títulos de todos os exemplares — a pele dos dedos vivia retalhada de gillete —, a fim de comprovar o encalhe para os emissários dos jornais, responsáveis pelos acertos financeiros com meu pai, a cada três meses, vindos de fusca, de Goiânia ou Brasília.

Aproveitando-me do farto e precioso material à mão, e na impossibilidade de comprar as caríssimas enciclopédias Barsa, Mirador, ou Delta, eu recortava diariamente as páginas sobre literatura, ciência, tecnologia, filosofia, história, geografia, viagens, artes, e até as mais importantes sobre esportes, compondo meu Google particular. Diversos colegas pesquisaram em minha “enciclopédia” na década de 1970.

Passados 43 anos, ainda mantenho esse costume, emprestado ao então esquálido garoto e, depois, imberbe adolescente.

Com o advento da internet e o surgimento dos jornais e revistas digitais, muitas publicações começaram a cobrar por seus conteúdos, providência natural em qualquer empresa, a fim de suprir os gastos e obter lucro.

Entretanto, passaram a cobrar também pelos conteúdos antigos, pelo hoje jornal virtual — que outrora embrulhava banana no Mercadinho do Noé —, dificultando o trabalho de historiadores e pesquisadores, cuja falta de recursos financeiros tornou-se proverbial no Brasil.

O que os diretores dessas publicações não perceberam é que jornais e revistas são importantes fontes primárias para a construção da historiografia de uma cidade, de um estado e de uma nação. De um povo.

E que a citação delas em publicação científica, artigo, periódico ou anais de congresso é valiosa e agrega mais valor ao nome da publicação citada que os trinta reais de uma assinatura.  O valor intrínseco da citação em um livro deve ser considerado ao se fazer a contabilidade de custos de uma empresa jornalística.

Esses jornais e revistas não perceberam que, daqui a alguns anos — ao se fazer a metaestatística de citações dessas publicações em livros e periódicos científicos —, perderam feio para concorrentes mais estratégicos e que franquearam suas edições antigas a pesquisadores.

O quanto custa liberar gratuitamente o acesso a publicações antigas, com mais de um ano, por exemplo? Os veículos de conteúdos franqueados tendem a ser mais citados em publicações locais e, principalmente, nacionais, e até globais. Os que não se encaixarem nessa abertura, perderão o bonde da historiografia. E da História.

Franquear conteúdos jornalísticos antigos digitalizados a pesquisadores é mais que bom senso, nobreza e sensibilidade cultural e científica. É mostra de grandeza da empresa concedente, o que agrega valor à marca.

O simbólico papel virtual de embrulhar banana tem grande valor para a historiografia e a ciência. Vale a pena investir nisso.

Nilson Jaime tem doutorado pela Universidade Federal de Goiás.