Obra resgata histórias do cotidiano de escritor, artistas plásticos, psicanalista e empresário da área educacional

Ademir Hamú capa de seu livro junto com Rossana Alomeida Roriz

Para os acham que o mundo é ruim existe a transcendência. Para transcender existe a arte. Dentro da arte existem os livros. E dentro dos livros existe este aqui — “Histórias de Ternura”, organizado por Ademi Hamú e Rossana Almeida Roriz da Veiga Jardim —, que diz e prova que a vida vale a pena. Não pelos impérios construídos, mas pelos pequeninos atos da intimidade e que jamais ou raramente vêm à luz pública. Minúsculos gestos escondidos de ensinamento, afeto e atenção.

“Histórias de Ternura” é uma das mais bem-sacadas ideias da literatura. Menos pela originalidade, mais pela singeleza e simplicidade: pessoas comuns contam histórias comuns, mas ricas em simbolismo. Se a Terra acabasse hoje em uma grande explosão e daqui mil anos alguém encontrasse páginas do livro nos escombros, ninguém entenderia por que o mundo foi pelos ares se a vida podia ser tão maravilhosa.

Esta obra poderia se chamar “O Livro do Belo Mundo”, aquele que mostra que o afeto carrega em si o poder de transformar tudo para melhor. Tipo um senhor que não queria mais ser padrinho de ninguém pois todas as crianças batizadas por ele morriam cedo. Até encontrar alguém que rompeu o ciclo mortal. Maldições foram feitas para ser quebradas, e isso não tem nada a ver com religião.

Ademir Hamú

Se tem algo que “Histórias de Ternura” destrói são as religiões, provando que o ser humano é, no fundo, um micróbio eventualmente transmissor de bondade e singeleza. Todos estão salvos por atos microscópicos, mas que fazem toda diferença.

Chorei lendo as histórias organizadas por Ademir Hamú (foto ao lado) e Rossana Almeida. Como não se emocionar quando uma viajante comum, a psicanalista Lisa França, entra num conto de fadas no interior da França? Ou quando Elder Rocha Lima escreve que a coisa mais bonita que já ouviu é a “orquestra de sapos da beira do Rio Vermelho”? E se essa mesma pessoa conhece um santo confundido com um louco?

O livro deve ter descido do céu, escapado do paraíso, enganado o demônio. Os autores não tentam ser melhores do que são. E nem escondem o tempo às vezes difícil que viveram.

Amaury Menezes (na foto abaixo ao lado de Elder Rocha Lima) conta que “viveu na infância poucos momentos de ternura” e que não se recorda “de algum dia ter me sentado no colo de meu pai”. Só beijou a mãe “depois de homem feito e ela já idosa”. Mesmo nesse ambiente, um gesto, um gesto, apenas um gesto de seu pai definiu o futuro de um dos maiores artistas plásticos de nossa história.

Amaury Menezes e Elder Rocha Lima

Outro pai severo foi o de Marcos “Tucano” das Neves. Quando o filho chegou às cinco horas da manhã depois de uma noitada com amigos, foi avisado: “O dia em que você contar seus verdadeiros amigos na palma de uma mão, certamente será uma pessoa feliz”. Tucano desdenhou: lembrou de cabeça logo uns 15. O pai morreu uma semana depois. O filho abriu uma discoteca com o dinheiro da herança. Perdeu tudo e os 15 amigos jamais apareceram para ajudar.

Miguel Jorge (foto abaixo) tinha uma cadela. Abandonou-a na beira de um rio, 60 quilômetros longe de casa. Ela voltou “toda esfarrapada, magra, feridas abertas no corpo”. E a relação que tiveram a partir daí foi sublime. É estranho que a lição dada por um animal resuma o livro, ainda nas palavras de Miguel Jorge, imortal da Academia Goiana de Letras: “não havia mais aflição em nossos gestos”.

Miguel Jorge 82 anos

Talvez histórias como essas nos redimam de tudo e nos salvem — apesar dos pecados e descalabros íntimos de cada um.

Serviço

“Histórias de Ternura” será lançado no Shopping Bougainville na quinta-feira, 12, às 19 horas.

Iúri Rincon Godinho, jornalista e escritor, é membro da Academia Goiana de Letras e do Instituto Histórico e Geográfico de Goiás.