Flávio Dino no STF: conflito entre Gerson Camarotti e Demétrio Magnoli tem raiz ideológica?

03 dezembro 2023 às 00h01

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Há uma crise permanente no “Em Pauta” — da GloboNews —, que, longe de piorar, melhora o programa jornalístico. Porque mostra diversidade de pensamento. O contraditório, lá, não é proibido. Parece ser incentivado.
A crise é provocada pelo olhar irônico de Demétrio Magnoli? É provável que o sorriso supostamente debochado do sociólogo e jornalista provoque a ira dos colegas. É parte do problema, se problema é.
Talvez a causa primeva, a essência e não a aparência, da crise seja outra. A motivação talvez seja ideológica. A maioria, pelo menos pelo que expõe, parece ser de esquerda. Demétrio Magnoli não se enquadra no espectro da esquerda nem da direita. É possível que seja de centro, uma espécie de socialdemocrata.
Ao contrário de alguns colegas, que às vezes “jogam” para receber o aplauso do público — de um certo público, o de esquerda ou dito progressista —, Demétrio Magnoli parece provocar a ira de todos. Não agradava e não agrada o bolsonarismo, porque expõe seu viés de extrema-direita golpista e retardatária. E não agrada o petismo, que parece considerá-lo, não crítico, e sim muito crítico, quer dizer, “sempre do contra”.
Talvez Demétrio Magnoli seja apenas “crítico”. Nem mais nem menos. Só crítico. Mas, de fato, não precisa acentuar sua crítica com aquele ar de “mofa” — de que é uma espécie de “guia genial” dos jornalistas. Um pouco menos de soberba tornaria sua crítica, a apresentação de um pensamento diverso, mais aceitável pelos colegas.
Na semana passada, Gerson Camarotti e Demétrio Magnoli se desentenderam. O primeiro, quase sempre bem-humorado, não disfarçou o descontentamento. (Demétrio Magnoli e Guga Chacra também discutem com frequência.)
Gerson Camarotti é uma das figurais mais doces do jornalismo patropi, sempre respeitoso com colegas e políticos. Talvez por isso tenha tantas fontes e consegue divulgar informações exclusivas. Nem sempre é profundo, mas comenta muito bem — com informações de primeira. Se não é profundo não é por falta de informação e formação. Pelo contrário, seu preparo é inegável. Nada tem de superficial. A questão é outra: o jornalismo de televisão, no qual o tempo às vezes é relativamente curto — o “Em Pauta” ao menos abre mais espaço para seus integrantes —, exige simplicidade, uma linguagem menos sofisticada.
Tirar Gerson Camarotti do sério não é fácil, dado seu caráter diplomático e afável. De cara, sem conhecê-lo pessoalmente, tenho imensa simpatia pelo jornalista. Aprecio seus comentários tanto sobre política quanto sobre a Igreja Católica — que conhece bem.
Demétrio Magnoli é da escola dos “palavrosos” — no velho estilo dos acadêmicos. Por ser posicionado, não aderindo a nada, aparentemente, parece não ter “fã clube”. Entretanto, no caso dele, ser “palavroso” é mais virtude do que defeito. Porque o jornalista, com excelente formação intelectual, tem o que dizer. Muitas vezes, consegue ser profundo, especialmente se lhe dão mais tempo para expor e discutir as questões — por exemplo sobre o Oriente Médio.
A “guerra” Demétrio Magnoli e Gerson Camarotti tem a ver com o ministro da Justiça, Flávio Dino, do PSB.
O ex-governador do Maranhão e ex-magistrado Flávio Dino certamente tem conhecimento amplo do Direito e, apesar das críticas, não teve um desempenho ruim no Ministério da Justiça.
Gerson Camarotti defende que Lula da Silva acertou ao indicar Flávio Dino para ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), porque ele é do ramo, pois foi juiz federal de 1994 a 2006 (teria sido aprovado em primeiro lugar), dirigiu o Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP) e fez mestrado em Direito na Universidade Federal de Pernambuco. Quando o assunto é Direito não é, portanto, um néscio. De acordo com o jornalista, ele teria “notório saber”.
Demétrio Magnoli sublinha que Flávio Dino não tem “notório saber”. Porque não tem trabalhos respeitáveis — referenciais — na área do Direito. Frisa que mestrado resulta de uma pesquisa bibliográfica. Sendo assim, as dissertações quase sempre dão escassa — ou mesmo nenhuma — contribuição ao avanço da ciência, da pesquisa. O doutorado, pelo contrário, já expõe uma tese — um posicionamento mais sólido do autor. Mesmo assim, há doutorados, apenas razoáveis, que não qualificam seus autores como dotados de “notório saber”.
Se é assim, ao menos em relação a Flávio Dino — e, quem sabe, Dias Toffoli (mas não os ministros Gilmar Mendes e Luís Roberto Barroso) —, não se pode mesmo falar em notório saber. Portanto, enfatiza Demétrio Magnoli, a indicação do maranhense de São Luís, de 55 anos (poderá ficar 20 anos no Supremo Tribunal Federal), contraria a Constituição do Brasil — que exige dos ministros do Supremo “notório saber”.
A rigor, Demétrio Magnoli está certo, sobretudo a respeito da falta de “notório saber” de Flávio Dino.
Mas estaria Gerson Camarotti totalmente errado? Não. Porque o Brasil não é os Estados Unidos, não é a Suécia, não é a França etc. A realidade brasileira é outra. Flávio Dino, pelo fato de ter sido juiz, deputado federal, governador e ministro da Justiça, tem, como se dizia nos tempos de antanho — os de Nelson Hungria e Paulo Brossard (citado por Demétrio Magnoli) —, cabedal para ser ministro do Supremo. Não fará feio. Pelo contrário, será, aos poucos, um dos mais atuantes — e com conhecimento de causa.
Pode-se falar em “purismo” de Demétrio Magnoli? É provável. Às vezes, mesmo quando estamos “certos”, há a possibilidade de estarmos na contramão da realidade. Então Demétrio Magnoli, o legalista, está certo, mas Gerson Camarotti, o realista, não está errado. Flávio Dino tem conhecimento suficiente para não ser um peixe fora d’água no STF. O presidente Lula da Silva fez uma boa escolha — tanto que os membros mais qualificados da Suprema Corte patropi a aprovaram.
Por fim, debate não é briga. Gerson Camarotti não deve perder o “rebolado” por causa da suposta ironia de Demétrio Magnoli. Insisto: o “Em Pauta”, que é muito bom, precisa de mais diversidade, de menos aplausos dos coleguinhas. A divergência esclarecida melhora a qualidade do jornalismo.
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