Mark Thompson insiste que os jornais que fazem jornalismo de qualidade, com alto custo, precisam cobrar assinatura dos leitores

Os mundos físico e digital se tornaram um só. As pessoas “habitam” os “dois” como se fossem apenas um. Como viabilizar o jornalismo num admirável mundo novo? Mark Thompson, ex-CEO do “New York Times”, o jornal mais influente dos Estados Unidos, apresenta algumas ideias numa entrevista ao jornal “O Globo” (quinta-feira, 29) — o mais lido na internet, no Brasil.

O repórter André Miranda pergunta sobre as próximas revoluções no jornalismo. Thompson assinala: “Notícias surgem continuamente, são uma série de eventos 24 horas por dia, sete dias por semana. É incrível que ainda haja jornais segurando informações para o impresso do dia seguinte. Trabalham para os sites durante a manhã, mas à noite se voltam para o impresso. O pico de consumo de notícias é às 7h na maioria dos países, então você deveria ter mais gente na Redação às 6h do que às 18h. Quando isso acontecer, será uma revolução para muitos jornais”. (Em Goiás, ao menos dois jornais mantêm repórteres trabalhando a partir das 6h, com o objetivo de captar o interesse dos leitores que se levantam cedo por hábito ou então para trabalhar. A tendência é que saiam na frente dos jornais que começam a trabalhar a partir das 8 horas. O executivo britânico, portanto, está correto e estão errados os jornais que não começam a produzir mais cedo.)

Mark Thompson: ex-CEO do “New York Times” | Foto: Reprodução

Thompson diz que a inteligência artificial fará um bem imenso ao jornalismo: “Para investigações, pode-se encontrar padrões em dados e compreender com profundidade uma situação. As máquinas também vão nos ajudar a saber mais sobre como as pessoas consomem notícias. Por fim, também acho que chegaremos a um jornalismo que utiliza mídias diferentes para sua narrativa. Você começa num texto, vai para um vídeo, depois um áudio, aí imagens de arquivo. Houve experiências, mas ainda não fizemos a revolução de verdade. Deveríamos aprender com os videogames sobre como tornar uma história verdadeiramente imersiva”. O executivo não diz, mas a inteligência artificial será, cada vez mais útil, na montagem de estruturas para aumentar a audiência das publicações. Já é, em parte. Mas, bem utilizada, vai colaborar para multiplicar os acessos.

O “Times” tem 8 milhões de assinantes. Não é fácil conquistá-los, mas é mesmo um dos caminhos para se ganhar dinheiro tanto para bancar o negócio jornalismo quanto para se ter lucro. Hoje, os jornais são um sucesso em termos de audiência, mas não necessariamente como negócio. Thompson diz que, para investir em qualidade, é preciso que o público pague pelas informações, numa espécie de “colaboração”, digamos, remunerada. “Mas, para dar certo, é preciso pensar também na geometria de pagamento. Uma das coisas que o ‘Times’ fez foi começar com um preço de assinatura muito barato, uma espécie de assinatura introdutória de um ano, para que a pessoa se acostume com o jornal. Construir o hábito é essencial. Houve meses de 2020 em que o ‘Times’ alcançava 240 milhões de pessoas, e naquele momento tinha cerca de 5 milhões de assinantes. Então a gente chegava a 235 milhões de leitores não pagantes. É como uma rede que pega alguns dos peixes grandes, mas não os pequenos. Esses pequenos que leem as histórias, porém, podem se sentir dependentes do jornal até optarem pela assinatura. Uma das razões por que desgosto do termo ‘paywall’ é que ele sugere que estamos deixando pessoas de fora. Mas, na verdade, estamos criando uma política em que as pessoas experimentam as notícias.”

Thompson diz que “não faz mais sentido a teoria de que é impossível fazer as pessoas pagarem por notícias na internet. Mas isso não significa que todos vão conseguir. Eu acho que o erro da indústria em muitos países é achar que ou você está dando alguma coisa de graça ou está cobrando por ela. Não é assim. Na Netflix, por exemplo, você fica sabendo que eles têm uma ótima série e pode ver o trailer para decidir se ela vale a pena. Você precisa deixar as pessoas saberem o que você tem a dizer antes de cobrar. Em alguns países, pode-se levar anos até que se descubra que os jornais de qualidade estão tratando os consumidores digitais da mesma forma como sempre trataram os consumidores do impresso”.

O executivo não diz, talvez porque esteja implícito, mas só se consegue assinantes, sobretudo fidelizados, se se fizer jornalismo de alta qualidade, com a publicação diária de reportagens exclusivas. Por que publicar reportagens de agências de notícias, que são replicadas em vários jornais do país — em algum lugar, os leitores vão poder lê-las sem pagar —, mas fechá-la para os leitores? Em Goiás, “O Popular” comete o equívoco de “fechar” textos que estão “abertos” em outros jornais. O jornal, de longa e positiva história, nunca circulou, como impresso, em outras cidades do país — exceto Brasília —, portanto é conhecido apenas em Goiás, e talvez pouco pela nova geração, a digital, então por qual motivo um leitor de São Paulo ou Rio de Janeiro vai assiná-lo? Uma saída é o jornal “fechar” tão-somente as reportagens exclusivas — a ressalva é que, se forem poucas, terão de abrir (ou fechar) quase tudo. Mesmo com a internet, a tendência é que jornais quase que inteiramente fechados, antes de terem se tornado conhecidos no país, permaneçam com audiência baixa, e às vezes em queda. O Jornal Opção, por exemplo, é mais lido do que “O Popular”. Não se está defendendo que o jornal do Grupo Jaime Câmara “abra” tudo, e sim que reestude a sua política, equivocada, de “fechar” o que é free em outros jornais.

Políticos costumam sugerir que os jornais publicam “notícias falsas” — sempre, claro, aqueles que não agradam ao seu grupo. O “Times”, para se contrapor a isto, criou um podcast, o “The Daily”, para explicar como os jornalistas apuram as notícias e, depois, as publicam. “Parte da ideia dele é que você possa saber como o nosso jornalismo funciona. Então as pessoas podem ouvir os jornalistas falando sobre como eles reportam alguma história, para que o ouvinte saiba como foi a apuração, saiba com quem o repórter conversou. É para que as pessoas compreendam que o jornalista não inventou uma história sentado na mesa, que ele pesquisou com cuidado e checou as informações”, sugere Thompson.

Teria sido importante “O Globo” ter perguntado a Thompson sobre a questão de como o Facebook e o Google usufruem da produção dos jornais e, em muitos países, como o Brasil, sem dar nada em troca. E o que as big techs têm a ensinar aos jornais, tanto em termos de faturamento quanto de multiplicar a audiência. Na Europa, cercado pelos governos, o Google está remunerando os jornais e revistas. As grandes empresas de tecnologia comportam-se como se estivessem acima dos Estados nacionais, mas os governos, na França, Espanha e Austrália, estão provando que têm de subordinarem-se às leis locais.

O professor universitário, ex-executivo da IG e do UOL e ex-ombudsman da “Folha de S. Paulo” Caio Túlio Costa sugere que as empresas de comunicação têm de se tornar empreendimentos tecnológicos, num modelo similar ao das big techs. Num livro que conta com sua colaboração, “Tempestade perfeita — Sete Visões da Crise do Jornalismo Profissional” (História Real, 368 páginas), este e outros temas são discutidos. Neste momento, o jornalismo está à frente do negócio jornalístico. Mas o jornalismo, se é de qualidade, tem um custo alto e depende do empreendimento, quer dizer, do sucesso comercial da empresa que o banca.