Estupidade do ator José de Abreu provoca suspanto em quem não vive no pântano
07 abril 2016 às 12h03
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O ator da novela “A Regra do Jogo” reincorpora seu personagem e ataca Sandro Vaia, que faleceu recentemente. Se a crítica fosse justa, tudo bem. Mas é ideológica e, pior, falsa
Recorre-se a Mário da Andrade — estupidade e suspanto — para “entender” o que o ator José de Abreu diz, racionalmente ou não, sobre aqueles que escolhe como adversários políticos. Por ser de esquerda, mais petista do que a presidente Dilma Rousseff, por vezes é apontado como ator de qualidade duvidosa. Na verdade, trata-se de bom ator. Na questão política, tem direito de seguir quem quiser e de fazer críticas duras. Vive-se numa democracia: a direita tem o direito e o dever de criticar a esquerda e esta tem o direito e o dever de criticar aquela. Mas há momentos em que a estupidade provoca suspanto. O jornalista Sandro Vaia morreu no sábado, 2, aos 72 anos. Os autores dos obituários concordam: era um dos maiores jornalistas do Brasil. Contribuiu para o sucesso do “Jornal da Tarde”, um dos melhores jornais do país, infelizmente extinto. A revista “Afinal” não era uma “Realidade”, mas, sob o seu comando, publicava grandes reportagens. Quando Pimenta Neves matou a namorada e foi preso, assumiu a direção de redação de “O Estado de S. Paulo” e, em pouco tempo, reorganizou o jornal. Por onde passou, deixou sua marca — que pode ser resumida em duas palavras: competência e integridade.
Sandro Vaia escreveu dois livros muito bons: “A Ilha Roubada — Yoani, a Blogueira Que Abalou Cuba” e “Armênio Guedes — Sereno Guerreiro da Liberdade”. Armênio Guedes, um dos mais importantes comunistas do Brasil, foi biografado com o máximo de decência e precisão por Sandro Vaia — o que comprova sua independência profissional. Os fatos não podem ser distorcidos por qualquer ideologia.
Mesmo com este currículo, José de Abreu, apresentando-se como príncipe do humor negro, atacou — e a palavra crítica não deve ser vista como sinônimo — o morto. “Vaia morreu de entupimento das veias biliares. A vida vale o ódio? Ou o ódio vale mais que a vida? Para mim, não” — escreveu o ator da TV Globo no Twitter. Depois, o astro da novela “A Regra do Jogo”, no qual fez um personagem odioso e bilioso, apagou sua conta. A ressalva fundamental é que Sandro Vaia não era um homem e profissional que cultivasse o ódio. Tanto que, como editor, exigia precisão e a publicação da informação correta. Sua ideologia não turvava sua capacidade de avaliar, julgar e concluir. José de Abreu pode criticá-lo, a ressalva é que, no caso, o fez pelos motivos errados e, portanto, tornou-se injusto.
Humanidade e caráter
A filha de Sandro Vaia, Giuliana Vaia, publicou uma carta aberta a José de Abreu:
“Caro zé (assim com minúscula) ,
“Preciso te confessar uma coisa. Quando eu era mais nova, eu era sua fã. Não tenho vergonha de admitir isso, por mais vergonhoso que seja. Eu assistia a todas as suas novelas; era quase um amor platônico, tamanha minha admiração. Acredite. Hoje custo a acreditar.
“O tempo foi passando, cresci e eu fui conhecendo, através de seus escritos, o homem zé de abreu, não mais o ator. E assim fui me decepcionando e meu castelinho de areia, ruindo.
“Atrás das cortinas apareceu uma pessoa feia. Uma pessoa desrespeitosa, desumana que coloca a divergência política (e a ignorância, diga-se de passagem) acima do respeito pelo ser humano.
“Confesso que quando li aquele tuíte senti um misto de raiva e nojo. A que ponto chega a escrotidão de uma pessoa? Mas aí vi que não vale a pena sentir raiva de uma alma tão pobre de espírito. No fim, senti pena. Que coisa, não? De uma admiração fervorosa, surgiu um sentimento de pena. E não tem coisa mais triste que isso.
“Sabe, nem tô pedindo pra respeitar a memória do meu pai, porque sei que você não alcançaria tamanha iluminação, mas seria polido da sua parte respeitar o luto da família ao menos. Embora você se autointitule comediante não é legal sair fazendo ‘piada’ com sentimentos tão doloridos nesse momento delicado pelo qual estão passando os familiares de seu desafeto. No caso eu, minha mãe e minha filha.
“E olha, nem tô entrando no mérito político aqui. Tô falando de respeito, humanidade e de caráter, coisa que infelizmente teu pai não te ensinou a ter. Ao contrário do meu.
“Um abraço,
“Giuliana.
“P.s.: Se é como você me disse ‘a morte não purifica a pessoa’, pois então vamos esperar sua próxima vida. Quem sabe Deus te presenteie com um coração.”
O verme e o bem
A viúva de Sandro Vaia, Vera Vaia, criticou o ator global-petista, no Facebook: “Quando vi essa postagem no Twitter (de Abreu) resolvi ignorar, porque esse verme desprezível não mereceria uma só palavra de quem sempre trilhou pela estrada do bem, como fez o Sandro Vaia ao longo dos seus 72 anos de vida. E essa lição ele nos deixou. A de não nos deixar abalarmos por vitupérios saídos de bocas e mentes sujas de tipos como esse”.
Um leitor voraz
Roberto Godoy escreveu no “Estadão”: “Dono de hábitos muito próprios, Sandro era um leitor voraz. Recebia todas as manhãs em sua sala — um ‘aquário’ na entrada da Redação com uma parede envidraçada — muitos jornais e revistas, nacionais e estrangeiros. Ia lendo cada um com atenção de esmiuçador. Lidos, os exemplares eram jogados para trás da cadeira. No final do dia formavam uma pilha ao redor da mesa”.
Um mestre do ofício
Roberto Gazzi, ex-diretor de redação do “Estadão”, escreveu, no Facebook: “O jornalismo brasileiro perde um mestre do ofício, Sandro Vaia. Será sempre lembrado como um grande amigo, um grande chefe e, acima de tudo, grande pessoa”.