Engana-se quem pensa que rabiscos na mão de Bolsonaro são sinais de improviso
28 agosto 2022 às 00h00
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Quem na semana passada viu viralizar, nas redes sociais, as imagens da mão esquerda de Jair Bolsonaro (PL) rabiscada à caneta durante a dura sabatina ao Jornal Nacional sentiu uma sensação de “déjà vu”. Não era a primeira vez que o presidente da República usava desse artifício em uma situação similar: pelo contrário, em 2018, em debates e também na mesma entrevista aos apresentadores do principal telejornal da emissora, ele também estava com palavras escritas à mão.
Naquele ano, depois de fazer o mesmo em dois debates de que havia participado, Bolsonaro compareceu ao JN com as palavras “Deus”, “família” e “Brasil” tatuadas provisoriamente na palma esquerda.
Quatro anos depois, no mesmo estúdio, a imagem das palavras que o presidente Jair Bolsonaro havia rabiscado na palma – e que viralizou, principalmente por conta de uma postagem da pop star brasileira Anitta, opositora ao governo – tinha como propósito ser notada pelos anfitriões.
Segundo a jornalista Thaís Oyama, do portal UOL, as palavras “Nicarágua”, “Colômbia” e “Argentina” estavam na mão esquerda de Bolsonaro somente para fazer companhia àquela que realmente interessava: “Dario Messer”.
Messer é o mesmo que já foi considerado “o doleiro dos doleiros” e que, em delação premiada com que aquiesceu em 2020, fez uma acusação – sem apresentar provas – de que a família Marinho, proprietária da Rede Globo, fazia operações ilegais de câmbio.
A jornalista havia apurado também, com uma fonte próxima ao presidente, que Bolsonaro chegaria à Globo prevenido com “todo tipo de armamento” para o caso de, eventualmente, os arguidores, William Bonner e Renata Vasconcellos, subissem demasiadamente o tom contra o entrevistado.
A referência a Dario Messer, portanto, se enquadrava nessa estratégia e, caso fosse usada, equivaleria ao que fez o capitão em 2018, quando citou o editorial no qual Roberto Marinho defendeu a ditadura militar, o que já foi revisto, pela própria Globo, como um erro.
Ainda segundo Thaís Oyama, também para mostrar que tinha suas armas, Bolsonaro foi ao Projac não com seu marqueteiro, Duda Lima, mas acompanhado de Fábio Faria, ministro das Comunicações; Paulo Guedes, da Economia; e de Fabio Wajngarten, seu chefe de comunicação até o ano passado, quando foi demitido, mas que ainda hoje tem várias atribuições. Todos estão de alguma forma envolvidos no processo de renovação da concessão da emissora, que, por uma coincidência conveniente, expira no dia 5 de outubro. Ou seja, a Globo está com sua concessão na berlinda entre o primeiro e o segundo turno da eleição.
A renovação não seria nada além de um procedimento padrão, uma questão formal, em qualquer governo que não fosse o de Jair Bolsonaro.
O trâmite das concessões para canais abertos é conhecido. A permissão tem 15 anos de vigência. Findo o período, caso haja interesse por parte da empresa – e obviamente sempre haverá –, é preciso solicitar a renovação da permissão ao Ministério das Comunicações, o qual então leva seu parecer ao presidente, que, por sua vez, envia sua posição ao Congresso. É o Legislativo quem tem a palavra final sobre a decisão.
O problema está aí: hoje Bolsonaro possui, por meio da aliança acertada com o Centrão e pela qual entregou praticamente a chave do cofre aos parlamentares, um grande poder sobre uma questão desse tipo.
É possível imaginar que alguém ousaria cassar a concessão da Globo ou, ao menos, trabalhar para isso? É algo que beira ao realismo fantástico, tamanha é a força e a influência do conglomerado da família Marinho.
Ocorre que o País não vive tempos normais e Jair Bolsonaro está longe de poder ser considerado um gestor previsível. Mais: o presidente, por várias vezes, já deu sinais de que pode tornar mais complicada a renovação da permissão para a Globo. Como em fevereiro, quando declarou que a emissora poderia “enfrentar dificuldades” no processo. Segundo ele, precisaria estar “arrumadinha”, como relembrou a jornalista, para conseguir obter um novo contrato. O mais provável é que nada aconteça, mas só imaginar que existe um risco, ainda que baixo, de a coisa desandar mostra que os tempos atuais não são exatamente normais.
Tudo isso pode ficar ainda mais complicado – para a Globo, claro – se houver uma vitória de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) no primeiro turno. Nesse caso, os dias seguintes prometem ser desafiadores, usando aqui uma palavra eufêmica, para a democracia e as instituições, de acordo com o cenário que vem sendo construído. Alguém faça o exercício de imaginar um Bolsonaro afetado pela derrota e tendo, três dias depois, uma decisão para dar sobre a emissora que seus apoiadores – e ele próprio – consideram um esteio do “comunismo”.
A despeito de tudo isso, tanto Bonner como Renata se portaram de forma bastante combativa no encontro com Bolsonaro na segunda-feira, 22. Entre mortos e feridos, até o momento, salvaram-se todos.