A poeta americana traduziu Drummond de Andrade, João Cabral de Melo Neto, Cecília Meirelles e Helena Morley

O livro de cartas de Elizabeth Bishop contém críticas notáveis de vários autores e mostra que ela era apaixonada pelo Brasil | Foto: Jornal Opção

Elizabeth Bishop (1911-1979) estudou no Vassar College, era poeta, prosadora, tradutora e deu aulas em Harvard — uma das mais importantes universidades dos Estados Unidos. Viveu 15 anos no Brasil, entre o Rio de Janeiro e Ouro Preto, amou uma brasileira, a urbanista Lota de Macedo Soares, possivelmente sua maior paixão, e foi amiga de Carlos Lacerda (o filósofo Raymond Aron o achava inteligente “demais” — o que era virtude —, mas não sabia ocultar sua inteligência, o que seria defeito). Ao lado de Emily Dickinson e Marianne Moore, é apontada como uma das maiores poetas americanas. Quando ganhou o Pulitzer, residia nos trópicos. Ela se transformou, para os escritores brasileiros, numa ponte cultural considerável nos Steites. Ser traduzido por Elizabeth Bishop — que inclusive fazia lobby para brasileiros — não era e não é pouca coisa. Era uma big chancela.

O livro “Uma Arte” (Companhia das Letras, 792 páginas, tradução de Paulo Henriques Britto), as cartas de Elizabeth Bishop, contém várias citações sobre escritores patropis. Há opiniões idiossincráticas, por certo, como há nas cartas que escrevemos para amigos e que, certamente, não são necessariamente para publicação. Artigos, que se tornarão públicos de imediato, exigem um refinamento e certa diplomacia; cartas íntimas, não. Mesmo assim, as missivas da poeta são, no geral, excelentes. Percebe-se, de cara, uma tentativa de valorizar a arte produzida por brasileiros, que, porém, não são tratados de maneira condescendente. Há entusiasmo, mas não se perde o senso crítico.

Helena Morley-Alice Dayrell em dois tempos e seu livro célebre | Foto: Reproduções

Helena Morley

O Brasil tem um diamante lapidado nas Minas Gerais. Trata-se do livro “Vida de Menina”, de Helena Morley (pseudônimo de Alice Dayrell Brant). Traduzido por Elizabeth Bishop, o diário saiu nos Estados Unidos, em 1957, mas não se tornou best seller. Mas foi lido por figuras consagradas da cultura americana, como os poetas Robert Lowell e Marianne Moore.

Elizabeth Bishop leu “Vida de Menina” e ficou mesmerizada com a história. “Ou muito me engano ou trata-se de um verdadeiro ‘achado’ literário, uma ‘joia’ (e olhe que sou muito exigente), e merece ser conhecido fora do Brasil”. É o que diz a Paul Brooks, em julho de 1953. Helena-Alice foi apresentada à poeta americana por Manuel Bandeira. “Eu estava muito empolgada quando comecei a traduzi-lo.” U. T. Summers encantou-se com a história: era “o sonho de todo editor”.

Elizabeth Bishop: paixão pelo Brasil, ainda que sem, no geral, sentimentalismo e melodrama | Foto: Reprodução

Helena-Alice disse a Lota que ficou imensamente feliz com a operação para publicar seu livro em inglês. “A tradução está pronta. O marido da autora [Brant], porém, que tem 82 anos, creio eu, está ‘revendo’ o texto, palavra por palavra. Boa parte das correções dele estão completamente erradas, coitadinho, mas é um direito dele, e de vez em quando ele encontra um termo local, ou uma gíria antiga etc., que se não fosse ele eu jamais poderia entender.”

Quando o livro foi publicado nos Estados Unidos, Helena-Alice rapidamente perguntou para Lota: “Está dando algum resultado?” Sim, embora “bilionária” — segundo sua tradutora —, a memorialista queria dindim. Elizabeth Bishop ficou irritada: “Se algum dia eu voltar a traduzir, vou escolher alguém que esteja bem morto”.

Marianne Moore leu a introdução de Elizabeth Bishop sobre Helena Morley. Mas a poeta quase-brasileira sugere, numa carta de 1958, que a par americana lesse o livro. “A Helena é muito melhor do que qualquer introdução. (…) Estamos muito satisfeitas com a recepção que o livro tem tido — nada muito profundo, mas os críticos dos jornais parecem ter gostado”, informa a poeta. (Mais tarde, os críticos Alexandre Eulálio e Robert Schwarz escreveram ensaios de alta qualidade sobre “Vida de Menina”.)

Noutra carta, também de 1958, Elizabeth Bishop se diz contente por saber que Marianne Moore havia lido e apreciado “Vida de Menina”. “Confesso que sinto uma necessidade insaciável de ouvir elogios ao livro. (…) Uma das coisas extraordinárias deste diário, a meu ver, em comparação com outros diários de adolescentes, é que ela vê as outras pessoas como muita clareza.”

Clarice Lispector

Clarice Lispector é apontada, por Elizabeth Bishop, como uma grande contista, da linha do russo Tchekhov

Numa carta de 1962, encaminhada a Ilse e Kit Barker, comenta que só os piores escritores brasileiros haviam sido traduzidos. “Jorge Amado e [Erico] Verissimo são chatos, chatos”. Acrescenta: “Mas recomendo qualquer livro de Machado de Assis que vocês encontrarem — ele é o clássico — e um livro realmente maravilhoso, cujo nome em inglês é ‘Rebellion in the Backlands’ [‘Os Sertões’, de Euclides da Cunha] — leiam se encontrarem. Cal [Robert Lowell] fez o maior sucesso aqui porque adorou o livro e vivia comparando-o a ‘Moby Dick”.

O entusiasmo de Elizabeth Bishop dirige-se a uma escritora, hoje redescoberta nos Estados Unidos, graças, em larga medida, à biografia de Benjamin Moser, que contribuiu para divulgar sua obra. Mas quem abriu as portas foi mesmo a, digamos, poeta-“brasilianista”. “Encontrei uma escritora contemporânea de quem realmente gosto — mora na mesma rua que nós” (Bishop e Lota). “Demorei para começar a lê-la porque achava que não ia gostar, e agora constato que não apenas gosto muito dos contos dela como também gosto dela pessoalmente. Ela tem um nome maravilhoso — Clarice Lispector (é russo). Os dois ou três romances dela não me parecem tão bons, mas os contos dela são quase como as histórias que eu sempre achei que alguém devia escrever sobre o Brasil — tchekhovianas, ligeiramente sinistras e fantásticas — devo mandar algumas em breve para a ‘Encounter’. Ela tem um editor em N. Y. que está interessado, e talvez eu traduza o livro dela inteiro — jurei que nunca mais ia fazer tradução — mas quando se trata de coisas bem curtas não me incomodo, não, e acho que eu devia mesmo traduzir.”

Marianne Moore e Elizabeth Bishop: duas grandes poetas americanas | Foto: Reprodução

Registra-se, com agudo senso de observação, que Clarice Lispector “é uma mulher ossuda, clara, quanto à aparência é totalmente russa oriental — o nome da raça é ‘quirguiz’, creio eu, ou coisa parecida —  como a moça de ‘A Montanha Mágica’ [romance de Thomas Mann], imagino — mas fora isso é bem brasileira, e muito tímida. (…) A Lota também gosta dela, tanto quanto eu. (…) Na verdade, eu a acho melhor que J. L. Borges — que é bom, mas também não é essas coisas, não!”

Graciliano Ramos

A santíssima trindade da literatura brasileira, em termos de prosa, é composta de São Machado de Assis, São Graciliano Ramos (por sinal, tinha Oliveira como complemento, o que talvez não lhe soasse bem) e São João Guimarães Rosa. Elizabeth Bishop apreciava Graciliano Ramos — comunista de carteirinha, mas autor de uma literatura que não seguia a cartilha do realismo socialista —, o que sugere que não misturava arte e ideologia. Numa carta a Ashley Brown, de 1979 (ano em que morreu, o que indica que não se esqueceu de seu “segundo” país), escreveu: “Infância’ foi um dos primeiros livros que li — com dificuldade — nos meus primeiros anos no Brasil. Continuo achando que é um livro maravilhoso, e não entendo como você não conseguiu (creio que foi o que você me disse) publicá-lo nos Estados Unidos. (…) Fiquei lendo o livro, até bem tarde. Sua introdução é ótima. Você quase não fala no período em que ele passou na prisão. Outra coisa que eu li quando fui morar no Brasil é o livro dele sobre o ‘Cárcere’ — os quatro volumes — achei muitíssimo bom”. “Memórias do Cárcere” revela a vida de Graciliano Ramos, aliado do comunista Luiz Carlos Prestes, na prisão do governo de Getúlio Vargas, antes da ditadura do Estado Novo.

Graciliano Ramos examina “Vidas Secas”, seu grande romance | Foto: Reprodução

“Dei uma olhada nos meus livros para ver o que eu tenho. Curiosamente, não achei ‘Infância’  — mas tenho ‘Angústia’, e quase todos os outros — a maioria  dos livros com dedicatórias carinhosas à Lota”, relata Elizabeth Bishop. Não há referência à opus magna de Graciliano Ramos: o romance “Vidas Secas”.

Certa feita, Otávio Tarquínio de Sousa e sua mulher, Lúcia-Miguel Pereira, levaram Graciliano Ramos à casa de Lota e Elizabeth Bishop. “Não pudemos conversar muito — e eu tinha medo de falar português.” O escritor “foi extremamente simpático. Gostei muito dele, lembro”. Uma não-comunista gostar — “muito” — de um comunista?! Pois é: coisas da estética e da civilidade (artigo tão em falta, hoje, talvez devido à inflação de barbárie).

Manuel Bandeira

Procede que Elizabeth Bishop não apreciava Manuel Bandeira? Confira, por si adiante, e lembre-se que ela escreveu um poema para o bardo de Pernambuco, que, dizendo-se menor, consagrou-se entre os maiores — Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto.

Em 1953, numa carta para a poeta Marianne Moore (uma das preferidas de João Cabral de Melo Neto), Elizabeth Bishop fala de Manuel Bandeira. Menciona Huizinga, que aprecia, e relata que está “gostando muito de morar” no Brasil. “Cada vez mais.”

Carlos Drummond de Andrade, Guimarães Rosa (não citado no livro) e Manuel Bandeira: trindade pós-santa da literatura brasileira | Foto: Reprodução

“Eu já lhe contei — mas acho que não — que Manuel Bandeira, o poeta daqui no momento, um homem muito simpático de seus 65 anos — me levou para conhecer seu apartamento uma noite dessas? Embora bem menor que o seu, ele me lembrou tanto o seu que morri de saudade. Também ele instalou prateleiras — a cozinha dele é tão arrumada quanto a sua —, embora ele afirme que só sabe fazer café e um doce horrível muito popular aqui, feito com leite fervido e açúcar. (…) Os livros, os quadros, o sofá, a escrivaninha dele lembravam muito as suas coisas. Ele é muitíssimo interessado pela sua poesia e creio que a entende bem por que as traduções dele que já vi são excelentes — embora ele se recuse a falar uma palavra que seja em inglês”, diz Elizabeth Bishop a Marianne Moore.

Os poetas, segundo Elizabeth Bishop, tinham mais importância no Brasil do que nos Estados Unidos (o que reforça a “tese” de que somos os russos dos trópicos). Ela conta que Manuel Bandeira queixou-se — em versos — à Prefeitura do Rio de Janeiro de um pátio cheio de lixo. Pois alguém respondeu “com um lindo poema” e o problema foi resolvido.

Elizabeth Bishop e o poeta Robert Lowell, seu grande amigo | Foto: Reprodução

A Pearl Kazin, revela que Manuel Bandeira tinha uma amante holandesa, madame Blank, e que lhe dera uma rede. “Preciso levar o Brasil mais a sério e aprender direito o diabo desta língua. Preciso decidir que atitude vou assumir em relação ao país se vou ficar morando aqui para sempre. Como país, acho que o Brasil não tem saída — não é trágico como o México, não, mas apenas letárgico, egoísta, meio autocomplacente, meio maluco.” Informa que “os Estados Unidos estão vivendo uma crise moral terrível no momento”. Afirma que Rui Barbosa e Carlos Lacerda eram honestos. Mas Lacerda, frisa, “tem um ego grande demais”.

Quando a poeta ganhou o Pulitzer, maior honraria cultural americana, Manuel Bandeira publicou um texto, “Parabéns, Elizabeth”. Um verdureiro ficou contente com o Pulitzer para “dona Elizabeth”, mas, a rigor, não sabia do que se tratava, pois disse que outra cliente havia ganhado outro prêmio, uma bicicleta.

Ashley Brown recebe uma missiva na qual Elizabeth Bishop relata que está traduzindo poetas brasileiros, como Manuel Bandeira e João Cabral de Melo Neto.

Elizabeth Bishop (à direita, em pé) com Marianne Moore, W. H. Auden, Tennessee Williams, Gore Vidal, entre outros | Foto: Reprodução

Robert Lowell fica sabendo, em 1962: “Gosto de Drummond […] mais que de Bandeira, eu acho. Não o conheço. Eu e o Bandeira chegamos a ficar razoavelmente amigos uma época — eu costumava fazer geleia de casca de laranja para ele — mas nossa amizade foi se espaçando”.

Na mesma carta a Robert Lowell, Elizabeth Bishop postula que o poeta Jorge de Lima “era um médico louco — pintava e escrevia no consultório”. “Alguns de seus textos surrealistas são muito bons.” Em 1962, admite que apreciou frases de uma escritora “primitiva” brasileira, Carolina de Jesus: “Ele é um repórter poliglota. Ele conhece os continentes”. “Quero usá-las”, sublinha a poeta.

Keith B. “queixou-se das ‘lacunas’ na formação dos brasileiros, nas áreas de economia, literatura etc. — concordei, mas disse que eles — pelo menos a geração mais velha e a de meia-idade — tinham uma sólida base de francês, todos conheciam Racine etc. — a Lota, aliás, foi educada em francês — e nisso eles dão banho na gente. (…) O Keith B. pediu ao Bandeira para traduzir alguns poemas seus. (…) O Bandeira achou difícil demais”, pontua Elizabeth Bishop em carta a Robert Lowell. Ela acrescenta que os brasileiros liam Frost, Edna St. Vincent Millay, Emily Dickinson, Pound, e. e. cummings, Eliot. “Wallace Stevens, conhecem vagamente, e da Marianne [Moore] nunca ouviram falar.” Antes, ela havia dito que Manuel Bandeira lia sua poesia.

Julieta Drummond e Carlos Drummond de Andrade: a filha escritora e o pai, maior poeta brasileiro | Foto: Reprodução

Drummond de Andrade

Carlos Drummond de Andrade, maior poeta brasileiro, só tem um rival, o vice-campeão João Cabral de Melo Neto (talvez o T. S. Eliot brasileiro). Escrevendo para Ashley Brown, Elizabeth Bishop não se furta a pedir emprego para o brasileiro Ricardo Sternberg, que estava escrevendo uma tese de doutorado sobre Drummond de Andrade, em Harvard. “Saiu uma tradução horrível de Drummond de Andrade no último número da ‘American Poetry Review.”

May Swenson recebe informações, em 1963, sobre o poeta itabirano. Ela traduz um trecho do poema “A Máquina do Mundo”: “Mundo mundo vasto mundo/ Se eu me chamasse Raimundo/ Seria uma rima, não seria uma solução./ Mundo mundo vasto mundo,/ Mais vasto é meu coração”. “Isto”, escreve Elizabeth Bishop, “é de um poema que eu gosto do meu poeta brasileiro favorito, creio eu — Carlos Drummond de Andrade. (…) Vou pedir que publiquem ‘Mundo mundo vasto mundo’ em português, como nota de rodapé — para se ver como eu mutilei o original”.

Lota de Macedo Soares (brasileira nascida em Paris), urbanista, foi a grande paixão de Elizabeth Bishop | Foto: Reprodução

Em junho de 1963, Elizabeth Bishop envia carta para Drummond de Andrade com a tradução de um poema de sua autoria e pede que a examine. “Espero que o senhor confie em mim quando lhe digo que em inglês o poema é muito comovente, tanto quanto em português. A tradução está bem literal — fora umas liberdades mínimas referentes à pontuação, omissão de ‘e’ etc., para conservar a métrica. (…) Se houver qualquer coisa que não lhe agradar, por favor me diga — e se não gostar de nada, pode dizer também!”

A poeta informa a Drummond de Andrade que “uma revista (americana)” havia convidado-a “para traduzir poemas brasileiros”. Trata-se da “Poetry”, de Chicago. “No momento, estou traduzindo ‘A mesa’ — é muito mais difícil, naturalmente, mas é um dos meus favoritos. Tentei também trabalhar com alguns dos mais curtos, rimados — são quase impossíveis, é claro, por causa das rimas — mas minha intenção é dar ao leitor uma visão geral da sua poesia, se possível — e vou redigir uma nota explicando as deficiências das traduções. Segundo me dizem, o senhor é ‘tímido’ com desconhecidos — infelizmente eu também sou, e além disso falo mal o português”.

Elizabeth Bishop no Brasil com um de seus gatos (um deles tinha o nome de Tobias) | Foto: Reprodução

Noutra carta, de agosto de 1963, Elizabeth Bishop informa a Drummond que traduziu seu poema “Viagem na família”. “É claro que se perde uma infinidade de coisas em termos de musicalidade, conotações etc. — mas assim mesmo saiu um bom poema em inglês.”

Robert Lowell, conta Elizabeth Bishop para Drummond de Andrade, apreciou o poema “A Mesa”. A poeta reconhece que as versões de “Poema de sete faces” e “Não se mate” não ficaram boas. “Eles são quase intraduzíveis. Porém, se o sr. aprovar, eu os mando para ‘Poetry’ também, para dar ao leitor americano uma visão geral mais completa da sua poesia. (Às vezes recito esta estrofe para mim mesma, quando estou triste.) ‘Não se mate’ saiu melhor. O ‘verso livre’, como certamente o sr. sabe tão bem quando eu, ou melhor, tem que sofrer                         várias mudanças para funcionar direito — quer dizer, em termos sonoros — ou em termos de sensibilidade — em outro idioma. (…) Creio que vou deixar a dedicatória para o Rodrigo [Melo Franco de Andrade], e talvez explique quem ele é, também — pois gosto tanto dele que quero mencioná-lo.”

Em abril de 1969, Elizabeth Bishop escreve para May Swenson: “Ele [Drummond de Andrade] é um poeta bom, estranho, seco — é uma pena ele não ser conhecido fora do Brasil”. Em 1969, informa a Drummond de Andrade que “A Mesa” havia sido publicado na prestigiosa “New York Review of Books”. O vate mineiro recebeu 100 dólares. “O poema foi muito admirado. No momento estou ajudando a organizar uma antologia de poesia brasileira, e este poema será utilizado, é claro — português numa página, inglês en face”.

Em carta de maio de 1969, Elizabeth Bishop anota que adorou saber que Drummond de Andrade gostou da tradução do “lindo poema ‘A Mesa’”. Em leituras feitas nos Estados Unidos, a poeta informa que “‘Viagem na família’ foi ouvido com muito interesse”. Ela lamenta o fato de que o poeta não quis ler seus poemas nos Estados Unidos.

João Cabral de Melo Neto: poeta que Elizabeth Bishop admirava | Foto: Reprodução

João Cabral de Melo Neto

Tido como o mais “cerebral” dos bardos brasileiros, com seus poemas expurgados de sentimentalismos — espécie de Graciliano Ramos da poesia —, a arte de João Cabral de Melo agradava a Elizabeth Bishop. A poeta agradece a Ashley Brown por ter aceitado que mexesse numa tradução de uma poema de João Cabral. “É um poema muito difícil.”

Robert Lowell recebe carta, em 1958, que versa, longamente, sobre João Cabral: “Ele é diplomata (como todos os poetas latino-americanos) e sua carreira ia de vento em popa quando, alguns anos atrás, foi acusado  de ser comunista — até onde sei, a acusação é totalmente infundada, mas provavelmente ele era simpatizante — pelo menos a poesia dele é a única que conheço no Brasil que demonstra verdadeira simpatia, e que tematiza os pobres — os retirantes, e alguns dos poemas dele são muito bons. (…) Ele não é muito bonito — aliás, é um típico nortista [i. e., nordestino] — meio desleixado, raquítico, cheio de verrugas — gerações de clima quente e má alimentação — mas é realmente encantador e inteligente, e um grande admirador seu”.

Em outubro de 1960, volta a escrever para Robert Lowell sobre João Cabral. Diz que planeja traduzi-lo para a “Poetry”. “Ele é o único de quem eu realmente gosto muito — mas os [poemas] dele não ficam muito bons em inglês — muito compridos. Ah, essas línguas latinas exuberantes, tão cheias de assonâncias — parece que a pessoa é tentada a se esparramar mais e mais”.

Cecília Meirelles: poeta brasileira traduzida por Elizabeth Bishop | Foto: Reprodução

Cecília Meirelles

Cecília Meirelles é uma grande poeta? Não há a mínima dúvida. Talvez mais moderna do que aparenta à primeira vista — e moderna numa dimensão diversa de outros poetas. Ela trilhou caminhos próprios, não repetindo outras vates. É menos convencional do que parece, talvez devido à sua dicção que, embora moderna, parece antiquada (sem ser pomposa). Tanto que, numa carta para Robert Lowell, de 1962, Elizabeth Bishop escreve: “Cecília Meirelles, que é antiquada, mas muito boa, lembra a Louise Bogan da primeira fase, no que ela tem de melhor”. Cinquenta e sete anos depois, com uma fortuna crítica mais avantajada, o termo “refinada” tende a substituir “antiquada”.

“A coisa mais engraçada que descobri é que em Belém, veja só, a poesia americana é muito mais conhecida e estimada do que aqui no Rio — em parte porque é bem mais perto dos Estados Unidos, e em parte porque um poeta chamado Robert Pack (creio eu) viveu lá, não sei por quê, por dois ou três na anos”, diz Elizabeth Bishop. Mário Faustino, que morreu em 1962, aos 32 anos, morou em Belém. E lá, durante anos, pontificou o grande crítico Benedito Nunes. Clarice Lispector residiu na cidade.

O concretismo de Haroldo de Campos, Décio Pignatari e Augusto de Campos (o único vivo, com 88 anos) fez sucesso e quase se tornou uma camisa de força para a poesia brasileira. Até Manuel Bandeira e João Cabral aproximaram-se dos concretistas — que tendiam a tentar ser “mestres” dos poetas do presente e, estranho, até do passado. Elizabeth Bishop fala mal do “neoconcretismo” (a turma ligada ao poeta Ferreira Gullar?). Ela escreve para Robert Lowell, em 1962: “Vão lhe mostrar uma coisa horrível chamada neoconcretismo — puro Paris anos 20. É este o problema — são tão provincianos, os jovens saem pela tangente e fazem redescobertas inúteis — e os velhos se acomodam com muita facilidade”.

Vinicius de Moraes: poeta, compositor e diplomata | Foto: Reprodução

Vinicius de Moraes

O poeta e compositor Vinicius de Moraes “é”, segundo Elizabeth Bishop, “uma pessoa do tipo de Dylan Thomas, todos se aproveitam dele”. Ela diz que o brasileiro tem um poema sobre a mulher que é “muito bom, engraçado”. Frisa que vai tentar traduzir o “Soneto de intimidade”. Adiante, informa que o traduziu. “Eu acho bem engraçado.”

Se Elizabeth Bishop não se interessava pelo Brasil, nem Cupido saberá dizer alguma cosita más. A poeta era, de certa maneira, apaixonada pelo país — o que aparece relativamente disfarçado, dado o jeito distanciado de relatar as histórias.

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