Eleições de 2018 no Brasil e a fragilidade da democracia

04 outubro 2018 às 12h18

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A humanidade jamais se livrará do retorno, ou da presença, da tendência de destruição que, neste momento em que vivemos, se assoma nas pesquisas eleitorais

Cristiano Pimenta
A possibilidade de um futuro sinistro está diante de nós nestas eleições. Não é difícil relacionar a trajetória de Adolf Hitler (1889-1945), o líder nazista, com nosso candidato que agora domina as pesquisas eleitorais. Das várias correlações que vem sendo feitas entre o ditador da Alemanha e o candidato brasileiro, uma me chama a atenção: a determinação em destruir quem lhe é contrário no conflito social. Trago na memória, de um dos textos que li, as palavras do líder nazista dirigida ao povo num comício ainda antes de ascender ao poder: “Nossos inimigos, caros senhores, dizem que nosso objetivo final é o de destruir qualquer um que se coloque contra nós. Pois bem, caros senhores, digo que nosso objetivo é exatamente este!”. Ora, este é exatamente o ponto que nosso candidato tupiniquim sempre deixou claro em sua trajetória política, mas que agora, às vésperas da eleição, tenta disfarçar, o de que a solução requer que o inimigo seja “metralhado”, eliminado.

E não encontraríamos aí um traço essencial que define uma ditadura, seja de direita ou de esquerda? Qual seja, a não aceitação do conflito social, a tentativa de legalização do domínio de um só lado. É, portanto, a pretensão de um grupo de ser o único a dominar, de não aceitar a divisão de poderes. A premissa de uma ditadura é não negociar, mas sim, fuzilar o inimigo. Documentos dos Estados Unidos sobre a ditadura no Brasil — recentemente divulgados pelo pesquisador brasileiro Matias Spektor — o confirmam.
Ao contrário, se um setor da sociedade, um partido político por exemplo, reconhece que precisa negociar com os outros detentores de poder para realizar seus projetos, ele reconhece, concomitantemente, sua fraqueza, sua falta, sua insuficiência de poder. Reconhece que o outro também tem poder e que é legítimo que o tenha.

Por outro lado, não sejamos ingênuos, para ter voz na democracia, para ter direitos reais e não meramente formais, é preciso ter poder, mesmo que este poder venha de um outro. A Constituição é prenhe de direitos que não se realizam na vida concreta. Isso, todavia, não anula a existência da democracia, na medida em que esta, tal como a definimos aqui, implica a permissão, a legitimação, dos conflitos entre os setores que detêm algum poder. A democracia legitima a possibilidade dos setores da sociedade se organizarem (vir a ter poder) e lutarem por seus direitos e interesses.
Já a perspectiva de uma ditadura odeia toda e qualquer organização social, salvo aquelas que lhe dão apoio. A perspectiva da ditadura deseja colocar todos os “corruptos, os vagabundos, os bandidos” no paredão de fuzilamento. Isto será feito, naturalmente, para o bem dos bons, dos honestos, dos trabalhadores. Mas quem está advertido deste conto do vigário sabe que a regra que define o ser bom é, no fundo, fazer coro, fazer “Um”, fazer rebanho.

Neste sentido, a noção antes propagada pelas esquerdas de “ditadura do povo” — ou “ditadura do proletariado” — é, no fundo, uma impossibilidade. É uma impossibilidade não apenas por que, como o demonstram os casos em que se tentou sua realização, é sempre um grupo de privilegiados que estará no poder, mas também porque a própria noção de povo não pode ser definida de forma homogênea de modo que se saiba quais são seus interesses. O “povo” enquanto um todo homogêneo, enquanto Um, é uma abstração, não existe no real. A dimensão do povo só pode ser pensada como uma dimensão em si mesma heterogênea, conflituosa, atravessada pela pulsão de morte. Atravessada pela tendência irresistível de autodestruição. Não há dúvida de que cada ser humano carrega o “dom” de ser “capaz” de uma certa destruição.
Neste momento, a destruição de que se trata é a da democracia. E a maior fragilidade da democracia reside no fato de que abre a possibilidade de que sua própria destruição se inicie pela forma legitimada do voto. Pois, na democracia, o agente destruidor é considerado, não propriamente um agente destruidor da democracia, mas apenas uma das partes que disputam o poder.
A humanidade jamais se livrará do retorno, ou da presença, desta tendência de destruição que neste momento em que vivemos, se assoma nas pesquisas eleitorais. E se nos perguntarmos o que animaria este eleitorado que é capaz de exaltar a mediocridade em pessoa, respondemos com a hipótese de que muitos são pessoas que levaram bem longe a destruição em si mesmos daquelas tendências que se mostravam como “o que não convém”. Muitos, para fazer referência ao poeta e cantor, já “metralharam” em si mesmos “o que dá dentro da gente e que não devia”.
Cristiano Pimenta é graduado em filosofia (USP), mestre em Psicologia Clínica (UNB) e é membro da Escola Brasileira de Psicanálise e da Associação Mundial de Psicanálise.
Referências
EVANS, R. J. A Chegada do Terceiro Reich. Tradução de Lúcia Brito. São Paulo: Planeta, 2016.
FREUD, S. (1983-1985) Moral Sexual “Civilizada” e Doença Nervosa Moderna. Em: Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, v. IX. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
LACAN, J. O Seminário, livro 17: O Avesso da Psicanálise (1969-1970). Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 1992.
MILLER, J.-A. El Outro que no Existe y Sus Comités de Ética (2005-2006). En colaboración de Éric Laurent. 1ª. Ed. Buenos Aires: Paidós, 2005.