Doutora por Oxford diz que reduzir pobreza passa por renda mínima e educação
23 maio 2022 às 09h45
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O novo contrato social deve garantir a todos uma renda mínima, direito à educação, um pacote básico de saúde e proteção contra a pobreza na velhice
Vilmar Rocha
Especial para o Jornal Opção
Em meio ao furacão de proporções mundiais provocado pela pandemia de Covid-19, cujas repercussões ainda não foram completamente estimadas, a economista Minouche Shafik lançou o livro “Cuidar Uns dos Outros — Um Novo Contrato Social” (Intrínseca, 336 páginas, tradução de Paula Diniz), que trata da necessidade de se criar um novo contrato social em razão do rompimento do atual, provocado principalmente pelas mudanças tecnológicas e demográficas.
De início, chama a atenção em particular o fato de uma economista diretora de uma das mais conceituadas escolas de economia do mundo projetar o futuro não a partir de estatísticas e números, mas voltando seu olhar para as pessoas, seus desejos e frustrações.
Logo no prefácio, a diretora da London School of Economics and Political Science aponta caminhos para essa mudança que considera inevitável, e no cerne de todas as soluções apresentadas está a interdependência. “A pandemia revelou o quanto dependemos uns dos outros para sobreviver.”
Graduada em Economia pela Universidade de Massachusetts, com mestrado na London School of Economics e doutorado em Oxford, Shafik nasceu no Egito e emigrou ainda na infância para os Estados Unidos e depois para o Reino Unido. Foi a mais jovem vice-presidente do Banco Mundial, aos 36 anos, e ocupou cargos de direção no Fundo Monetário Internacional, no Departamento de Desenvolvimento Internacional do Reino Unido e no Banco da Inglaterra. Ao longo do livro, relata experiências à frente desses organismos, mas é na pesquisa acadêmica realizadas em países diversos entre si que ela sustenta suas teses.
“Cuidar Uns dos Outros — Um Novo Contrato Social” aponta uma série de sugestões para que os governos promovam o desenvolvimento econômico e reduzam as desigualdades. Entre elas, defende a criação de uma renda mínima para as pessoas em situação de pobreza, mas também insiste na necessidade de se investir em educação como o caminho principal para vencer os desequilíbrios sociais e econômicos.
O livro é estruturado com base no que a autora considera ser “os principais elementos do contrato social do berço ao túmulo”, e cada capítulo aborda uma dessas fases: criação dos filhos; educação, saúde, trabalho, exigências da velhice e os conflitos geracionais.
No primeiro capítulo, ao definir o que vem a ser contrato social, a partir de modelos defendidos por pensadores como Thomas Hobbes, John Locke, Jean-Jacques Rousseau, Adam Smith e John Rawls, Minouche Shafik apresenta seu próprio conceito: “As normas e regras que estabelecem como essas instituições coletivas operam”, sendo essas instituições os sistemas político e jurídico, a economia e a forma como a vida familiar e a comunidade estão organizadas e que ele requer consentimento da maioria e uma renegociação periódica, “à medida que as circunstâncias mudam”.
Há diferentes abordagens sobre o objetivo do contrato social desde a desenvolvida dentro da economia clássica do bem-estar social no fim do século XIX, que defende a maximização da satisfação dos indivíduos. A autora deixa claro que, em sua visão, “o objetivo do contrato social deve ser determinado pela sociedade e deve considerar uma ampla gama de medidas, incluindo renda e bem-estar social subjetivo, bem como medidas de capacidade, oportunidade e liberdade”.
Um sinal de que o atual contrato social precisa ser renovado é a decepção das pessoas com o que ele oferece. “Esse livro tenta chegar às causas básicas dessa decepação pelas lentes do contrato social”, assinala a scholar. Uma das causas dessa frustração está nas oportunidades que os países oferecem aos seus cidadãos de melhorar de vida ao longo do tempo, que estão baixas ou diminuíram nos últimos tempos.
Segundo a autora, no passado, grandes turbulências ensejaram a redefinição dos contratos sociais: a Grande Depressão, as guerras mundiais e longos períodos de recessão e inflação. Hoje, ela aponta como “termômetro de que um novo contrato social é necessário” a ascensão do populismo; a reação contra a globalização e a tecnologia; as consequências da crise de 2008 e a pandemia de coronavírus; as guerras culturais em torno do papel da mulher; o racismo e os protestos contra mudança climática. “No fim do século XX, a evolução da tecnologia e a mudança no papel das mulheres foram as duas principais fontes de depressão sobre o contrato social existente.”
A esses dois fatores principais, Minouche acrescenta o aumento da expectativa de vida, a inteligência artificial e a automação e as mudanças climáticas. E coube à pandemia tornar as fissuras do atual contrato social evidentes.
Novo contrato social: “que diga respeito menos sobre ‘eu’ e mais sobre ‘nós’, que reconheça nossa interdependência e a use em benefício mútuo”
A autora adianta que não há respostas certas nesse processo de construção de um novo contrato social, mas ela defende três princípios gerais: garantia de um mínimo para alcançar uma vida decente; que todos contribuam o quanto puderem e que tenham o máximo de oportunidades; e proteção mínimas em torno de alguns riscos, como doença, desemprego e velhice.
Três pontos que ela aborda considero inovadores e até inéditos: a responsabilidade pela cuidados com as crianças, a educação dos mais velhos e a inclusão dos jovens na definição da pauta política.
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No capítulo intitulado “Filho”, Minouche afirma que em um novo contrato social “o cuidado com a criança não pode ser tratado como trabalho não remunerado, mas deve se tornar uma parte essencial de nossa infraestrutura social”. A responsabilidade da nutrição, estimulação mental e desenvolvimento social e emocional, principalmente na primeira fase da vida da criança não pode ser apenas da família. “O desenvolvimento deficiente na primeira infância tem consequências por toda vida, tanto para as crianças quanto para o desenvolvimento econômico e social de um país.”
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Ela também aponta a necessidade de se investir no aprendizado ao longo da vida, haja vista que as carreiras durarão de 50 a 60 anos e a tecnologia em constante e rápida mutação transformará a natureza do trabalho que precisa ser feito.
A velhice, tratada no capítulo seis do livro, impõe ao contrato social um novo desafio porque a idade de aposentadoria tem aumentado mais devagar que a expectativa de vida. Segundo estimativas, ela aponta, nas economias avançadas, a proporção entre pessoas em idade produtiva e idosos deve ser de um para um nos próximos 50 anos. Ao mesmo tempo que a população envelhece, as famílias têm menos filhos.
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No capítulo que trata das tensões entre as gerações, Minouche ressalta que historicamente as decisões que podem afetar as novas gerações são tomadas por aqueles que não viverão para experimentá-las. Sendo assim, seria necessário ampliar a voz dos jovens para que eles possam defender os interesses das gerações futuras.
No último capítulo, a autora resume a arquitetura do novo contrato social: “que diga respeito menos sobre ‘eu’ e mais sobre ‘nós’, que reconheça nossa interdependência e a use em benefício mútuo”. O que significa seguridade social para todos, investimento máximo em capacitação e compartilhamento de riscos justo e eficiente. O novo contrato social deve garantir a todos uma renda mínima, direito à educação, um pacote básico de saúde e proteção contra a pobreza na velhice.
A evolução do contrato social depende, entre outras coisas, das oportunidades criadas pelas crises. Nesse sentido, a pandemia é para a autora um momento de oportunidade para realizar mudanças.
Por fim, ela destaca um trecho do relatório Beveridge, publicado 1942 e que influenciou a fundação do Estado de bem-estar social no Reino Unido, no qual se afirma que “a liberdade de desejar não pode ser forçada em uma democracia ou concedida a ela. Deve ser conquistada. É preciso coragem, fé e sentimento de unidade nacional para conquistá-la”.
Nosso desafio está posto.
Vilmar Rocha foi deputado federal e é presidente do PSD em Goiás.