O hoje presidente Jair Bolsonaro (PL) teve de deixar o País após descoberta de que seria alvo de um atentado planejado pelo ministro Alexandre de Moraes e que seria executado pelo grupo criminoso PCC. Sim, Moraes e o PCC estariam mancomunados para assassinar o então mandatário. Essa é a história que a jornalista Marina Dias – que já foi correspondente da Folha de S.Paulo nos Estados Unidos e trabalha para o Washington Post – estava ouvindo de uma bolsonarista, pouco antes do humor da turma ao redor se revelar e ela ser agredida pelo grupo, ao ponto de temer que fosse ser linchada.

A abordagem se deu na Esplanada dos Ministérios, quando o vandalismo já tinha tomado a Praça dos Três Poderes no domingo, 8, e é apenas um dos muitos episódios que envolveram agressão a profissionais da imprensa durante toda a selvageria ocorrida. Marina Dias relatou como passou de profissional fazendo seu trabalho a vítima da fúria dos golpistas ao podcast Foro de Teresina, um dos canais mais populares do YouTube sobre análise política, na sexta-feira,13.

“Todo jornalista sabe que esses protestos não são triviais, essas pessoas não são manifestantes comuns, então ficamos sempre com muita cautela ao cobrir. A gente não se identifica nem anda com identificação. No caso de nós, ‘repórteres de texto’, a gente se consegue ‘camuflar’”, explicou.

Marina procurou se prevenir para passar como anônima. Pôs uma camisa amarela, calça jeans, bolsa, óculos e apenas um celular nas mãos. Desceu para a Esplanada dos Ministérios por volta das 17h30, observando e procurando filmar e fotografar, “sentindo o clima”.

E o clima estava pesado. Os manifestantes que se encontravam por ali, segundo ela, mais assistiam, de longe, ao que estava acontecendo na área do Congresso Nacional. “A partir das 18h30, a tropa de choque chegou lá. Helicópteros começaram a lançar bombas de gás e começou uma correria”.

Foi pouco depois que Marina Dias resolveu abordar uma senhora de roupa camuflada que estava enrolada na bandeira do Brasil, dizendo que Lula estava decretando intervenção federal. A repórter sentiu que teve sucesso na abordagem quando – fato raro entre bolsonaristas – a senhora, com muita educação, se dispôs a conceder entrevista, mas que esconderia o rosto atrás da bandeira.

Marina disse que só gravaria o áudio. “Fiz duas perguntas, a primeira sobre por que ela estava ali. ‘Contra o governo Lula, contra o socialismo que o Lula vai implementar’, a senhora respondeu. E por que estava ali no domingo?”. Ali já houve o primeiro espasmo agressivo, por parte de um homem que estava perto: “Não interessa”, respondeu ele por conta própria. A senhora disse, da parte dela, que estava há 60 dias acampada em frente ao quartel do Exército em Brasília.

E foi aí que a bolsonarista relatou a elucubração sobre o ex-presidente, o ministro do STF e a organização criminosa. “Fiquei sabendo que Bolsonaro precisou sair do Brasil porque há um plano do Xandão de mandar o PCC matar o Bolsonaro.” E que era por isso que ela estava ali: “Porque esse governo não é do Lula. Esse governo é do Bolsonaro.”

A jornalista tentou engatar mais uma pergunta: “E a sra. ouviu alguma coisa sobre a invasão do Capitólio?”. Não deu tempo de ela responder. Segundo Marina, um sujeito chegou por trás e ordenou “não responde, essa mulher é jornalista de esquerda!”, ao mesmo tempo gritando muito e apontando a mão para a repórter. “Foi bem violento”, lembra.

Em pouco tempo, ela estava cercada de pessoas que se atentaram para a cena, certamente com cara de poucos amigos. Ela diz que, então pode ter cometido um erro: movimentos bruscos diante de feras. “Comecei a correr na direção do Ministério da Defesa. Eu estava perto, me passaram uma rasteira, caí no chão, comecei a ser chutada, puxaram meu cabelo, fui arranhada, tiraram meus óculos e os quebraram”.

Jogada ao solo e sem chance de reação, Marina ainda escutou, naquele momento uma mulher falando “tem que matar ela”. Um golpista menos insano falou, no entanto, que acabariam mesmo matando a jornalista e que isso iria “estragar o movimento”. Foi quando alguns a levantaram e, ainda assim, diz, algumas mulheres continuavam a agarrá-la e a arranhá-la. “Era um ódio assim, puro.”

Um grupamento militar chegou ao local, os homens soltaram uma bomba e ela foi enfim resgatada e levada para o Ministério da Defesa, em ambiente seguro. “Já cobri manifestações, passei por momentos de tensão, já fiquei assustada, mas naquela hora eu pensei que seria linchada, que algo horrível aconteceria”, disse Marina, durante o podcast.

O saldo: roxos pelo corpo, arranhões, unhadas. Muita dor por conta da queda, além de braço e pé inchados, também. E uma noite de sono não dormida. mesmo quem não estava com ânimo agressivo

O caso de Marina Dias, bem como o de outros 12 profissionais de comunicação, serão investigados pela Secretaria de Comunicação do governo federal, que abriu canal para denúncias de agressão contra jornalistas.

Como a própria jornalista conclui: “Nem é sobre mim, mas sobre o ódio que essas pessoas têm dos jornalistas, das instituições. Tudo o que fizeram em Brasília é o resumo desses anos de fake news, alimentados por dieta de muito tempo de teorias da conspiração.”