Os Estados vão arrecadar 5 bilhões, garante o decano dos economistas brasileiros. Ele diz que Dilma Rousseff é “honesta” mas “trapalhona”

O economista Delfim Netto [foto da revista “Veja”], de 87 anos, é uma das cabeças mais notáveis do país. Na ditadura, atuou como figura de proa na área fazendária. Ficou mais conhecido por sugerir que o bolo só deveria ser repartido após seu crescimento. Noutras palavras, não há desenvolvimento sem crescimento econômico. Nos governos do PT, muito mais do que nos governos tucanos, tornou-se uma referência do ex-presidente Lula da Silva e da presidente Dilma Rousseff. Funciona como uma espécie de consultor privilegiado e, acredita-se, não remunerado. Numa edição recente da revista “Época”, ele concedeu uma entrevista — “A Dilma tem de montar seu governo de novo” — que merece debate entre os próceres nacionais. Ele conversou com os repórteres Vinicius Gorczeski e Guilherme Evelin.

A Standard & Poor’s rebaixou a nota de crédito do Brasil, o que provocou uma polvorosa no governo da presidente Dilma Rousseff. Inquirido sobre o assunto, Delfim Neto sublinha que a decisão “generaliza no mundo a ideia de que o país é muito mal administrado. Tem outro problema. O rebaixamento não será corrigido no curto prazo. Quando um país é rebaixado, demora-se anos para que ele recupere de volta o selo de bom pagador, o que só ocorre quando ele prova realmente que mudou sua política econômica. No fundo, isso tem de ser interpretado como uma verdadeira lição. O Brasil foi reprovado”.

Uma parte do PT reprova a permanência de Joaquim Levy [foto acima, da Agência Brasil] no Ministério da Fazenda. Ele seria “liberal demais”, até “neoliberal”. A decisão da Standard & Poor’s, na opinião de Delfim Netto, prova que “quem tinha razão era o [Joaquim] Levy. Ele trabalhou muito na direção de evitar o rebaixamento. O grande drama dessa história toda foi a remessa do Orçamento de 2016 com o déficit de R$ 30 bilhões. Foi uma demonstração de que o Brasil não quer e não está disposto a cortar despesa nenhuma, mesmo, e ponto final”.

Joaquim Levy está há quase um ano no Ministério da Fazenda e seu plano de ajuste ainda não apresentou resultados. Delfim Netto sugere que o motivo é que “as despesas do governo não diminuíram”, apesar das ações do ministro. “A ideia de que tem de continuar gastando terminou por causa do avanço da relação da dívida sobre o PIB. Não adianta brincar com uma dívida pública que veio de 53% do PIB para 70% do PIB. Não podemos deixar que ela atinja os 80%. Porque não vai ter mais para quem vender papéis. (…) Tudo isso é de uma irresponsabilidade mortal e é produto de o Poder Executivo ter perdido sua liderança e seu protagonismo. Ele deveria estar enchendo o Congresso com bons projetos e boas propostas de mudanças, porque, se você não restabelecer o mínimo de confiança de que começaremos a crescer, nenhum ajuste fiscal dará certo”.

Não será fácil a presidente Dilma Rousseff [foto acima, da Agência Brasil] retomar o protagonismo, na avaliação de Delfim Netto. “Visivelmente, ela não tem um plano estratégico apoiado por medidas táticas. Assisti a uma coisa espantosa. O governo está esperando sugestões de fora para dentro, porque se apresentar sugestões de dentro para fora nada acontecerá”, afirma. “A Dilma tem de montar seu governo de novo.”

Petistas (sobretudo Lula da Silva) e peemedebistas dizem, sobretudo nos bastidores, que Dilma Rousseff não admite os erros que cometeu e não faz mea culpa. “Ela nunca se convenceu de que estava errada. O Levy não está dando certo porque ele é um ministro sombra. A ministra é ela. O que o Levy faz, ele tem objeção dentro do governo mesmo. Porque não há convicção no governo de que aquela é a solução”, assinala Delfim Netto.

O Palácio do Planalto é um autêntico serpentário, na avaliação de Delfim Netto. “Lá, tem cascavel, jararaca e muçurana, que é cobra que come outra cobra, venenosa.” As “cobras”, que não são “os cobras”, não deixam Dilma Rousseff perceber o quadro real da economia e, com a adulação, reforçam sua vaidade de mulher poderosa e que raramente pode ser contestada.

Para muitos, vincular gastos com educação e saúde foi fundamental para melhorar os dois setores. Delfim Netto avalia que o quadro precisa mudar. “O Brasil está no piloto automático rumo ao precipício. Mesmo que o Executivo fosse virtuosíssimo, ele tem controle apenas sobre 8% do dispêndio. A coisa mais grave da Constituição são as vinculações. (…) Vincular gastos de educação e de saúde na Constituição significa que as prioridades nunca mudarão. O Congresso nunca entendeu que a vinculação é a destruição do próprio Congresso.”

A Cide e a reeleição

Assim como Joaquim Levy, Delfim Neto é favorável ao aumento da Cide. “Aumentar a Cide é uma medida esperta porque basta um decreto. Na arrecadação, isso dará um impacto de R$ 15 bilhões, metade do atual buraco. E nos Estados a arrecadação é da ordem de R$ 5 bilhões. É um imposto na direção certa porque produz emprego, aumenta os investimentos, diminui a emissão de poluentes no planeta. Qual a objeção? Terá inflação, mas não passa de 0,8% ou 0,9%”, afirma o decano dos economistas.

Numa entrevista ao “Estadão”, posterior à da “Época”, Delfim Netto chamou Dilma Rousseff de “trapalhona”, o que não é muito de seu feitio, até porque, durante algum tempo, foi considerado uma espécie de conselheiro da corte petista, notadamente de Lula da Silva e, em menor escala, da petista-chefe. Os repórteres da revista perguntam: “Por passou a ser crítico?”

Delfim Netto assinala que Dilma Rousseff “perdeu o senso administrativo. Ela se assustou quando percebeu que havia, no fim de 2011, sinais claros de que o crescimento estava afundando. Aí, pôs os pés pelas mãos. Fez uma intervencionismo exagerado, uma prepotência terrível. (…) O governo fez déficit público, depositou os recursos públicos no BNDES, e o banco pagava dividendos para o Tesouro. Transformou a dívida pública em superávit primário. Pensei que não havia mais nada a fazer. Era irremediável. Você não pode violar as regras da contabilidade nacional. Cada vez que tenta fazer isso, dá com os burros n’água. E, em 2014, a economia afundou. Em um ano, o déficit nominal passou de 3% para 6% do PIB, o superávit primário de 1,8% do PIB virou um déficit primário de 0,6%, e a dívida pública subiu 6 pontos. Foi um desastre”. Como diria o economista Jeferson de Castro Vieira, doutor pela UnB, “a vaca foi para o brejo”.

Por que Dilma Rousseff deixou a vaca ir para o brejo, não para beber água, e sim para afogar-se? Por causa da reeleição. “Não tenha a menor dúvida. Se alguém pensa que foi por ingenuidade, que eles não sabiam o que estavam fazendo… Sabiam, sim”, afirma Delfim Netto, sugerindo que a desfaçatez do governo petista é mais grave do que se costuma imaginar.

“Como vamos chegar às eleições de 2018?”, querem saber os repórteres da revista. “Talvez o Brasil não caiba no precipício”, anota Delfim Netto.

Ao final da entrevista, Delfim Netto frisa que, apesar de ter “dificuldade para decidir”, Dilma Rousseff “é uma pessoa com absoluta honestidade de propósitos”.