Crítica do escritor Diogo Mainardi ao Nordeste merece resposta dura mas não é uma questão de Estado

01 novembro 2014 às 11h12

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O Nordeste deu ao Brasil seu maior sociólogo, o pernambucano Gilberto Freyre, autor do clássico “Casa Grande & Senzala”; dois de seus principais prosadores, o alagoano Graciliano Ramos, autor de “Vidas Secas” e “São Bernardo, e a cearense Raquel de Queiroz, autora de “O Quinze” e “Memorial de Maria Moura”; dois de seus poetas mais sofisticados, os pernambucanos Manuel Bandeira, criador de “Estrela da Vida Inteira/Poesia Completa”, e João Cabral de Melo Neto, autor de “Educação Pela Pedra” e “Morte e Vida Severina”; um dos mais gabaritados historiadores, o pernambucano Evaldo Cabral de Mello, autor de “O Brasil Holandês” e “O Negócio do Brasil”, e um biógrafo excepcional, o jornalista cearense Lira Neto, autor da celebrada trilogia biográfica sobre o presidente Getúlio Vargas. Podem ser incluídos na lista os poetas Sousândrade, do Maranhão, Castro Alves e Pedro Kilkerry, da Bahia, e Jorge de Lima, de Alagoas, e o romancista José Lins do Rego, da Paraíba.
O Nordeste é pobre, há imensas zonas de atraso — assim como no riquíssimo Estado de São Paulo há grandes ilhas de pobreza (os Estados Unidos têm 46 milhões de pobres — 15% da população). Portanto, quando o escritor Diogo Mainardi, ex-colunista da revista “Veja”, afirma que o Nordeste é uma região “retrógrada” e “bovina”, porque contribuiu para a reeleição da presidente Dilma Rousseff, a crítica peca pelo excesso. Primeiro, votar na petista não é necessariamente um ato retrógrado. Segundo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, não incluídos como “retrógrados” e “bovinos”, também foram decisivos para a vitória da política que está no poder.
No “Manhattan Connection”, programa da Globo News, exibido no domingo, 26, Diogo Mainardi disse sobre o Nordeste: “É uma região atrasada, pouco educada, pouco instruída” e, por isso, “tem uma grande dificuldade para se modernizar na linguagem. A imprensa livre só existe na metade do Brasil para baixo. Tudo que representa a modernidade tá do outro lado”. Puro papo. Os maiores ditadores brasileiros, Getúlio Vargas, Costa e Silva e Emílio Garrastazu Médici, eram todos do Sul do País. O inconsistente Tiririca foi reeleito deputado federal por São Paulo. As diatribes do escritor têm a ver com o clima exacerbado da campanha e com o fato de que adora polêmicas.
Porém, transformar o que disse Diogo Mainardi numa questão de Estado é mesmo falta do que fazer. O atacante Hulk, da seleção brasileira, contestou o escritor e disse que ele “não demonstra conhecimento” da “importância” da região para o país. “Infelizmente, o Mainardi demonstra ignorância e arrogância quando critica o Nordeste.” O jogador, mais do que políticos e intelectuais, fez o certo: respondeu prontamente ao ex-colunista da “Veja”. Os nordestinos e seus defensores devem fazer o mesmo: conceder entrevistas e publicar artigos criticando a opinião de Diogo Mainardi.
O deputado Silvio Costa, do PSC de Pernambuco, talvez para fazer média com seu Estado e o Nordeste, praticamente exigiu que o presidente da Câmara dos Deputados, Henrique Alves (PMDB), mande um ofício à Globo News para que esta exija que Diogo Mainardi se retrate. Se o escritor não aceitar a exigência de retratação, Silvio Costa recomenda que a Câmara processe-o judicialmente.
A Justiça é o fórum adequado para se resolver pendengas que têm importância. No caso, o deputado Silvio Costa deveria pedir espaço num grande jornal e expor suas opiniões contrárias às de Diogo Mainardi. Poderia ligar para o editor do “Manhattan Connection”, sem nenhuma “pressão” do Legislativo ou judicial, e pedir alguns minutos para defender o Nordeste, mas admitindo, logicamente, que as pessoas têm direito à opinião — dura ou frágil, certa ou errada — sobre quaisquer assuntos.