“Craque do Jogo”: decisão sobre caso Sidão remexe erro desumano da Globo

Na segunda-feira, 24, a 8ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) confirmou uma decisão de outubro do ano passado, do juiz Antonio Conehero Junior, da 31ª Vara Cível, em um caso que provoca gatilhos em quem o acompanhou acontecendo ao vivo em uma tarde de domingo de anos atrás: a humilhação em rede nacional de um trabalhador negro no exercício de sua função, provocada por um quadro da própria detentora da transmissão do evento.

No dia 12 de maio de 2019, em jogo pelo Campeonato Brasileiro, o goleiro Sidão falhou no lance que originou a abertura do Santos sobre seu clube, o Vasco da Gama, pelo qual ele então estreava. Seu time perderia por 3 a 0.

A TV Globo transmitia a partida em rede nacional e à época realizava uma enquete chamada Craque do Jogo, em que os torcedores escolhiam ao vivo quem melhor havia se destacado no confronto. Não contavam com o deboche dos torcedores. A performance ruim de Sidão gerou um efeito reverso e ele foi eleito por 90% dos votos.

Faltou bom senso para rechaçar a ironia – ou apenas informá-la, como resultado – e a bomba explodiria nas mãos de Júlia Guimarães, repórter de campo da partida. É que havia um pequeno troféu a ser entregue ao escolhido e a direção da Globo, numa mescla de apoplexia com perda de noção, não barrou o desastre que viria.

Encerrada a partida, ocorrida no domingo de Dia das Mães, Júlia teve a ingrata missão de entrevistar o jogador. Já seria (como foi) desagradável questioná-lo sobre seu desempenho e o de sua equipe quando o resultado ruim havia se fabricado a partir de uma falha do goleiro. Muito educadamente, Sidão respondeu à profissional, assumindo sua responsabilidade pelo fracasso do Vasco jogando em casa.

Então, a repórter, ela mesma extremamente constrangida, disse que precisava lhe entregar o troféu, resultado de uma votação. O jogador pegou o objeto e saiu em silêncio, em uma cena entre bizarra e humilhante. Veja o vídeo:

Júlia Guimarães não se conteve e foi às lágrimas depois da abordagem. Foi o que relatou o apresentador Thiago Maranhão, no programa Troca de Passes, do Sportv, o canal de esportes por assinatura do grupo Globo. “Eu conversei com a Júlia e ela me autorizou a contar. Ela chorou e disse que ficou primeiro com raiva, ‘ai, não devia ter feito isso’, bateu na placa de publicidade e pediu à assessoria do Vasco para encontrar o Sidão”. Então, segundo o relato do colega, na saída do ônibus do clube, a repórter deu um abraço no goleiro e se desculpou. Sidão respondeu: “Está tudo bem, eu entendo, mas eu estou chateado porque eu estava com o nome da minha mãe.” Como geralmente ocorre na data por homenagens dos clubes, cada jogador vascaíno estampava na camisa o nome de sua mãe.

No dia seguinte ao jogo, Galvão Bueno, no programa de debates Bem Amigos, no mesmo Sportv, pediu desculpas por toda a equipe, diante de seis comentaristas e convidados nitidamente desconfortáveis. Ao fim, ele questionou o comportamento em bando dos espectadores: “De onde pode vir essa maldade?”. A partir dali, a votação ficou dividida com os comentaristas.

A decisão do TJSP nega recurso à Rede Globo e mantém decisão a indenização – irrisória, diga-se, para os cofres da ré e pela extensão do dano – de R$ 30 mil por danos morais a Sidney Aparecido Ramos da Silva, o nome civil de Sidão. Na defesa da emissora, prevaleceu a versão de que foi parte de uma “brincadeira”, algo que deveria ser levado “na esportiva”. O tribunal não aceitou o argumento.

O jogador pediu R$ 1 milhão, baseado em que o acontecido havia prejudicado sua carreira, mas o pedido não foi aceito. Ele deverá receber o valor corrigido, com a emissora pagando as custas, despesas processuais e honorários advocatícios fixados em 10% sobre o valor da condenação.

Hoje, Sidão tem 40 anos e defende o Concórdia (SC), que eliminado semana passada da Série D, a 4ª divisão do futebol brasileiro. O episódio de 2019 foi apenas mais um em uma vida atribulada: o goleiro já havia sobrevivido ao vício das drogas e a uma depressão profunda.