Como Bolsonaro atraiu a imprensa para cobrir o Bicentenário transformado em comício
11 setembro 2022 às 00h00
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Os colegas reclamaram da imensa cobertura que a grande mídia deu para o 7 de setembro do candidato Jair Bolsonaro (PL). Mesmo alguns da própria “imprensa de alta patente” – para inaugurar uma expressão estranhamente contemporânea – lamentaram a cobertura. Reinaldo Azevedo, do portal UOL e do grupo Band, e Fernando Gabeira, da GloboNews, foram dois desses que puxaram para si o papel de ombudsmen.
Depois do acontecido, claro, fica mais claro que não precisava ter tanta mídia. O presidente-candidato, que corre desesperadamente para alcançar Luiz Inácio Lula da Silva (PT) nas intenções de voto ou, pelo menos, evitar uma vitória do petista no primeiro turno, soube como mobilizar as atenções, tanto de seu eleitorado como do jornalismo nacional.
Para tanto, usou como “isca” para pegar, tanto repórteres como bolsonaristas, um expediente conhecido, recorrente e até já um tanto desgastado, embora – como se provou – eficiente: o discurso golpista. Na convenção do PL que o oficializou a postulante da reeleição, Bolsonaro convocou sua militância a ir às ruas no dia 7 de setembro “pela última vez”, expressão que repetiu tendo como fundo de seu discurso, naquele momento, um efeito sonoro que funcionou como algo entre um alarme e um “teaser”. Deixou no ar o motivo pelo qual a manifestação seria a derradeira, mas não sem antes atacar os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), chamando-os de “surdos de capa preta” que teriam de “entender a voz do povo” e “jogar dentro das quatro linhas da Constituição”.
Ou seja, para quem vê letra onde há só um pingo, o presidente estava dizendo a seu séquito que o 7 de Setembro deste ano seria no formato do que houve ano passado, mas mais “resolutivo”: “Pela última vez!”.
Então, não tinha como ser diferente a ação da imprensa do que segurar suas equipes em torno de cada palavra dita por Bolsonaro, que fazia questão de, no dia do Bicentenário da Independência, misturar os papéis de chefe de Estado, chefe de governo e candidato à reeleição: a qualquer momento poderia surgir a declaração golpista, um grito de ordem, um insulto direto. Como cobrar de TVs e jornais que “não liguem” para que o presidente da República vai dizer, ainda que isso signifique uma cobertura totalmente injusta dos candidatos às eleições em outubro?
Bolsonaro conseguiu o que queria: reuniu multidões em Brasília, em São Paulo e no Rio de Janeiro e as expôs à maior cobertura midiática que poderia ter. Gente realmente apaixonada pelo discurso reacionário disfarçado de conservador e que estava ali disposta a apoiá-lo no que ele quisesse fazer. Imaginavam que, se viesse uma ordem para as Forças Armadas agirem, estariam ali “fazendo história”. Queriam fazer parte dessa fotografia autoritária, tanto quanto uma geração anterior foi às ruas em multidão ainda maior para pedir voto direto e universal para presidente. Agora, porém, a motivação é inversa à das Diretas Já: querem uma “democracia particular”, para o “cidadão de bem”, para a “família cristã”, para o “povo de Deus”.
Não se sabe se isso vai render votos para alcançar Lula. As próximas pesquisas dirão. Mas, desta vez, Bolsonaro conseguiu de fato o melhor sequestro possível da data cívica. E sem precisar de nenhum golpismo além do que exala naturalmente pelos poros – nada que o levasse à necessidade de convocar Michel Temer para uma consultoria de carta de arrependido.