Cartas indicam que papa João Paulo 2º manteve relação intensa com filósofa americana

15 fevereiro 2016 às 18h30

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O jornalista Edward Stourton diz que João Paulo 2º e Anna Teresa Tymieniecka “eram mais que amigos, mas menos que amantes”
Dois seres humanos podem se amar e, ainda assim, não terem um relacionamento amoroso — no sentido do namoro tradicional, com beijos, carícias e sexo? Há grandes amizades intelectuais entre homens e homens, entre homens e mulheres e entre mulheres e mulheres. São amizades que, de tão fortes, podem ser qualificadas de paixões. Daí se conclui, em geral, que são paixões que extrapolam a amizade — tornando-se paixões sensuais-sexuais. No campo das paixões, no qual o sexo é tão-somente um componente, quase tudo vale — até o não-sexo, que é, no fundo, sexo sublimado (e sexo é mais do que se pensa que é sexo). A notícia do dia na imprensa internacional e brasileira é a história de que o papa João Paulo 2º — um dos homens mais admiráveis do século 20 (decisivo para a queda do socialismo no Leste Europeu, notadamente na Polônia) — pode ter mantido um relacionamento amoroso, ou notadamente uma grande amizade, com a filósofa americana de origem polonesa Anna-Teresa Tymieniecka (1923-2014). Ela era casada.
Durante mais de 30 anos, de 1973 a abril de 2005, João Paulo 2º — Karol Wojtyla — e Anna-Teresa se corresponderam, de maneira intensa. As cartas foram descobertas pela BBC. Inicialmente, as cartas eram formais, intelectualizadas, mas, aos poucos, foram se tornando íntimas, com confissões dos dois lados. Em 1974, João Paulo escreveu que as cartas da filósofa “significavam muito e eram profundamente pessoais”. A BBC sugere que a americana provavelmente teria “aberto seu coração para o papa”.
Porém, apesar de pessoais e indicando conflitos, as cartas sugerem que o papa João Paulo 2º tentava não se envolver emocionalmente, respeitando seus votos de castidade. Numa carta, João Paulo 2º parece distanciar-se afetivamente: “Querida Teresa, recebi as três cartas. Você escreve que está dilacerada, mas não pude encontrar nenhuma resposta às suas palavras”.
Numa das cartas mais íntimas, João Paulo 2º diz: “Ainda no ano passado eu procurava uma resposta para estas palavras, ‘Eu pertenço a você’. Finalmente, antes de deixar a Polônia, encontrei um meio: um escapulário. A dimensão na qual eu te aceito e sinto em todos os lugares, em todo o tipo de situação, quanto estás perto e quanto estás longe”. A missiva é de setembro de 1976. O religioso percebia Anna-Teresa como “um presente de Deus”.
Quando se tornou papa, em 1978, tendo de se tornar mais discreto, dada a vigilância típica sobre um homem de Estado — o papa é uma espécie de primeiro-ministro da Igreja Católica —, João Paulo pediu a Anna-Teresa que continuasse escrevendo cartas.
Um dos depoimentos mais interessantes sobre o “caso” é do jornalista Edward Stourton, que descobriu as cartas na Biblioteca Nacional da Polônia (foram doadas por Anna-Teresa, em 2008). O repórter sublinha que a correspondência indica uma luta para conter o que era “certamente uma relação muito intensa”. Mas há evidências de um caso amoroso, de que o papa e a filósofa tiveram relacionamento, digamos, físico? Edward Stourton afirma que não há evidência de que “o papa tenha rompido o voto de castidade”. Os dois “eram mais que amigos, mas menos que amantes”, afirma o jornalista. A síntese talvez seja perfeita. Eram amigos-quase amantes, mais ou menos assim.
Karol Wojtyla e Anna-Teresa se encontraram várias vezes. Ela fazia caminhadas com o religioso, praticavam esqui e estiveram juntos num acampamento. Depois, quando o polonês se tornou papa, a filósofa o visitou no Vaticano.
João Paulo 2º era um homem bonito, charmoso e sedutor (o que não significa que dava em cima de mulheres). Durante vários anos, correspondeu-se com a psiquiatra Wanda Poltawska. As cartas da médica foram publicadas em 2009.
O cardeal Stanislaw Dziwis, secretário de João Paulo 2º, disse que “o papa tinha o dom de fazer todos aqueles de quem gostava se sentirem em um relacionamento especial com ele”. Isto ocorre muito com líderes, e João Paulo 2º foi um dos maiores líderes religiosos do século 20 e de parte do século 21 (morreu em 2005, aos 84 anos).
O sacerdote polonês Adam Boniecki, que conhecia João Paulo 2º como poucos, sugere que Anna-Teresa talvez estivesse apaixonada pelo líder religioso. “Algumas mulheres acabam se apaixonando pelos sacerdotes, isso sempre cria um problema. Se estava apaixonada pelo cardeal Wojtila, não era a única”, afirma Boniecki.
É uma visão masculina (a mulher vista como a “parte” fraca, mas também “Eva”, a sedutora) e do establishment católico. Por que o papa não poderia estar apaixonado por Anna-Teresa? É provável que a religião e, sobretudo, o fato de que Karol Wojtyla estava em ascensão na Igreja Católica, acabando por se tornar papa, tenha tornado o relacionamento amoroso — num sentido mais amplo — impossível. Mas é provável que havia mesmo alguma coisa, como sugere o jornalista Edward Stourton, além da mera amizade.